11
— Foi a melhor coisa que já me deram — disse ela, levantando a concha e olhando para mim pelo furo. Tornou a me beijar na boca, de leve, e uma vez no pescoço. Cochichou no meu ouvido: — Obrigada, Cameron.
Eu adorava seus lábios, principalmente quando o sol os atingia e ela sorria para mim. Eu nunca a vira sorrir daquele jeito quando estava com o Rube, e torci para ser um sorriso que ela nunca tivesse dado a nenhum outro ser vivo. Não pude evitar.
As pessoas tinham ido embora e recolhemos o dinheiro da jaqueta de Octavia. Era pouco mais de cinquenta e seis dólares. No bolso esquerdo da minha jaqueta eu ainda levava todas as minhas palavras, inclusive as que acabara de escrever quando ela havia recomeçado a tocar. Meus dedos as seguravam com firmeza, protegendo-as.
— Vamos — disse Octavia, e começamos a andar pela beira-mar em direção à ponte.
Sombras de nuvens espreitavam sobre a água, como buracos que o sol tivesse esquecido. A garota a meu lado continuava a olhar para a concha, e meu coração parecia escalar as costelas a cada batida. Mesmo quando diminuiu o ritmo, continuou a pulsar com certa força. Gostei disso.
Embaixo da ponte, sentamos encostados na parede, Octavia com as pernas estendidas, eu com os joelhos dobrados, chegando à garganta. Olhei-a e notei o jeito como a luz tocava sua pele e bagunçava o cabelo caído no rosto. Era da cor do mel. Octavia tinha olhos verde-mar, como água salgada em dias nublados, pele bronzeada e um sorriso de dentes retos, que se acavalavam um pouco do lado direito quando ela abria mais a boca. Tinha o pescoço liso e alguns machucados nas canelas. Belos joelhos e quadris. Gosto dos quadris das garotas, mas gostava especialmente dos da Octavia. Eu...
Lá estava ele de novo.
Entre nós.
O silêncio.
Havia apenas o som da água atirando-se nas paredes do porto, até que, finalmente, olhei para Octavia e disse em voz baixa:
— Eu só queria...
Pausa.
Uma longa pausa.
Ela queria falar, senti. Notei isso na súplica de seus olhos e no ligeiro movimento de seus lábios. Estava doida para dizer uma coisa, mas se conteve. Terminei a frase:
— Eu só queria dizer... — Pigarreei, mas a voz continuou rachada. — Obrigado.
— Por quê?
— Por... — hesitei. — Por me querer.
Ela se virou e me olhou nos olhos por um brevíssimo segundo. Seus dedos tocaram meu pulso e desceram para se entrelaçar nos meus. Então ela disse, em um tom muito resoluto:
— Eu o quereria ainda mais se você me revelasse quem é.
As palavras me abriram por inteiro.
Eu poderia ter fingido não entender do que Octavia estava falando, mas sabia que a espera havia acabado. Ela esperaria, eu sabia disso. Mas ninguém pode esperar para sempre.
Por isso, indaguei:
— O que você quer saber?
Ela sorriu por um instante e disse, calmamente:
— Gosto do seu cabelo, Cameron. Gosto de como ele fica espetado, por mais que você tente abaixá-lo. É a única coisa que você não consegue esconder. — Fez uma pausa para engolir. — Mas o restante está escondido. Escondido atrás do seu andar calculado, da gola amarrotada da sua jaqueta e do seu sorriso nervoso, sem jeito. Nossa, eu adoro esse sorriso, sabia?
Olhei-a de relance.
— Sabia disso? — perguntou de novo, quase em tom de acusação.
— Não.
— Bem, é verdade, mas...
— O quê?
— Você não percebe? — Ela apertou minha mão. — Eu quero mais do que isso. — Um sorriso decidido lutou para tomar seus olhos. — Só quero conhecer você, Cameron.
Notei de novo o som da água.
Subindo.
Esmurrando a parede, antes de mergulhar de volta.
Por fim, assenti.
— Tudo bem — respondi.
Foi um sussurro. Quase meia voz.
— O único problema — disse ela, depois de algum tempo — é que você tem que me contar. Tem que falar.
Examinou meu rosto em busca do que eu estava prestes a dizer ou a fazer.
Eu o fiz.
Levantei-me e andei até a água.
Dei meia-volta.
A ponte se agigantava acima de mim e eu comecei a falar, agachando-me a menos de dez metros de distância e olhando dentro dela.
As palavras fluíram da minha boca.
— Meu nome é Cameron. Eu sempre disse que queria me afogar dentro de uma garota, dentro da alma dela, porém nunca cheguei nem perto... mal cheguei sequer a tocar em uma garota. Não tenho amigos. Vivo à sombra dos meus dois irmãos: um pela concentração obstinada no sucesso, o outro pelo brilho, sorriso bruto e pela capacidade de fazer as pessoas gostarem dele. Espero que a minha irmã não venha a ser apenas mais um naco de carne, desses que um sujeito qualquer pega, para o qual o cara joga alguns dólares e diz: “Compre um batom, mas não vá esquecer a cerveja.” Trabalho com meu pai nos fins de semana e fico com as mãos sujas e cheias de bolhas. Já aluguei filmes com cenas de sexo e me masturbei pensando em garotas da escola, modelos, uma ou duas professoras, garotas de comerciais, garotas de calendários, garotas de programas de televisão, garotas vestindo uniforme ou terninho, sentadas no metrô, lendo livros grossos, com o pescoço carregado de perfume e a maquiagem perfeita. Ando muito pela cidade e, quando o faço, é como se ela fosse a alma do lar. Adoro meu irmão Rube, mas odeio o que ele faz com as garotas, especialmente quando são garotas de verdade como você, que deviam saber que não é bom sair com ele, para começo de conversa. Idolatro a Sra. Wolfe, porque ela nos mantém unidos e trabalha pra cacete. Trabalha mais do que deveria ter que trabalhar e, um dia, quero fazer alguma coisa genial por ela, como colocá-la na primeira classe de um avião para ir aonde quiser...
Lembrei-me de respirar, mas esqueci o que ia dizer em seguida.
Parei de falar e me levantei, porque as pernas estavam ficando doloridas naquela posição.
Caminhei devagar em direção a Octavia Ash, cujas canelas machucadas agora eram envolvidas pelos braços cruzados.
— Eu...
Parei de novo e me agachei diante dela. Senti o sangue se acumular de novo em minhas pernas.
— O quê? — perguntou ela. — O que é?
Por alguns segundos, perguntei-me se devia ou não fazê-lo, mas, antes que me permitisse parar, enfiei a mão no bolso dos meus jeans surrados, tirei montes de papel amassado e estendi a ela, como se lhe oferecesse minha alma. No papel estavam as palavras.
— Isto é meu — disse, pondo-as em sua mão estendida. — São palavras minhas. Abra e leia. Elas lhe dirão quem eu sou.
Octavia fez o que eu tinha pedido, abrindo o pedacinho de escrito que tinha sido o primeiro. Só que tudo o que ela leu foi o começo. Em seguida, devolveu-me o papel e pediu:
— Quer ler para mim, Cameron?
Meus pensamentos se ajoelharam.
A brisa vagou por entre nós, sentei-me ao lado de Octavia de novo e comecei a ler as palavras que tinha escrito no Capítulo Um desta história:
— Nada vem fácil para um ser humano como eu. Isto não é uma queixa. É só uma verdade...
Li a página com vagar e franqueza, exatamente como a sentia, como se ela vazasse de mim.
Li a última parte só um pouquinho mais alto:
— Sei que encontrei meu cerne em uma ruela batida por sombras, em um beco em algum ponto deste lugar. No fundo, alguma coisa espera. Dois olhos brilham. Engulo em seco. Meu coração me bate. E então continuo andando, para descobrir o que é... Passo. Batida do coração. Passo...
Quando terminei, um silêncio final apossou-se de nós, e o som do papel voltando a ser dobrado pareceu algo se quebrando. Ou talvez tenha sido o som da lágrima que atravessou o rosto da Octavia.
Ela esperou um pouco antes de perguntar, em tom meigo:
— Você nunca tocou em uma garota?
— Não.
— Não antes de mim?
— Não.
— Quer me fazer um favor?
Assenti, olhando-a.
— Pode segurar minha mão?
Sentindo cada parte dela, segurei a mão da Octavia, que chegou mais perto e descansou a cabeça em meu ombro. Pôs uma perna sobre a minha e enganchou o pé sob meu tornozelo, ligando-nos.
— Nunca pensei que fosse mostrar minhas palavras a ninguém — comentei em voz baixa.
— São lindas — sussurrou ela em meu ouvido.
— Elas fazem com que eu me sinta bem...
Pouco depois, Octavia ficou de frente para mim, cruzou as pernas e me encarou, fazendo-me ler tudo que tinha escrito até então.
Quando terminei, passou minhas mãos pela sua barriga, para que eu segurasse seus quadris. Disse:
— Você pode se afogar dentro de mim quando quiser, Cameron.
Então tornou a pôr os lábios nos meus, e se deixou fluir pelo interior da minha boca. As páginas ainda estavam nas minhas mãos, pressionadas, enquanto eu segurava seu corpo pelos quadris, e pude senti-la em cima de mim, consumindo-me.