205.
Por acaso ele e ela
se deitaram

Pedro Tamen

Por acaso ele e ela se deitaram

depois do baile da Academia.

Por acaso as entranhas se pejaram

quando na rua apregoava o dia.

Por acaso ele e ela se casaram

às esconsas dos lumes e do céu.

Por acaso ele e ela se deitaram

para lados alheios. E nasceu.

Por acaso chorou nos duros panos

do berço oficial daquele dia.

Por acaso berrou anos e anos

para esmagar a outra gritaria.

Por acaso lhe deram banacau,

anel, relógio, livros e cadela.

Por acaso aprendeu a não ser mau

e a não ser bom quando lhe punham trela.

Por acaso brincou a não ser só

debaixo de latadas e pinheiros.

À saída da escola se deitou

a não sonhar os dias verdadeiros.

Por acaso acordou de um outro lado

com palavras na mão que lhe dariam.

Por acaso dormiu agoniado

outras noites de gaze, que fediam.

Por acaso atrás do tojo se encontrou

com uma mulher nascendo, que não quis.

Por acaso não quis, nem se deitou:

não a trocou, trocou-se por brasis.

Foi-se moendo louco nos caminhos,

desfiando colares de contas novas;

engravatou-se sob os colarinhos

amarrotados pelas muitas sovas.

Por acaso se deitou e fez-se filhos

e ao levantar-se eram palavras sãs.

Espreguiçou-se e desatou atilhos,

reengoliu o bafo das manhãs.

Por acaso encontrou, desencontrou,

sacudiu-se da chuva como um cão.

Por acaso bebeu e entornou

o vinho do amor, molhou o pão.

Soube depois, e ao virar da esquina,

que há rota e derrota, e que é curto o prazo

da morte-macaca e morte-menina.

Então se deitará, e por acaso.