190.
O amor e o ócio

Luísa Neto Jorge

uma flor intrínseca ou um veneno ainda

objectos de culto sobre lençóis postiços

se quereis diferente, diferentemente os olhos

revirados (os sonhos o cinema) ou tocar na ferida

e pela carta aberta: «beija!» insinuando

os beijos quanta verdura oh vaso débil, planta

disfarçada na penugem todo o nome toda a mão

lhe chega

pássaro toca pérola ostra fumegante

deitado de costas a fumar com o sexo todo

tudo assente demais na rapariga

jarra por vestir e então às voltas

bebendo e suplicando que o quadro

«… avança, encosta-lhe a pistola

ao coração. Ouviu-se porém…»

o vício? o cio? o símbolo? a salvação

de uma criança apoiada a um seio, na verdura,

ou embalada, salvé! E olha, e vê, e escuta-

-o, fala, afunda-o,

mais belo, ímpar, horas a fio

bebendo o leite morno

leite de natas, arquejante ainda

pela porta de trás a sair para o rio

Desgrenhada. Cinco horas. Se entretanto

chegar a maior noite qual de vós escolherá o puro

amor (delirante; ocioso; os trabalhos e os tempos;

delirante contacto: a pele) de perdição.

Perdendo-se, desaparecendo, enfim.

Anémona, Lírio, a de louco pulso o de sábios pés

assim antigamente imorredoiros, hoje em casa

são elas as mulheres as cortinas onde ele se

enterra

Orfeu em exclamações: a mim! a mim! ó corpo clássico

doçura, etc., etc., centro.

Saiu, talvez, e constipou-se mas

já saíra dela inteiro exangue.

Raparigas, mulheres, e quase velhas. Seis horas

alma (romântica), corpo…

saberemos? Alguns lábios conhecem seu especial

impacto. Assim diferente se vestiu

olhando-o atentamente nu