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O INSPETOR JAIME RAMOS GOSTA DE VER O AMANHECER. MESMO QUE FOSSE MENTIRA, A IDEIA CIRCULAVA NA POLÍCIA — tal como o facto de não gostar de pássaros. O inspetor Jaime Ramos não gosta de pássaros. Não usa gravatas. Fuma charutos às escondidas no seu gabinete. As suas camisas têm todas o mesmo corte, o mesmo tamanho, são da mesma marca, diferem pouco de cor. O inspetor Jaime Ramos sai de casa ao amanhecer quando tem um caso para resolver nesse dia, e não atende o telefone enquanto não regressa ao gabinete, esquece o blusão no espaldar da cadeira e rouba um charuto a uma das gavetas da sua secretária. A secretária, por sua vez, é uma peça de museu que transportou da antiga sede para as novas instalações, juntamente com o cheiro a tabaco, a edição antiga de Guerra e Paz em dois volumes, a fotografia de Teófilo Cubillas e um coldre vazio que pendura no cabide.

Tirando o cheiro do tabaco, «tudo o resto é lenda», costuma ele dizer. Mas a lenda persegue-o mesmo a esta hora, atravessando a cidade pelas seis da manhã, quando ainda não há trânsito nem luz do sol — apenas um resto de orvalho sobre o capô do mesmo carro de há dez anos, o que é suficiente para lhe lembrar o amanhecer de outro tempo, ou o primeiro café tomado numa antiga taberna convertida em cafetaria. Saíra de casa como um intruso na sua própria rua, evitando fazer ruído mesmo ao fechar a porta do velho prédio de onde algum dia teria de se mudar com Rosa, como prometera há anos. As suas promessas são históricas, também, e ele sabe — dariam para preencher um catálogo de incumprimentos pessoais, de distrações que se acumulam ao lado da biografia oficial, um currículo que só os seus agentes conhecem e escondem.

Ao chegar à Rua do Carvalhido escolhe um lugar onde estacionar o carro, o que é fácil àquela hora, a dois passos da Fábrica de Candeeiros Leal, que finge observar com curiosidade enquanto entra num pequeno café já aberto. Pede uma água com gás (o refúgio de um hipertenso ensonado), que toma com os dois comprimidos que retira de uma caixa de prata do bolso das calças — mas comove-o o aroma proibido dos fritos vindo da cozinha, bolos de bacalhau, croquetes de batata, os preparativos para o almoço, carne estufada, dobrada com jardineira. De repente ouve-se a si mesmo a pedir rissóis de pescada. Dois? Dois. No plural.

«Estão quentes. Prefiro-os aos de camarão», o dono do balcão apontando-lhe um dedo cúmplice. «E logo de manhã. Depende da hora a que um homem se levanta. Prove um croquete de batata com molho de tomate.»

«O molho é fresco?»

«E de ontem. Precisa de amadurecer. Como a feijoada. A melhor feijoada faço-a à noite para o almoço do dia seguinte, se for de feijão branco como a da minha terra.»

«É de onde?»

«De Montalegre, no Barroso. Vinho branco?»

Os rissóis despertaram em Jaime Ramos uma sede inesperada — e aceitou a proposta de vinho branco enquanto mergulhava o rolo de batata envolvido em farinha, ovo e pão ralado, ainda morno, num molho de tomate sem temperatura, denso, adocicado e onde fios de cebola emergiam para conferir alegria à pasta de legume suavemente triturado, com um sabor largo a cominhos, alho e loureiro.

«Dá alegria ver alguém a comer. Sobretudo de manhã. Hoje em dia já ninguém come de manhã. E o vinho?»

«Vai bem.»

«Às vezes é o que se pede. Que vá bem.»

Jaime Ramos raramente pedia mais. Vai bem, o vinho, refrescando a língua, o céu da boca, a garganta, fazendo depois crescer um ardor ligeiro que sobe do estômago e se instala em todo o corpo.

«Hei de voltar para os croquetes de batata.»

«Não esqueça o molho de tomate.»

«Não esqueço.»

Ao sair para a rua, o céu escureceu de repente, como se estivesse zangado com a refeição de fritos e o copo de vinho matinal. Mas Jaime Ramos sentia-se repousado, respirando com mais facilidade, finalmente satisfeito com o amanhecer e preparado para uma longa espera — e, se chovesse, isso ia facilitar-lhe as coisas. Gostava de ficar dentro do carro enquanto chovia, as gotas de água descendo pelos vidros, o fumo da cigarrilha escoando pela janela entreaberta.

Mas não choveu, e Jaime Ramos também não esperou muito. Olívia saiu de casa às oito, a mochila ao ombro, um blusão de ganga pendurado na cintura, o capacete na mão direita. Atravessou a rua e seguiu vinte metros pelo passeio até à garagem onde costumava guardar a moto. Do lugar onde estava, ele pôde vê-la desaparecer na garagem — ligou o motor, preparado para segui-la logo que saísse da garagem. Mas daí a cinco minutos Olívia ainda não tinha aparecido e o telemóvel de Jaime Ramos tocou. Ao ver o número, limitou-se a sorrir.

«Chefe.»

«Sou eu.»

«Ainda bem que está aí fora. Esse carro não serve para vigilância.»

«Eu sei. Estou à tua espera.»

«Deixo a moto ou quer seguir atrás de mim?»

«Eu levo-te», disse ele, começando a retirar do lugar do morto aqueles jornais velhos, amarelecidos, esquecidos há várias semanas. E então Olívia apareceu ao seu lado, abrindo a porta do carro.