328.
O chamamento
Jorge Gomes de Miranda
Parecia acontecer à beira da janela do teu quarto
no momento em que abandonaras a roupa pelo chão,
desligaras a luz do candeeiro,
cobrias com um lençol o peito.
Inicialmente um leve sopro nas cortinas,
uma exaltação nas páginas de um livro.
De novo o silêncio.
As sombras foram as primeiras a gritar.
Do que não pudemos ser ficaram
Fogueiras indecisas na banheira,
a t-shirt amarela com bâton,
marcas de molas de plástico nos ombros.
O corpo igual e diferente.
Irei contar outra vez a mesma história?
Tudo acontece vamos nós no sono mais profundo:
objectos fora de sítio,
rastilhos de sonhos nos bolsos da camisa,
mudanças que durante a manhã
nos fazem acreditar num chamamento:
voltamos a cabeça
e já não é por nós que chamam.
O tempo que era nosso pode ainda correr pelos silvados.
O sangue não.