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O marido da avó Lídia chamava-se Joaquim, e segundo ela contava, tinha começado a trabalhar aos cinco anos. Quando penso nisso até fico com a cabeça um pouco tonta, pois por mais que faça não consigo entender o que é trabalhar aos cinco anos. Cinco anos é metade da minha idade — e que faria eu se me mandassem trabalhar?
Mas o avô Joaquim, que eu nunca cheguei a conhecer, tinha cinco anos e já ia com o pai dele para o campo. E não era com certeza para apanhar borboletas.
— O teu avô aprendeu muito cedo o valor das coisas e a sua verdadeira importância. Mesmo depois quando deixou o campo e se empregou na loja, horas e horas atrás de um balcão ou a carregar e descarregar fardos, a vida nunca foi coisa fácil para ele. E olha que apesar disso nunca foi homem de zangas nem de maus-tratos. E como ele adorava o teu pai! Ainda me lembro de o ver meter as poucas moedas que conseguia economizar dentro de uma caixa de fósforos. Depois, quando era dia de feira, pegava nela, dava-a ao teu pai e só dizia: «encontrei ali esta caixita... Não sei se tem alguma coisa lá dentro, mas fica com ela»... E o teu pai já sabia que ia lá encontrar uns tostões para gastar na feira. Só não sabia o que essas poucas moedas tinham custado a arranjar. E como cada uma delas fazia parte das poucas alegrias que o teu avô tinha — e de que desistira: um maço de cigarros que não comprava, um copo que não bebia ao fim do dia com os amigos, eu sei lá. Mas como os olhos dele se riam quando via o teu pai sair de casa todo feliz com a caixa de fósforos no bolso...
Acho que a minha avó Lídia aprendeu com o avô Joaquim a estar sempre contente, e a esperar sempre o melhor das coisas, das pessoas, e dos animais.
Porque a avó Lídia tinha uma paixão por todos os bichos. No dia em que o meu pai comprou o peixe vermelho para o aquário, ela passou horas seguidas a vê-lo nadar de um lado para o outro. E foi ela que, de repente, descobriu:
— Mas este peixe só tem um olho!
Corremos todos ao aquário. Era verdade. O peixinho vermelho, acabado de chegar a nossa casa, não tinha o olho direito. Nem sinal dele.
— Para que quero eu um peixe zarolho cá em casa? — disse logo a minha mãe, que não gosta lá muito de bichos.
— Mas ele com um olho vê tão bem como com dois — disse o meu pai. — Olha como ele encontra logo a comida que a gente lhe deita...
Lembro-me: o peixinho corria, feito doido, de um lado ao outro do aquário mal a água se enchia de pequeninas folhas rosadas que vinham dentro de um frasco que o pai comprara com ele. E era tão engraçado quando se virava do lado em que devia haver olho e não havia... Nem nas minhas «Maravilhas da Natureza» eu encontrava coisa que se parecesse com isso. E lá conseguimos convencer a minha mãe a aceitar o Zarolho.
E agora ele faz parte da casa. Parte da família. O meu pai até garante que ele o conhece quando, por volta das sete, mete a chave à porta.
— É verdade que conhece os meus passos, a minha voz! Até começa logo a nadar mais depressa. Pudera! Já sabe que é de mim que lhe vem a comida...
No outro dia lembrei-me disto quando a minha mãe disse para a avó Elisa:
— A Rosa já me conhece tão bem! Assim que eu entro no quarto fica logo em alvoroço...
Foi então que eu disse:
— O Zarolho também fica assim quando o pai chega ao pé dele... E só tem um olho... Que faria se tivesse os dois...
— Ó Mariana, mas que comparação! — disse logo a avó Elisa.
Francamente não entendo por que é que ela ficou tão escandalizada. No fundo a minha irmã não é assim tão diferente do Zarolho... Não fala, também tem de ser alimentada (e muitas vezes ao dia, enquanto ele fica satisfeito só com uma refeição), precisa que lhe mudem as fraldas assim como ele precisa que lhe mudem a água... Acho que não foi assim nada do outro mundo aquilo que eu disse.
E eu bem percebi que a minha mãe contou ao meu pai, e que eles se fartaram de rir. Mas eu nem tinha dito aquilo para ter graça. Aquilo era mesmo o que eu pensava.
É mesmo o que eu penso.
Sério que é.