84.
Largo do Espírito Santo, 2, 2.º
Sebastião da Gama
Nem mais, nem menos: tudo tal e qual
o sonho desmedido que mantinhas.
Só não sonharas estas andorinhas
que temos no beiral.
E moramos num largo… E o nome lindo
que o nosso largo tem!
Com isto não contáramos também.
(Éramos dois sonhando e exigindo.)
Da nossa casa o Alentejo é verde.
É tirar os olhos: São searas,
são olivais, são hortas… E pensaras
que haviam nossos olhos de ter sede!
E o pão da nossa mesa!… E o pucarinho
que nos dá de beber!… E os mil desenhos
da nossa loiça: flores, peixes castanhos,
dois pássaros cantando sobre o ninho…
E o nosso quarto? Agora podes dar-me
teu corpo sem receio ou amargura.
Olha como a Senhora da moldura
sorri à nossa alma e à nossa carne.
Em tudo, ó Companheira,
a nossa casa é bem a nossa casa.
Até nas flores. Até no azinho em brasa
que geme na lareira.
Deus quis. E nós ao sonho erguemos muros,
rasguei janelas eu e tu bordaste
as cortinas. Depois, ó flor na haste,
foi colher-te e ficarmos ambos puros.
Puros, Amor — e à espera.
E serenos. Também a nossa casa.
(Há-de bater-lhe à porta com a asa
um anjo de sangue e carne verdadeiro.)