286.
Corpo e terra

António Ramos Rosa

Vejo o corpo grande, na solidão ignorada,

na sua alvura larga, toalha viva e água,

na banheira cantando como é larga a mulher!

Sem destino oiço o sol e as janelas abertas,

oiço um corpo extenso, branco, volumoso,

abraçando a madeira, abraço a carne, a terra viva.

Entrar em ti, mulher, ó lâmpada de seda,

abrir-me na paisagem de um só tronco com boca,

encrespar as planícies da tua pele ondulada,

ó como o mar é claro nesta onda deitada!

Ó como eu sou um homem no meio-dia claro!

*

Os seus seios louros (ó cor só de sonhá-la)

entre o branco e o negro, ó rósea sedução,

deitado à tua sombra respiro mamilos plenos

a obscura densa suave oscilação

*

(mulheres de Picasso)

Estou preso a estas linhas de espaço e de ternura

Tremendo na montanha fina da carne plena

*

Murmúrio tão intenso e a água sempre bela!

A casa branca, gloriosa e simples.

Aberto o vale diante da janela,

a mesa com os frutos e a claridade da água

na jarra ao centro, as árvores no azul!