38

VOLTOU A VÊ-LA NAQUELE DOMINGO DE MAIO depois de ter recebido o recado, curto, de duas linhas, a avisá-lo de que o general o esperava em Luanda. Melhor: que o esperavam em Luanda. Depois de uma semana em Cabinda, ele suspeitou que fosse o general a recebê-lo — e Luanda, depois de uma semana em Cabinda, parecia o paraíso quando o avião começou por rondar a baía e ele olhou para o relógio enquanto acordava: sete e meia. Um carro esperava-o junto do passeio. A viagem, antes das oito da manhã, ao domingo, é rápida e, ao longe, oferece o retrato da Ilha ainda por despertar, depois de uma noite de bebida e de uma chuva tépida que deixa manchas de água e lama ao longo da estrada.

Desta vez não é o quarto habitual (de onde tem a vista habitual sobre a língua de areia que separa a cidade do mar azul e quieto, o promontório de São Paulo mais adiante), nem o hotel habitual, ocupado com um congresso. O carro leva-o para fora de Luanda, por uma estrada interminável e alaranjada. Toma um pequeno-almoço rápido antes de dormir um pouco, deitado sobre uma cama larga, limpa e acolhedora. Vida de hotel: dormir em hotéis desconhecidos e em hotéis conhecidos, retomar os seus próprios hábitos entre as obrigações da vida de hotel — saber qual é a melhor hora para fugir até ao piso da piscina, conhecer o barman do fim da tarde, sorrir à rececionista (sobretudo a ela), pedir táxis ao porteiro (e dar-lhe dois dólares).

Recordação de Miguel dos Santos Póvoa: acaba de almoçar no restaurante do hotel e, antes de abandonar a sala, percorre as mesas do buffet de domingo verificando que não ficou nada de importante para provar: muamba de galinha, quizaca, ensopado de peixe, feijão com óleo de palma, batata-doce, funje, arroz de garoupa, peixe seco assado, caldeirada de cabrito, galinha de cabidela, camarões com quiabos e leite de coco, calulu de peixe, diongo de banana, pudim de coco, pequenas amostras do apetite familiar. Ele é magro, alto, usa óculos, o cabelo curto está demasiado despenteado sob um boné de basebol azul-escuro. Também calça ténis e a T-shirt vermelha de costuras descosidas, atrás, tem escrita a palavra Athletic. Mas é domingo. Ao fundo da mesa há uma família brasileira e a ele parece-lhe que aquele homem alto que bebe Coca-Cola é parecido com um jogador de futebol famoso há uns anos, Rivaldo.

«Parece o Rivaldo», diz para um criado.

«É o Rivaldo.»

Fica sentado a uma mesa da pequena esplanada diante da piscina. Escolhe a mais recolhida de todas porque quer enrolar um cigarro. Trazem-lhe um café e, semicerrando os olhos por causa da luz do sol, repara na mulher que mergulha na piscina. Um mergulho perfeito, os círculos de água afastando-se do lugar onde ela mergulhara. Depois, ela volta à tona, começa a nadar de costas, lentamente, e ele repara nos seios, os seios flutuando na água da piscina como uma miragem da tarde de domingo, uma recompensa pelo almoço sem gosto que devorara depois de uma noite mal dormida.

«Parece o Rivaldo.»

«É o Rivaldo.»

«Parece um hotel na Florida.»

«É um hotel na Florida.»

«Parecem seios a flutuar.»

«São seios a flutuar.»

Ri sozinho, à medida que enrola o cigarro, uma mistura de duas ervas que trouxera de Cabinda — e, quando termina a operação, acende-o e inspira devagar o fumo perfumado que depois desaparece no ar, na direção dos andares superiores do hotel.

«Parecem as mamas da Sophia Loren.»

«São as mamas da Sophia Loren.»

Aspira o perfume. Limpa com a mão o suor que aos poucos se foi acumulando na testa e, para disfarçar o embaraço, coloca o pacote de tabaco de enrolar sobre a mesa, ao lado do cinzeiro. Uma tontura começa a envolvê-lo e a manietá-lo, enquanto deita a cabeça para trás, olhando para o alto, para o céu azul de Luanda. Não de Luanda, propriamente — o hotel onde fica estes dias está a cinquenta quilómetros de Luanda, ao pé de Quibala, e, portanto, não há mar, não há humidade, e também não há ruído. Só um planalto seco e quente em redor daquele hotel cuja piscina parece a de um hotel de Miami.

«Parece um hotel de Miami.»

«É um hotel de Miami.»

«Parece-me o engenheiro Póvoa», ouve então à sua frente, e baixa a cabeça devagar. Um negro sorridente estende-lhe uma mão suada e Miguel dos Santos Póvoa reconhece-o e mostra uma surpresa que não sente.

«Sou o engenheiro Póvoa, meu general.»

«Bem vindo, engenheiro», o homem sentando-se e apontando para a chávena de café. «Toma um whisky?»

«Não, general. Obrigado. Muito calor, muito sono e muito whisky nos dias anteriores.»

O outro riu, dentes brancos, os olhos fixando-o com intensidade.

«Tudo bem em Cabinda, engenheiro?»

«Como sempre. O trabalho foi feito, as plataformas trabalham bem, as amostras são de primeira qualidade», Miguel observando, sobre o ombro do general, a mulher que saía da piscina, maillot azul, gotas de água, o cabelo frisado e escorrido.

«Estamos a provar vinho, engenheiro. Vinho angolano, vindo do Sul, de uma fazenda onde plantámos vinhas há oito anos. E chegou agora o primeiro vinho. Quer fazer-nos companhia?», o general levantando-se, de camisa vermelha e calções de caqui.

Ele recusa, sempre com um sorriso. Vou preparar-me para a sesta, general. Faz muito bem, mas pense na experiência que perde: vinho angolano, o outro afastando-se com um aceno, aguardado numa mesa onde outros homens estão sentados. Daí a pouco riem todos e bebem vinho. Há algumas mulheres em volta. Uma delas era a nadadora que Miguel vigiara do seu lugar: braçadas firmes, crawl e costas, mergulho, mariposa, ir ao fundo e voltar, os seios desenhados para prolongar todos os seus movimentos, as unhas pintadas de negro, dois brincos que de repente brilharam à luz do sol na sua pele de caramelo. Daí a dez minutos, quando decidiu ir para o quarto («preparar-me para a sesta de domingo»), atravessa o pátio e ouve o general chamá-lo.

«Engenheiro.»

Ele acena-lhe, de longe, mas o outro é insistente:

«Engenheiro Póvoa.»

Miguel dirige-se para a mesa onde aquela pequena multidão festeja o triunfo do general vitivinícola, cumprimenta todos, os seus olhos encontram os da nadadora, evitando olhar os seios.

«Engenheiro Póvoa», ele apresentando-o a todos. «Venha aqui comprovar que além de petróleo, a sua especialidade, também produzimos vinho. Tragam um copo. Nem só de petróleo vive o homem.»

Entretanto, diz os nomes dos presentes, um a um. Miguel aperta-lhes as mãos. E, finalmente, apresenta a nadadora:

«Lurdes. Doutora Lurdes Varela. A nossa diretora de marketing. Ela vai tentar vender-lhe este vinho, engenheiro.»

Ela sorri e estende a mão, as unhas pintadas de negro, a pele de caramelo-escuro, a joia do marketing em África.

«Muito gosto», ela diz, um pano tapa-lhe agora o peito, mas Miguel dos Santos Póvoa sente uma tontura ligeira à medida que, em câmara lenta e diante do silêncio de todos os outros, se debruça para cumprimentá-la.

«Hoje em dia sabemos muito de marketing», ouviu então aquela voz atrás de si. Voltando-se, viu-a, óculos de sol demasiado grandes para o seu gosto, aquele fio com um minúsculo anjo de prata suspenso no pescoço, os lábios desenhados a vermelho.

«A Paula aparece quando menos se espera. Vinda de nunca se sabe onde», brincou o general, bebendo um pouco daquele vinho escuro que, percebeu Miguel daí a pouco, nenhum marketing salvaria. «Paula, o engenheiro Miguel.»

«Como está?», Paula estendendo a mão. «O general já lhe vendeu algum vinho?»

«Ainda não. Trabalho em petróleo, analiso amostras de petróleo.»

«Falta pouco para se interessar por vinho. Aqui todos nos interessamos», o general ri. A diretora de marketing ri, espreita Miguel por cima dos óculos de sol, o pano desceu um pouco sobre o peito, alguém lhe quer mostrar fotografias de vinhas angolanas num telemóvel, ele acaba por pedir uma cerveja quando Paula se levanta e se despede de todos com um aceno, lembrando que os domingos são bons para dormir uma sesta.

«Temos de combinar uma viagem até à fazenda. Ficamos lá no próximo fim de semana», propõe o general, quando Miguel fixa de novo a diretora de marketing. «Lurdes, temos de combinar isso.»

Um zumbido no telemóvel desperta-o daquela conferência de alegres produtores de vinho africano, e Miguel verifica que tem uma mensagem de Paula. Lê-a e deixa-se estar, a escutar as gargalhadas à sua volta, o tilintar de copos, as conversas sobre vinho. Tem a impressão de que está ausente, mesmo quando a diretora de marketing muda de cadeira e finge olhar melancolicamente na direção contrária, como se tivesse saudades da piscina de onde acabou de sair e onde fixou o olhar daquele português alto, de boné de basebol, que entretanto se levanta e cumprimenta todos, a voz pastosa do meio da tarde.

«A sesta, engenheiro?», pergunta o general.

«A sesta, general.»

«Tenha cuidado com os sonhos durante o dia, geralmente são perigosos.»

«Nunca sonho durante o dia», disse, mas era mentira. O seu sonho era Paula, que o aguardava no quarto. «Roubei-te a chave do quarto», dizia a mensagem no telemóvel.