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O Pedro não anda lá muito contente comigo por causa da matemática. Diz que eu só ligo ao português, e que assim não pode ser, e que a matemática é muito importante, e que sem a matemática não se pode viver, e que sou uma cabeça no ar, e que, e que, e que.
Em casa o pai disse-me exactamente o mesmo, acrescentando ainda:
— Olha que as provas finais de avaliação estão à porta e eu não gostava muito que tivesses de repetir o ano por causa da matemática.
Se fosse a avó Elisa começava já a falar no seu tempo, e como então as meninas eram estudiosas. Quando a minha mãe a ouve, ri-se:
— A Mariana também é estudiosa, mãe. Os assuntos e as maneiras de ensinar é que mudaram... Dantes davam-nos coisas para decorarmos e pouco mais. Tudo dependia de termos ou não boa memória. Ninguém se preocupava muito em saber se tínhamos compreendido... Não pense que eram melhores tempos porque não eram.
No entanto, segundo ouço às vezes o meu pai conversar com a minha mãe, parece que agora também ainda não está tudo como deve ser.
— Quando a Rosa entrar para a escola talvez as coisas estejam já a levar caminho — diziam eles no outro dia.
Aí comecei eu a pensar se também iria alguma vez falar do meu tempo, como a avó Elisa. E se a minha irmã irá rir do que eu disser, como eu rio (às escondidas, é evidente) daquilo que diz a avó.
Mas o que é certo é que tenho mesmo de me agarrar à matemática, e o Pedro tem razão quando diz que só ligo ao português. O pai da Rita proibiu-a de pegar na caderneta dos cromos enquanto o Pedro não mandasse dizer que ela já estava bem na matemática. A Rita anda para aí a chorar pelos cantos, que eu bem vejo, embora se faça forte. Mas eu conheço-lhe o truque e quando lhe noto os olhos muito abertos e as mãos fechadas, já sei que aquilo anda mal.
A Rita é a minha melhor amiga e não gosto de a ver triste. Acho que, tal como eu, ela sabe que tem de estudar um bocado mais a matemática, e não era preciso proibir-lhe nada. Era preciso só explicar-lhe melhor, ter mais paciência, sei lá... Mas o pai dela é assim. No outro dia quando o Pedro mandou para casa a folha do nosso aproveitamento escolar, ele deu-lhe uma prenda porque na folha vinha escrito: «cumpriu». Acho que não faz sentido ter-lhe proibido agora os cromos, como não fez sentido ter-lhe dado então a prenda. Os meus pais dão-me prendas quando podem, quando estão felizes, quando faço anos ou é Natal, mas nunca por fazer aquilo que tenho de fazer.
— Se tu não aprenderes, o mal é só para ti — diz sempre o meu pai.
E começa logo a ler o jornal, que é sinal de que a conversa acabou.
Pego no livro das fichas de matemática e num lápis e começo a trabalhar até serem horas de jantar. A minha irmã choraminga no berço — ruído a que me vou habituando nesta casa. Antes de me deitar pego nos meus cromos da colecção «Maravilhas da Natureza» e escolho alguns dos mais bonitos para levar amanhã à Rita.