282.
Bess McNeill
Fernando Pinto do Amaral
Foi numa estranha igreja o nosso
casamento.
Ninguém tocou os sinos, não havia sinos,
e enquanto os outros ainda dançavam
deixei o teu vestido muito branco
manchado de sangue
Ensinei-te a voar.
O teu corpo estivera desde sempre
à minha espera, o teu sorriso
era mais do que luz,
era o espelho mais puro desse Deus
que falava contigo e era ao mesmo tempo
a tua voz.
Fiquei naquele quarto meses, anos,
na minha quase-morte, quase-noite,
e um dia pedi-te o maior sacrifício:
que te entregasses por amor de mim
a outro, que vivesses
por mim a tua a nossa vida
E tu foste e vestiste
umas roupas de puta e desceste
e desceste e desceste e desceste
e acreditaste.
Não sei qual é o preço ou o castigo
de cada alma ou simplesmente disso
a que chamamos salvação
— um corpo?, só um corpo?, nada mais?
E tu foste de novo, cordeiro de Deus,
e entraste no barco da morte
para que dessas lágrimas nascesse
a minha vida. Aqui, agora,
beijo os teus lábios frios,
lanço ao mar o teu corpo
e escuto enfim no céu, por entre as nuvens,
os sinos que celebram a tua chegada.