16.
Rouco
A BATALHA CONTRA O CASAMENTO GAY não se trava apenas nos territórios distantes como a África do Sul ou a América Latina. Não está limitada aos países do norte da Europa que são amiúde – fraco consolo para o Vaticano – de predominância protestante. O que é mais inquietante para Roma, é que o debate chega, no final do pontificado de João Paulo II ao núcleo duro do catolicismo: a Espanha, tão importante na história cristã; a França, «filha mais velha da Igreja»; e, por fim, a própria Itália, o coração do papado, o seu umbigo, o seu centro.
No final do seu interminável pontificado, João Paulo II, doente, assiste impotente à viragem das opiniões públicas e ao debate que vai abrir, em Espanha, o casamento aos casais do mesmo sexo. No final do seu próprio pontificado, em 2013, Bento XVI apenas poderá constatar, ainda mais impotente, que a França se prepara para aprovar a lei sobre o casamento antes de a Itália fazer o mesmo para as uniões civis, pouco depois da sua partida, em 2016. Também o casamento acontecerá em Itália, no momento certo.
Entre essas duas datas, as uniões homossexuais impõem-se na Europa, se não no direito em todos os lugares, pelo menos em todas as cabeças.
«¡NO PASARÁN!» A mensagem vinda de Roma é clara. O cardeal Rouco ouve-a alto e bom som. Na verdade, não precisou de que lhe pedissem muito. Quando o seu amigo Angelo Sodano, o secretário de Estado de João Paulo II, que se tornou papa-substituto depois da doença do santo padre, lhe pede que se oponha, custe o que custar, ao casamento gay, Rouco já assumiu a chefia da «resistência». Para Roma, é preciso que Espanha não ceda, seja por que preço for. Se o casamento fosse legalizado lá, o símbolo seria tão forte, os seus efeitos tão consideráveis, que a América Latina poderia toda ela mudar em breve.
«¡No pasarán!», para dizer a verdade, não é exatamente a linguagem de Rouco. Esse neo-nacional-católico esteve mais próximo das ideias do ditador Franco do que das dos republicanos espanhóis, mas compreende a mensagem que o cardeal Bertone, quando for substituir Sodano, lhe transmitirá com a mesma intensidade.
Fui cinco vezes a Espanha – antes, durante e depois da batalha contra o casamento. Em 2017, quando regressei a Madrid e Barcelona, para as minhas últimas entrevistas, encontrei-me no cerne da eleição do novo presidente da Conferência Episcopal Espanhola. Tinham passado mais de dez anos desde a batalha pelo casamento; a chaga, no entanto, ainda parecia aberta. Os atores eram os mesmos; a violência, a rigidez, as vidas duplas, também. Como se a Espanha católica tivesse parado. E, ainda presente, puxando os cordelinhos: o cardeal Rouco. Em espanhol, diz-se: «Titiritero» – titereiro, aquele que manipula as marionetas.
Antonio Maria Rouco Varela nasceu no caminho de Santiago de Compostela: cresceu em Villalba, na Galiza, no noroeste de Espanha, uma cidade que é uma das etapas da grande peregrinação realizada, ainda hoje, por centenas de milhares de fiéis. No momento do seu nascimento, agosto de 1936, a guerra civil começa em Espanha. O seu percurso autoritário, nas décadas subsequentes, está em conformidade com o de inúmeros padres da época, que apoiaram a ditadura franquista.
Saído de um meio modesto, com uma mãe doente e precocemente órfão de pai, o jovem Rouco conhece uma ascensão social atípica. A sua educação no seminário menor é estrita e conservadora. «Medieval», até, segundo um padre que o conhece bem, e acrescenta:
– Nessa época, nessas escolas católicas espanholas, ainda se contava aos rapazinhos que a masturbação, por si só, era um pecado abominável. Rouco cresceu nessa mitologia do Antigo Testamento em que se acredita nas chamas do inferno e em que os homossexuais seriam queimados!
Ordenado padre em 1959, aos vinte e dois anos, o fidalgo Rouco sonha já consigo como cavaleiro a combater os infiéis tendo, como brasão, a cruz púrpura formada por uma espada vermelha de sangue, a da ordem militar de Santiago – que ainda podemos ver hoje em dia, no museu do Prado, no peito do próprio Velázquez, num dos mais belos quadros do mundo: Las Meninas.
Os seus biógrafos conhecem mal os dez anos que Rouco passa subsequentemente na Alemanha, durante os anos sessenta, enquanto estuda filosofia e teologia. Descrevem-no então como um padre bastante moderado, pouco à vontade socialmente, de constituição frágil, efeminado, deprimido, que se questiona; alguns julgam-no mesmo progressista. Notam apenas que é «visceralmente misógino».
De regresso a Espanha, Rouco passa sete anos em Salamanca; é ordenado bispo sob Paulo VI. Na década de 1980, aproxima-se do arcebispo de Madrid, Àngel Suquía Goicoechea: um conservador que João Paulo II escolheu para suceder ao liberal e antifranquista Vicente Tarancón. Talvez mais por cálculo do que por convicção, alia-se à nova linha madrilena e vaticana. E compensa. Ei-lo nomeado arcebispo de Santiago de Compostela, aos quarenta e sete anos – o seu sonho. Dez anos depois, torna-se arcebispo de Madrid e, em seguida, é criado cardeal por João Paulo II.
TENHO UM ENCONTRO MARCADO COM JOSÉ MANUEL VIDAL no restaurante Robin Hood, em Madrid. O nome – Robin dos Bosques – está escrito em inglês e não em espanhol. Esta cantina solidária é gerida pelo centro social da igreja San Antón, do Padre Angel, que acolhe os sem-abrigo e os «niños de la calle». Vidal, que foi padre durante treze anos, toma lá as suas refeições para apoiar a associação. Será aí que nos reencontraremos várias vezes.
– Isto, ao almoço, é um restaurante como outro qualquer. À noite, em contrapartida, é gratuito para os pobres, que comem os mesmos pratos que nós: pagamos ao almoço para que possam comer gratuitamente à noite – explica-me Vidal.
José Manuel Vidal, filho do Vaticano II, tornou-se pároco e pertence também a essa grande família, um longo rio agitado e surdo, que atravessa as décadas de 1970 e 1980: a dos padres que deixaram a Igreja para casar. Admiro Vidal pela franqueza num país onde geralmente se observa que um padre em cada cinco vive em concubinato com uma mulher.
– Na minha juventude, na década de 1950, a Igreja era a única via de ascensão social para um filho de camponeses como eu – diz-me.
O pároco despadrado conhece a Igreja espanhola do interior; decifra as suas intrigas, sob todos os aspetos, e por detrás da «pureza assassina», descobre os mais ínfimos segredos, como no filme La Mala Educación, de Almodóvar. Tendo-se tornado jornalista do El Mundo e, depois, diretor do importante meio de comunicação social on line Religion Digital – o primeiro site católico em todo o mundo para a língua espanhola –, Vidal publicou uma biografia do cardeal Antonio María Rouco Varela. O seu título, em grossas letras maiúsculas, como se se tratasse de uma personagem tão famosa como João Paulo II ou Franco, é pura e simplesmente: «ROUCO».
– O meu passado de padre permitiu-me ter acesso às informações do interior; a minha secularização atual dá-me uma liberdade rara entre os eclesiásticos espanhóis – resume, habilmente, Vidal.
Em 626 páginas, a investigação de José Manuel Vidal é uma fotografia fascinante da Espanha católica da década de 1940 até aos nossos dias: a colaboração com a ditadura fascista; a luta contra o comunismo; o domínio do dinheiro e a corrupção que gangrenou o clero; os efeitos desastrosos do celibato e os abusos sexuais. E, no entanto, o olhar de Vidal continua a ser benevolente em relação àqueles padres, a cujo número pertenceu também, que continuam a crer em Deus e a amar o seu próximo.
O cardeal Rouco foi o homem mais poderoso da Igreja católica espanhola durante uma vintena de anos, desde a sua nomeação como arcebispo de Madrid, em 1994, até à sua passagem à reforma, pelo papa Francisco, em 2014.
– Rouco é um homem profundamente maquiavélico. Dedicou a sua vida ao controlo da Igreja de Espanha. Tinha uma verdadeira corte; tinha dinheiro, muito dinheiro; tinha soldados, tropas, um verdadeiro exército – afirma Vidal, para explicar essa ascensão anormal.
Figura «do antigo regime», segundo as palavras do seu biógrafo, Rouco Varela é uma personagem profundamente anacrónica em Espanha. Contrariamente aos seus predecessores, como o cardeal Vicente Enrique y Tarancón, que foi o homem do Vaticano II e da transição democrática em Espanha, não parece «ter rompido claramente com o fascismo», segundo a expressão do padre Pedro Miguel Lamet, um jesuíta que entrevisto em Madrid.
Rouco é um «psicorrígido oportunista» que «escolheu Roma contra a Espanha», segundo as palavras de Vidal. Não teve o menor escrúpulo em envolver os católicos na arena política: mobilizou o episcopado e, de seguida, toda a Igreja espanhola, atrás da franja mais sectária do Partido Popular – a ala direita do partido de José María Aznar.
A pedra angular do poder de Rouco provém de quatro redes entrelaçadas: o Opus Dei, os Legionários de Cristo, «los kikos» e, finalmente, a corrente Comunhão & Libertação.
O Opus Dei desempenhou sempre um papel importante em Espanha, onde esta confraria secreta foi criada, em 1928. Segundo vários testemunhos concordantes, Rouco não seria ele próprio membro do Opus Dei, apesar de ter podido manipular a «Obra». No que se refere aos Legionários, tanto mais influenciáveis na medida em que são pouco letrados, formaram a guarda próxima de Rouco (o cardeal foi um partidário de Marcial Maciel mesmo depois das primeiras revelações sobre os casos de violações e de pedofilia).
A terceira rede de Rouco é um movimento conhecido em Espanha sob o nome de «los kikos» (e alhures sob o seu nome oficial; o Caminho Neocatecumenal). Parece-se com uma juventude católica que pretende regressar às fontes do cristianismo antigo e contestar a secularização que se estende por todo o mundo. Finalmente, Rouco apoia-se no importante movimento católico conservador chamado Comunhão & Libertação, criado em Itália, mas que tem uma forte presença em Espanha (desde 2005, o seu presidente é espanhol).
– Esses quatro movimentos de direita formam a base social do poder de Rouco: constituem o seu exército. Quando queria, o «general» Rouco mandava-os descer à rua, e os quatro podiam encher as praças de Madrid. Era esse o seu modo de operar. Compreendemo-lo quando lançou a batalha contra o casamento gay – diz-me Vidal.
Antes do debate sobre o casamento, Rouco dera provas do seu talento de organizador durante as Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) de 1989, que decorreram, precisamente, na sua cidade de Santiago de Compostela. Ali, o arcebispo afadiga-se e a sua eficácia seduz o papa João Paulo II, que o felicita publicamente logo no primeiro discurso. Aos cinquenta e dois anos, Rouco conhece a sua hora de glória e uma consagração que outros esperaram durante toda a vida. (Rouco renovará a operação de sedução com Bento XVI, em 2011, para as JMJ de Madrid.)
Intelectualmente, o modo de pensar de Rouco é decalcado sobre o de João Paulo II, que o criou cardeal subsequentemente. O catolicismo está cercado por inimigos; é preciso defendê-lo. Esta visão obsidional de uma Igreja fortaleza explicaria, segundo várias testemunhas, a inflexibilidade do cardeal, a sua vertente autoritária, a mobilização das tropas que decreta para ir para o combate de rua, o seu gosto pelo poder extravagante e o controlo.
Quanto à questão homossexual, a sua verdadeira obsessão, Rouco está na mesma linha que o papa polaco: os homossexuais não são condenados se escolherem a continência; e, se não conseguirem fazê-lo, deveremos proporcionar-lhes «terapias reparadoras» que lhes permitam atingir a castidade absoluta.
Eleito, e depois reeleito quatro vezes, para chefiar a Conferência Episcopal Espanhola, Rouco manter-se-á no cargo durante doze anos, sem contar aqueles em que continuará a puxar os cordelinhos, como «titiritero», sem deter oficialmente o poder (o que se mantém ainda hoje). Sempre ladeado pelo seu secretário particular um pouco galhofeiro, de quem é inseparável, e pelo seu cabeleireiro, que nunca se afasta, «una belíssima persona», reconhece Rouco; o arcebispo deixou que o poder lhe subisse à cabeça. Um nome próprio, que temos de utilizar aqui como substantivo comum, define-o com bastante rigor: Rouco tornou-se um Sodano!
O PODER DE ROUCO VARELA é espanhol, mas também é romano. Por razões de inclinações ideológicas e de inclinações puras e simples, Rouco esteve sempre em odor de santidade no Vaticano. Próximo de João Paulo II e de Bento XVI, que o defendia em quaisquer circunstâncias, era também íntimo dos cardeais Angelo Sodano e Tarcisio Bertone. Como o poder conduz ao poder, Rouco podia influenciar todas as nomeações espanholas e, em troca, os padres e os bispos deviam-lhe as suas carreira. Os núncios tinham todas as atenções para com ele. E como, em Espanha, a Igreja mede o seu poder através da relação Roma-Madrid, chamavam-lhe o «vice-papa».
– Rouco governou por meio do medo e do tráfico de influências. Sempre se falou dele como um «traficante de influencias» – diz-me um padre, em Madrid.
Em todo o lado, Rouco coloca os seus peões e abusa do seu poder. Tem os seus «hombres de placer», como eram chamados, na corte de Espanha, os bobos que faziam rir o rei. O filho da sua irmã, Alfonso Carrasco Rouco, é nomeado bispo, suscitando uma polémica sobre o seu nepotismo: começam a falar de Rouco como o «cardeal-sobrinho», o que evoca tristes recordações.
O dinheiro também, e quanto! Tal como o cardeal López Trujillo, e como os secretários de Estado Angelo Sodano e Tarcisio Bertone, Rouco é, à sua maneira, um plutocrata. O modo como a Igreja, sob a sua direção, amealhou a sua fortuna continua misterioso. Graças a esse dinheiro (e talvez ao da Conferência Episcopal Espanhola), pôde cultivar o seu poder em Roma.
Mesmo em Espanha, o arcebispo de Madrid vive como um príncipe num «ático» restaurado em 2004 com um custo de vários milhões de euros. Essa verdadeira penthouse, de um luxo inaudito, com quadros de grandes pintores, fica situada no último andar do muito mal nomeado Palacio de San Justo, uma residência particular do século XVIII, magnífico, é certo, mas rococó e um pouco fascinante com o seu barroco tardio (explorei esse palácio quando fui visitar o cardeal Osoro, sucessor de Rouco).
– No estrangeiro, as pessoas não se apercebem bem de como a eleição de Francisco foi um drama para o episcopado espanhol – explica-me Vidal. – Aqui, os bispos viviam como uns príncipes, acima do bem e do mal. Aqui, todas as dioceses são palácios grandiosos e a Igreja espanhola dispõe de um património inimaginável em todo o lado, em Madrid, em Toledo, em Sevilha, em Segóvia, em Granada, em Santiago de Compostela… E eis que Francisco lhes exige que se tornem pobres, que abandonem os seus palácios, que regressem à pastoral e à humildade. Aqui, o que lhes custa, com este novo papa latino, não é tanto a doutrina, porque sempre foram muito acomodatícios nesse registo; não, o que lhes custa é terem de se afastar do luxo, deixarem de ser príncipes, saírem dos seus palácios e, cúmulo do horror, deverem começar a servir os pobres!
Se a eleição de Francisco é um drama para a Igreja espanhola, para Rouco é uma tragédia. Amigo de Ratzinger, ficou estupefacto com a sua renúncia que nunca imaginara, nem nos seus piores pesadelos. E logo após a eleição do novo papa, o cardeal-arcebispo de Madrid teria proferido esta réplica de trágico, relatada pela imprensa: «O conclave escapou-nos».
Sabia sem dúvida o que podia esperar! Em poucos meses, Francisco manda Rouco para a reforma. Começa por o afastar da Congregação para os Bispos, um lugar privilegiado que lhe permitiria decidir a nomeação de todos os prelados espanhóis. Marginalizado no Vaticano, é-lhe pedido também que abandone, na própria Espanha, o seu cargo de arcebispo de Madrid quando tentava agarrar-se a ele apesar do limite de idade. Então, em fúria, acusando todos os que o traíram, exige imperativamente escolher o seu sucessor e propõe três nomes sine qua non ao núncio em Espanha. A lista volta de Roma, com quatro nomes: nenhum dos que Rouco propôs!
Mas o mais duro ainda está para vir. Das altas esferas, da própria Roma, cai a sanção mais inimaginável para esse príncipe da Igreja: exigem-lhe que abandone a seu penthouse madrilena. Tal como Angelo Sodano e Tarcisio Bertone em Roma, em circunstâncias similares, recusa-se categoricamente, faz arrastar as coisas. Pressionado pelo núncio, Rouco propõe que o seu sucessor viva no andar abaixo do seu, o que lhe permitiria ficar em sua casa, no seu palácio. Nova recusa da santa sé: Rouco tem de se ir embora e deixar o seu apartamento luxuoso do Palácio de San Justo ao novo arcebispo de Madrid, Carlos Osoro.
O CARDEAL ROUCO É UMA EXCEÇÃO e um caso extremo como proclamam algumas pessoas hoje em dia, em Espanha, para reabilitarem a sua imagem e para tentarem fazer esquecer as suas extravagâncias e a sua vida mundana? Gostaríamos de acreditar nisso. Todavia, esse génio malévolo é, pelo contrário, o produto de um sistema engendrado pelo pontificado de João Paulo II, em que alguns homens foram intoxicados pelo poder e pelos maus hábitos, sem qualquer oposição para travar as suas derivas. Nisso, Rouco não é muito diferente de um López Trujillo ou de um Angelo Sodano. O oportunismo e o maquiavelismo, de que foi mestre, foram tolerados, ou mesmo encorajados, por Roma.
Também aqui, a grelha de leitura é tripla, simultaneamente ideológica, financeira e homófila. Rouco esteve, durante muito tempo, em sintonia com o Vaticano de João Paulo II e Bento XVI. Adere sem hesitar à guerra ao comunismo e à luta contra a teologia da libertação, decretadas por Wojtyla; abraça as ideias antigays do pontificado de Ratzinger; é presença assídua junto de Stanislaw Dziwisz e Georg Gänswein, os famosos secretários particulares dos papas. Rouco foi o elo essencial da sua política, em Espanha, o seu aliado, o seu criado e o seu anfitrião num luxuoso chalé de Tortosa, a sul de Barcelona (segundo três testemunhos de primeira mão).
O seu séquito é homófilo e as suas amizades, particulares. Também aqui encontramos uma matriz comum a Itália, França e tantos países do mundo. Nas décadas de 1950 e 1960, os homossexuais espanhóis escolhiam frequentemente o seminário para escaparem à sua condição ou à perseguição. Em redor de Rouco, são inúmeros os criptogays que encontraram refúgio na Igreja.
– Sob Franco, que era um ditador aparentemente muito piedoso e muito católico, a homossexualidade era um delito. Houve detenções, penas de prisão, homossexuais enviados para campos de trabalho. O sacerdócio parecia então, para muitos jovens homossexuais, a única solução contra a perseguição. Muitos tornavam-se padres. Era essa a chave, a regra, o modelo – explica Vidal.
Outro padre jesuíta interrogado em Barcelona diz-me:
– Todos aqueles a quem, um dia, chamaram «maricón» nas ruas da sua aldeia acabaram no seminário.
É esta a via sacra tomada, estação após estação, no caminho de Santiago de Compostela, pelo próprio Rouco? O de uma homofilia sublimada à maneira de Maritain ou o de uma homofobia interiorizada à maneira de Alfonso López Trujillo (um amigo próximo de Rouco que vem vê-lo frequentemente a Madrid)? Não sabemos.
– Investiguei longamente esse tema – prossegue Vidal. – Rouco nunca se interessou pelas raparigas: as mulheres foram sempre invisíveis para ele. A sua misoginia é assustadora. O voto de castidade com as mulheres não foi, portanto, um problema para ele. Quanto aos rapazes, há muitas coisas perturbantes, pessoas gays à sua volta, mas nenhuns indícios de inclinações reais. A minha hipótese seria que Rouco é assexuado.
É NESTE CONTEXTO que Rouco se lança, em 2004-05, no final do pontificado de João Paulo II, na batalha espanhola do casamento gay.
– Há ter em conta que para Sodano, e depois para Ratzinger e Bertone, a proposta de lei a favor do casamento, em Espanha, pareceu de imediato um perigo sem nome. Temem o efeito bola de neve em toda a América Latina. Para eles, há que deter definitivamente o casamento aqui, em Espanha, antes que ocorra o contágio em todo o lado. Estão aterrados com o risco do efeito de dominó. Para eles, o homem da situação era Rouco. O único capaz de parar definitivamente o casamento era ele – comenta Vidal.
Rouco não vai desiludi-los. Mal o primeiro-ministro Zapatero se compromete a favor do casamento, em 2004 (inscreveu-o no seu programa eleitoral sem pensar ser eleito e ele próprio não acreditava verdadeiramente no casamento), encontra Rouco Varela no seu caminho, a fazer a sua primeira demonstração de força, sem dizer água-vai. Com os seus «kikos», os seus Legionários de Cristo e a ajuda do Opus Dei, o cardeal junta as multidões. Centenas de milhares de espanhóis invadem as ruas de Madrid em nome de «la familia sí importa». Com eles, os bispos – serão vinte a desfilar contra o casamento gay durante esse período.
Após os seus primeiros êxitos, Rouco sente-se confortado na sua estratégia. Roma aplaude com as duas mãos. As manifestações multiplicam-se em 2004 e a dúvida começa a instalar-se na opinião pública. O papa Ratzinger felicita Rouco por intermédio do seu secretário pessoal Georg Gänswein. Rouco ganhou a aposta: o governo Zapatero está no impasse.
– Nesse momento, Rouco tornou-se verdadeiramente a nossa sombra negra. Mandou os bispos saírem à rua, era inimaginável para nós – explica-me Jesus Generelo, o presidente da principal federação de associações LGBT de Espanha, próximo da esquerda.
Todavia, na primavera de 2005, a situação inverte-se. Os bispos foram demasiado longe nos seus discursos? As faixas brandidas nas ruas são demasiado excessivas? A mobilização religiosa recorda o franquismo que, também ele, afirmava bater-se pela família e os valores católicos?
– O principal erro de Rouco foi mandar descer os bispos às ruas. Franco também fizera isso. Os espanhóis interpretaram a mensagem de imediato: era o regresso do fascismo. A imagem foi devastadora e a opinião pública virou-se – comenta José Manuel Vidal.
Após uma guerra bizarra, que dura vários meses, os meios de comunicação social passam a apoiar o casamento. A imprensa, alguma dela ligada ao episcopado, começa a criticar as manifestações e a caricaturar os seus líderes.
O próprio cardeal Rouco torna-se um alvo privilegiado. A sua veemência sobre o assunto vale-lhe a alcunha, um pouco ilegítima, de «Rouco Siffredi», inclusive entre os padres (segundo o testemunho de um deles). Na internet, o cardeal é caricaturado infinitamente: torna-se «Rouco Clavel», rainha de dia, uma alusão ao ator Paco Clavel, rainha de noite, um célebre cantor de la Movida, travesti ocasional, e sempre vestido de modo extravagante. «É Rouco Varela de dia e Paco Clavel à noite», torna-se um slogan de moda. A Igreja perde o apoio da juventude e das grandes cidades; a elite do país e as classes económicas também se mudam, para evitar parecerem antiquadas. Em breve, as sondagens mostram que dois terços dos espanhóis apoiam a proposta de lei (são cerca de 80% hoje em dia).
Roma, que acompanha diariamente os debates, começa a inquietar-se com o rumo que os acontecimentos estão a tomar. Censura-se a Rouco ter ido demasiado longe e deixado alguns bispos, literalmente raivosos, multiplicar as derrapagens. O novo secretário de Estado, Tarcisio Bertone, que se desloca de urgência a Madrid, encontra-se com Zapatero e pede a Rouco que «se acalme». O novo homem forte do Vaticano, mais próximo colaborador do papa Bento XVI, ele mesmo muito homófobo, a querer moderar Rouco: a imagem é pouco banal.
Há que dizer que, por detrás dos slogans belicosos e das faixas violentamente anticasamento gay, o episcopado espanhol está, na verdade, mais dividido do que se disse. Rouco perde o apoio da sua própria Igreja. Assim, o novo cardeal Carlos Amigo e o bispo de Bilbau Ricardo Blázquez (que será criado cardeal por Francisco, em 2015) contestam a sua linha. O arcebispo de Pamplona, um religioso e bom teólogo classificado como à esquerda, antigo colaborador do cardeal Tarancón, Fernando Sebastián (que Francisco criará também cardeal logo em 2014) ataca frontalmente a estratégia de Rouco que assimila a um regresso ao antigo regime – leia-se: ao franquismo.
Claro que Sebastián, Amigo e Blázquez não aprovam o casamento pretendido por Zapatero, mas contestam a mobilização dos bispos nas ruas. Pensam que a Igreja não tem por que se imiscuir nos assuntos políticos, embora possa dar o seu ponto de vista ético sobre os debates de sociedade.
O cardeal Rouco inicia um braço de ferro no seio da Conferência Episcopal Espanhola, apoiado por dois dos seus lugares-tenentes. Detenhamo-nos um instante nestes dois homens, figuras importantes da Igreja católica que serão ambos afastados por Francisco, porque em parte alguma a batalha terá sido tão viva entre os ratzingerianos e os pró-Francisco do que em Espanha e em parte alguma terá estado tão dependente de «rígidos que levam uma vida dupla».
O primeiro é Antonio Cañizares, arcebispo de Toledo e primaz de Espanha. É amigo de Rouco e também próximo do cardeal Ratzinger, ao ponto de ser alcunhado em Espanha o «pequeno Ratzinger» (Bento XVI criá-lo-á cardeal em 2006). Tal como o cardeal americano, Burke, Cañizares adora vestir a cappa magna, o vestido de noiva dos cardeais que, com todo o pano desfraldado, atinge vários metros de comprimento e, nas grandes ocasiões, é segurada por meninos de coro e belos seminaristas.
– Como Cañizares é muito pequeno, vê-lo com o seu vestido comprido redobra o seu aspeto ridículo. Dá-lhe um ar de Mari Bárbola! – Explica-me um reputado jornalista espanhol (que faz referência à anã das Meninas; uma piada de mau-gosto que diversas fontes repetiram).
Existem inúmeros testemunhos críticos sobre Cañizares e rumores acerca das suas amizades mundanas. Foram apresentadas em tribunal várias queixas contra ele por parte de políticos eleitos e associações LGBT devido às suas afirmações homófobas e «por incitação ao ódio». Temos dificuldade em compreender se um cardeal como este serve a causa cristã ou a caricatura. De qualquer modo, pouco depois da sua nomeação, Francisco decidiu afastá-lo de Roma, onde era prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e mandou-o de regresso a Espanha. Reclama Madrid ruidosamente; Francisco risca-o da lista e nomeia-o para Valência.
O segundo homem do cardeal é ainda mais caricato e mais extremista, se possível. O bispo Juan Antonio Reig Pla envolve-se na batalha anticasamento, à sua maneira: com a subtileza de uma drag queen que entrasse no vestiário do Barça.
Revoltado com o casamento gay e a «ideologia do género», Reig Pla denuncia os homossexuais com uma violência apocalíptica. Publica testemunhos de pessoas «curadas» graças a «terapias reparadoras». Associa os atos de pedofilia à homossexualidade. Mais tarde, irá ao ponto de afirmar, a uma hora de grande audiência na televisão nacional, suscitando um escândalo igualmente nacional, que «os homossexuais irão para o Inferno».
– O bispo Reig Pla é a sua própria caricatura. Foi o melhor aliado do movimento gay durante a batalha pelo casamento. De cada vez que se expressava, fazia-nos ganhar apoiantes! Felizmente que tivemos adversários como ele! – Declara-me um dos responsáveis de uma associação gay madrilena.
A batalha espiritual e a batalha de homens que se travaram no país entre esses seis cardeais e prelados, Rouco-Cañizares-Reig versus Amigo-Blázquez-Sebastián, marca profundamente a Espanha católica da década de 2000. Segue também a linha de fratura entre Bento XVI e Francisco e continua, ainda hoje, de tal modo se mantém importante, a explicar a maior parte das tensões que subsistem no seio do episcopado espanhol. (Quando da última eleição da Conferência Episcopal Espanhola, num momento em que me encontrava de novo em Madrid, Blázquez foi reeleito presidente e Cañizares vice-presidente, uma maneira de conservar o equilíbrio das forças anti e pró-Francisco.)
APESAR DA MOBILIZAÇÃO EXCECIONAL conduzida pelo cardeal Rouco Varela, a Espanha tornou-se, 2 de julho de 2005, o terceiro país do mundo, depois dos Países Baixos e da Bélgica, a abrir o casamento a todos os casais do mesmo sexo. A 11 de julho, é celebrado o primeiro casamento e cerca de cinco mil casais irão casar-se durante o ano seguinte. É uma derrota dolorosa para a ala conservadora do episcopado espanhol. (Subsequentemente, será interposto um recurso constitucional impulsionado pelo Partido Popular e apoiado pela Igreja; a decisão dos juízes do supremo, por oito votos contra três, é irrecorrível e constituirá a vitória definitiva para os partidários do casamento.)
De essa data para cá, a questão do casamento gay continuou a ser a principal linha de fratura da Igreja espanhola. Para o compreender, teremos, todavia, de o pensar de uma forma contraintuitiva: não julgar que os bispos «gays» estariam necessariamente no clã dos defensores do casamento e que os prelados «hétero» lhe seriam hostis. Como em todo o lado, a regra é antes a inversa: são os mais barulhentos e os mais antigays que são amiúde os mais suspeitos.
O episcopado espanhol está, como em todo o lado, altamente homossexualizado. Entre os treze cardeais que o país tem atualmente (quatro são eleitores e nove não-eleitores com mais de oitenta anos), os bons conhecedores do assunto estimam que a maioria seria constituída por homófilos praticantes. Quanto à batalha que se travou em relação ao casamento gay entre o campo Rouco-Cañizares-Reig, por um lado, e o campo Amigo-Blázquez-Sebastián, por outro, teria contado com muitos «simpatizantes». Um desses cardeais espanhóis vive com o seu amante; outro é conhecido por engatar despudoradamente os seminaristas; e um terceiro prefere não dizer demasiado mal dos gays porque «sabe bem que a sua voz o trairia», segundo a mesma fonte. (Para além de uma centena de entrevistas que realizei em Madrid e Barcelona, utilizo aqui o testemunho de alguém próximo do cardeal Osoro, bem como as informações internas da Conferência Episcopal Espanhola, comunicadas por um dos seus responsáveis.)
Seja como for, o papa Francisco conhece perfeitamente o episcopado espanhol, os seus delírios, os seus charlatães, as suas cocotes, cujos códigos decifrou acertadamente. Assim, logo após a sua eleição, em 2013, vai decidir fazer uma grande limpeza em Espanha.
Os três cardeais moderados que criou (Osoro, Blázquez e Omella) confirmam esta tomada de controlo. O núncio apostólico Fratino Renzo, cujo estilo de vida, partidas de golfe, amizades e rigidez também chocam Francisco, foi totalmente curto-circuitado (e a sua partida já programada). Quanto ao bispo-charlatão Reig Pla, que espera pela púrpura, continua à espera.
– Estamos no início de uma nova transição! – Diz-me José Beltrán Aragoneses, novo editor-chefe de Vida Nueva, o jornal da Conferência Episcopal Espanhola.
O novo arcebispo de Barcelona, Juan José Omella y Omella, confirma-me, em termos prudentes e diplomáticos, um pouco codificados, a mudança de linha, quando me recebe no seu gabinete, ao lado da catedral catalã:
– Desde o concílio, o episcopado espanhol compreendeu a lição: não somos políticos. Não queremos intervir na vida política, embora possamos expressar o nosso pensamento do ponto de vista moral… [Mas] penso que devemos ser sensíveis às preocupações das pessoas. Não nos empenharmos no plano político, mas sim no respeito. Um respeito e não uma atitude beligerante, não uma atitude de guerra; [pelo contrário, precisamos de ter] uma atitude de acolhimento, de diálogo, não julgar como lembrou Francisco [com o seu «Quem sou eu para julgar?»]. Devemos ajudar a construir melhor a nossa sociedade, a resolver os seus problemas, e sempre tendo em vista os mais pobres.
A declaração é hábil, cirúrgica. A página de Rouco foi virada. Omella, um antigo missionário no Zaire, é o novo homem forte do catolicismo espanhol. Aquele que se recusara a descer à rua contra o casamento homossexual foi criado cardeal por Francisco. Vai ter assento na Congregação para os Bispos, em substituição do conservador Cañizares, eliminado. Intransigente quanto aos abusos sexuais dos padres (ao contrário de outros bispos espanhóis que, por vezes, lhes dariam cobertura), pouco suspeito de vida dupla, Omella é também mais tolerante quanto aos gays, segundo uma lei sociológica que já se encontra bem provada neste livro.
Quando de uma das minhas viagens a Madrid, no momento em que os bispos se atacavam mutuamente, no seio da Conferência Episcopal Espanhola (CEE), para a eleição do seu novo presidente, uma importante associação LGBT ameaçou publicar uma lista de catorze bispos homossexuais («los Obispos rosa»). Esta promessa de «outing» não suscitou qualquer reação; havia muito tempo que toda a gente, nos meios de comunicação social, sabia o que tinha pela frente. E, independentemente do que pudesse acontecer, imaginava-se que um deles seria provavelmente eleito na Conferência Episcopal!
Numa noite em que assisto a uma emissão em direto nos estúdios da COPE, uma rádio de grande audiência que depende do episcopado, fico surpreendido por a eleição do novo presidente da CEE aparecer como um acontecimento em Espanha (quando não suscita o menor interesse em França). Faustino Catalina Salvador, o redator-chefe dos programas religiosos da COPE, prognostica a vitória do cardeal Blázquez, de tendência pró-Francisco; outros intervenientes, a de Cañizares, a ala ratzingeriana e pró-Rouco.
Depois da emissão, continuo a conversa com alguns dos jornalistas do talk-show a que acabei de assistir. Fico surpreendido ao ouvir dizer, a propósito deste ou daquele cardeal espanhol que está «en el armario» ou «enclosetado». Toda a gente está ao corrente e fala quase abertamente da homossexualidade de certos prelados. A questão gay aparece mesmo com um dos temas subjacentes, uma das coisas em jogo, da eleição do novo presidente da Conferência Episcopal!
– As pessoas pensam que o homem de Francisco em Espanha é Osoro. Não é o que se passa. O homem de Francisco é Omella y Omella – resume um cardeal importante da Conferência Episcopal Espanhola, também ele homossexual, com quem passo vários serões a conversar.
UM POUCO AFASTADO DESTES DEBATES E SÁBIO, o arcebispo de Madrid, Carlos Osoro, é o grande derrotado desta eleição da CEE. Quando me encontro com ele para uma entrevista, compreendo que este homem complicado, que vem da ala «direita», mas se aliou a Francisco, se procura um pouco. Como todos os recém-convertidos ao papa Francisco, que o criou cardeal, quer cair nas boas graças. E para dar garantias a Roma sobre o tema da pastoral, foi ao ponto de visitar a igreja dos «pobres» do Padre Angel, no bairro gay de Chueca. No dia em que, pelo meu lado, lá fui, os sem-abrigo apinhavam-se ali, felizes por encontrarem um local onde os cafés quentes, o wifi, a ração do cão e as casas de banho eram gratuitas. «Passadeira vermelha para os pobres», disse-me o padre da CEE que me acompanhava.
– Os homossexuais também frequentam esta igreja. É a única que os trata bem – afirma.
Outrora, a igreja de San Antón estava fechada, abandonada, como acontece cada vez com mais frequência às igrejinhas católicas isoladas em Espanha. A crise das vocações sacerdotais é assustadora; as paróquias rarefazem-se em toda a parte (segundo os demógrafos, a percentagem de Espanhóis praticantes é inferior a 12%); as igrejas estão vazias; e inúmeros casos de abusos sexuais gangrenam o episcopado. O catolicismo espanhol cai perigosamente num dos países do mundo onde foi mais influente.
– Em vez de deixar a igreja fechada, o cardeal Osoro deu-a ao Padre Angel. Foi hábil. De então para cá, ela reviveu. Há lá sempre gays, padres gays, misturados com os sem-abrigo e pobres de Madrid. O Padre Angel disse aos gays e aos transgénero que eram bem-vindos, que esta igreja era a sua casa e, então, eles vieram! – Prossegue o padre.
Eis as «periferias» caras ao papa Francisco reintegradas numa igreja do centro da cidade que se tornou «la casa de todos». O cardeal Osoro, agora gay-friendly, foi ao ponto de aceitar apertar a mão aos membros da associação Crismhom que lá se reúnem (missas para as pessoas homossexuais são celebradas atualmente em Madrid por um padre gay, como pude verificar). O cardeal estava um pouco crispado, mas desempenhou a «tarefa», segundo várias testemunhas.
– Trocámos algumas palavras e alguns números de telefone – confirma um frequentador habitual da igreja.
O assistente de Osoro dir-me-á, aliás, que fica inquieto porque «o cardeal dá o seu número de telefone a toda a gente: metade dos madrilenos tem o seu telemóvel!» – e Osoro vai dar-mo também durante a nossa conversa.
– O Padre Angel fez questão inclusive de realizar, na sua igreja, as exéquias de Pedro Zerolo. Foi muito comovente. Toda a comunidade gay, todo o bairro de Chueca, que fica a dois passos, veio com rainbow flags – continua o padre espanhol da CEE.
Zerolo, cuja fotografia vi frequentemente nas associações LGBT de Madrid, é considerado um ícone do movimento gay espanhol. Foi um dos artífices da abertura do casamento aos homossexuais e casou com o companheiro, alguns meses antes da sua morte, de sequelas de um cancro. E o padre acrescenta:
– As suas exéquias foram grandiosas e muito comoventes. Mas nesse dia, o cardeal Osoro, bastante descontente, disse ao Padre Angel que talvez tivesse ido um pouco longe de mais.