167.
Estradas

Manuel da Fonseca

Não era noite nem dia.

Eram campos campos campos

abertos num sonho quieto.

Eram cabeços redondos

de estevas adormecidas.

E barrancos entre encostas

cheias de azul e silêncio.

Silêncio que se derrama

pela terra escalavrada

e chega no horizonte

suando nuvens de sangue.

Era a hora do poente.

Quase noite e quase dia.

E nos campos campos campos

abertos num sonho quieto

sequer os passos de Nena

na branca estrada se ouviam.

Passavam árvores serenas,

nem as ramagens mexiam,

e Nena, pra lá do morro,

na curva desaparecia.

Já da noite que avançava

os longes escureciam.

Já estranhos rumores de folhas

entre as esteveiras andavam,

quando, saindo um atalho,

veio à estrada um vulto esguio.

Tremeram os seios de Nena

sob o corpete justinho.

E uma oliveira amarela

debruçou-se da encosta

com os cabelos caídos!

Não era ladrão de estradas,

nem caminheiro pedinte,

nem nenhum maltês errante.

Era António Valmorim

que estava na sua frente.

— Ó Nena de Montes Velhos,

se te quisessem matar

quem te havera de acudir?

Sob o corpete justinho

uniram-se os seios de Nena.

— Vai-te António Valmorim.

Não tenho medo da morte,

só tenho medo de ti.

Mas já a noite fechava

a saída dos caminhos.

Já do corpete bordado

os seios de Nena saíam

— como duas flores abertas

por escuras mãos amparadas!

Ai que perfume se eleva

do campo de rosmaninho!

Ai como a boca de Nena

se entreabre fria fria!

Caiu-lhe da mão o saco

junto ao atalho das silvas

e sobre a sua cabeça

o céu de estrelas se abriu!

Ao longe subiu a lua

como um sol inda menino

passeando na charneca…

Caminhos iluminados

eram fios correndo cerros.

Era um grito agudo e alto

que uma estrela cintilou.

Eram cabeços redondos

de estevas surpreendidas.

Eram campos campos campos

abertos de espanto e sonho…