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«NÃO VOLTO PARA CASA», DISSE A RAPARIGA PARA JAIME RAMOS, Olívia sentada numa cadeira que arrastou até junto do sofá. Sobre a mesa estavam os restos do jantar do dia anterior e, ao contrário do que seria normal, Jaime Ramos não mostrou qualquer curiosidade em relação aos hábitos gastronómicos de Benedita Ferreira Vasconcelos. Limitou-se a encolher os ombros, como se a ideia de regressar a uma casa, qualquer que ela fosse, lhe parecesse absurda.
Mas ela repetiu:
«Não volto para casa.»
«Faça como entender. Não estou aqui por si. Estou aqui pelo dono desta casa.»
«Miguel?»
«Miguel. Onde está ele?»
«Fora do país. Está quase sempre fora do país, e emprestou-me a casa. O meu irmão não sabe, ninguém sabe, o meu pai não sabe.»
«Onde é que é esse lugar fora do país?»
«Angola, muitas vezes. Brasil. Nunca se sabe. Vai em trabalho.»
«E quando volta?»
«Tanto pode ser hoje como na próxima semana», Béni mordiscando o punho da camisola, os olhos desviando-se de Olívia para o polícia que acabara de acender uma cigarrilha. «Volta hoje, mandou uma mensagem a dizer que volta hoje.»
Jaime Ramos conferiu todos os retratos que tinha desenhado ao longo dos últimos dias: o cabelo escuro de Béni, a tatuagem no tornozelo que tinha visto numa fotografia, a pulseira de tecido, até a voz daquela rapariga sentada sobre uma das pernas. Pelo canto do olho observou Olívia, as mãos pousadas sobre os joelhos, inclinada para a frente, como se não pertencesse a esta conversa, limitando-se a oferecer o seu silêncio numa espécie de sacrifício e de autopunição. Levantou-se sem olhar de frente para ela e, as mãos atrás das costas, segurando a cigarrilha que entretanto se apagara, encostou-se à porta da varanda, como se se preparasse para apreciar o mar cinza de Leça.
«A partir de agora, esta história não lhe pertence», disse ele. «É provável que tenha de prestar declarações, mas a mim tanto me faz desde que não fume liamba à minha frente. Onde arranja a erva?»
«O meu irmão.»
«Tráfico de família também não me interessa», Jaime Ramos voltando-se para a sala e apontando para o cinzeiro. «Mas não deve fumar isso tudo sozinha. Acho que devia falar para casa, ligar ao seu pai. Foi a única pessoa que realmente perguntou por si.»
«O meu pai nunca pergunta por mim.»
«Você nunca o ouviu perguntar por si. Mas sim, ele perguntou. Eu ouvi.»
Disse isto antes de Béni começar a chorar, o que o incomodava bastante. Então, Olívia finalmente levantou-se e ele saiu do apartamento, o telefone na mão, ligando para Isaltino.