17.
A filha mais velha da Igreja
DEPOIS DE ESPANHA E ANTES DE ITÁLIA, detenhamo-nos agora em França que também conheceu, nestes últimos anos, todos os excessos do catolicismo – os seus preconceitos, as suas fulgurâncias e os seus abusos sexuais. A diplomacia vaticana agitou lá os seus peões e, assim, a França tornou-se um imenso campo de jogos, a despeito da laicidade: essa guerra contra o «casamento para todos», querida pelo Vaticano, começou com uma vitória à maneira de Marengo e terminou com uma derrota à Pirro.
A França, «filha mais velha da Igreja» – para começar, detenhamo-nos nesta expressão repetida à saciedade por todos os cardeais e bispos franceses, e posta na moda pelo papa João Paulo II quando da sua primeira viagem oficial a França. A frase, absurda e já ridicularizada pelo Poeta, é um lugar comum de arcebispos sem ideias. Sinal de uma singularidade nacional, e já então uma crítica de Roma, foi inventada, em 1841, por um padre dominicano, Henri-Dominique Lacordaire, que sabemos hoje em dia, desde a publicação da sua correspondência com o seu «amigo» Charles de Montalembert, que formava com este último um casal homófilo secreto.
O cardeal Barbarin, arcebispo de Lyon, é precisamente um «filho mais velho da Igreja» e gosta de recordar o seu título ressonante de «primaz das Gálias». Mas, hoje em dia, ele é o mais conhecido – e mais contestado – dos prelados franceses. Resume, por si só, a grandeza e o descrédito da Igreja e o símbolo da sua hipocrisia.
No entanto, tudo começara bem. Philippe Barbarin foi, durante muito tempo, um padre sem história, filho de militar, bom praticante na boa rotina e na boa paróquia, cujo percurso retilíneo dava orgulho ao seu séquito. Leitor de Jacques Maritain, de Julien Green e de François Mauriac, é mais um letrado do que um intelectual. Este padre-viajante, que tem uma paixão pelo mundo árabe (nasceu em Marrocos), deu pouco que falar, a não ser para defender os cristãos do Oriente. Mas subitamente, em 2012, lança-se na maior batalha da sua vida – aquela que iria colocá-lo sob todos os projetores e perdê-lo. Decide mobilizar-se, «por razões que são suas» (segundo a expressão irónica de um dos porta-vozes dos bispos de França), contra o casamento para todos.
A abertura do casamento aos casais do mesmo sexo é uma promessa de campanha do candidato François Hollande. Eleito presidente da República, decide, logo em 2012, manter esse compromisso e o projeto de lei é apresentado.
Nesse outono, um grupo de associações díspares, frequentemente católicas ou próximas dos meios conservadores, reúne-se num coletivo para organizar as primeiras manifestações de rua. A partir de novembro, juntam-se-lhe eleitos da direita parlamentares e da extrema-esquerda. Uma parte limitada do episcopado francês também se integra nos desfiles e o cardeal Barbarin – facto raro no país da separação entre a Igreja e o Estado – mostra-se pela primeira vez na rua. Com o que o seu mero nome traz à causa, ei-lo catapultado em breve para a primeira linha dos desfiles.
Porque é que se mobilizou? Porque é que este intransigente versátil correu o risco de se mostrar? Muitos compreendem a posição da Igreja neste debate, mas entre as dezenas de bispos e padres franceses que interroguei, ninguém decifra realmente o empenhamento tão pessoal, tão obsessivo, tão fanático de Barbarin. O cardeal não esteve apenas em desacordo com o projeto de lei, o que teria sido compreensível: transformou-o num assunto pessoal colocando-se à frente das manifestações, com o risco de suscitar perguntas quanto às suas motivações.
Os que se opunham ao projeto de casamento para todos inventam um nome hábil: la Manif pour tous (a manifestação para todos), uma expressão que contribui para federar as oposições, reunidas sob a mesma bandeirola. E funciona! Nas ruas, desfilam dezenas de milhares de pessoas, em breve centenas de milhares, com slogans que são ora divertidos, ora mais tortuosos: «Queremos sexo, e não género»; «Stop à familifobia»; «O papá usa calças»; ou o muito delicado: «Não há óvulos nos testículos». Por vezes, as frases poéticas fazem sorrir: «Os bebés nascem nas couves e nas rosas, e não nos arco-íris».
O antigo primeiro-ministro François Fillon, próximo da direita católica, desce pessoalmente à rua e promete que, mal regressem ao poder, os Republicanos ab-rogarão a lei e «descasarão» os casais gays. O cardeal Barbarin, agora chantre do clericalismo mais obscuro, inflama-se contra uma lei iníqua que vem refutar a Bíblia. Em contradição com a laicidade e toda a história de França a partir da Revolução de 1789, nega a autoridade do Parlamento pretendendo que a Bíblia prevaleça sobre o direito: «Para nós, a primeira página da Bíblia, que diz que o casamento une um homem a uma mulher, tem um pouco mais de força e de verdade, que atravessará as culturas e os séculos, do que as decisões circunstanciais ou passageiras do Parlamento». Como é que aquele homem tão avisado comete tal erro, desrespeitando até a célebre frase de Cristo: «Há que dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus»?
Barbarin acrescenta, numa entrevista de rádio, como se essa primeira provocação não bastasse, que o reconhecimento do casamento gay prognosticava a vontade de «fazer casais a três ou a quatro» e, subsequentemente, de fazer cair «a proibição do incesto» ou a da poligamia. Por meio destas amálgamas nauseabundas, Barbarin afasta-se de uma grande parte da opinião pública e, o que é mais grave para o seu combate, dos católicos moderados.
Pelo seu lado, o papa Bento XVI sai da sua reserva em novembro de 2012 para apoiar os bispos de França na sua luta contra o casamento gay. Exorta-os a expressarem-se «sem medo», com «vigor» e «determinação», sobre os «debates de sociedade [como] os projetos de leis civis que possam prejudicar a proteção do casamento entre o homem e a mulher».
É inegável que as mobilizações são um êxito. Falou-se de um «maio de 68 conservador», apesar de as multidões que desfilam pelas ruas terem ficado sempre muito abaixo das marchas de orgulho (o nome dado em França à Gay Pride parisiense anual). O governo de esquerda está paralisado e o projeto de lei é revisto em baixa: retiram-se dele a «reprodução medicamente assistida» e a «gestação para outrem», que deviam acompanhar a abertura do casamento aos casais do mesmo sexo. Mas o direito à adoção é mantido.
A Manif pour tous torna-se um movimento societário influente que em breve cria o seu ramo político, chamado Sens commun (senso comum). Entre os líderes desses dois grupos imbricados de uma forma maligna, várias figuras controversas começam, no entanto, a suscitar críticas. É, para começar, o caso de uma tal Virginie Merle, uma humorista de cinquenta anos que representou durante muito tempo nos cabarés gays: mais conhecida sob o nome de Frigide Barjot (um jogo de palavras de gosto duvidoso com o nome da atriz Brigitte Bardot), torna-se porta-voz do movimento. O facto de aquela que cantou «Faz-me amor com dois dedos porque com três a coisa não entra» se pôr a desfilar ao lado do antigo primeiro-ministro François Fillon e do cardeal Barbarin não deixa de surpreender. «Por que mistério é que a Igreja católica se aliou ao seu penacho cor-de-rosa?», pergunta-se um jornalista de L’Obs.
Frigide Barjot, uma burguesa que cresceu no Jaguar de um pai próximo da extrema-direita e que frequentou mais do que seria razoável as redes lepenistas, é a sua própria caricatura. As pessoas lembram-se dela, bêbeda e provocante, a cantar em cima das mesas do clube gay parisiense Le Banana Café, rodeada de drag queens! Melhor: foi ao ponto de celebrar o casamento paródico de um militante gay, num serão em Paris. Aos cinquenta e cinco anos, afirma «ter abandonado a pílula».
Ei-la transformada em símbolo da Manif pour tous, de que pretende fazer uma «catho-pride». Afirma-se «porta-voz de Jesus». O seu discurso é de tal modo excessivo, homófobo e sobretudo incoerente, que é difícil compreender por que razão notáveis e eminências se aventuram a seu lado.
O cardeal Barbarin, que trata Barjot por «cara Frigide», forma em breve, com ela, o casal mais em evidência da Manif – e o seu emblema. Que esse homem «closeted» na sua sotaina estrita desfile de mão dada com uma maluca de minissaia cor-de-rosa e crina amarela chocou muitos católicos. «Sou uma rapariga de maricas», repete ela, várias vezes, sem se aperceber de que compromete todos os que a rodeiam.
Um padre francês influente no seio da Conferência Episcopal de França mostra-se particularmente crítico:
– Ficámos todos surpreendidos com a vertente populista de Barbarin. Esse anti-intelectualismo não se parece com o catolicismo francês. Aqui, somos os filhos de Jacques Maritain, de Georges Bernanos e de Paul Claudel, e não de Frigide Barjot! O catolicismo francês é letrado, e não iluminado; há uma corrente devota, muito à direita, é certo, mas mesmo essa sempre se quis intelectual! Quanto a Barbarin, exibe-se com uma doida oxigenada!
Com a sua «Cara Frigide Barjot», Barbarin afadiga-se pela sua nova causa: mobiliza os padres e os fiéis, que organizam a distribuição de panfletos políticos ao fundo das igrejas. Percorre a sua diocese, de sotaina e echarpe sarapintada, e ziguezagueia nos estúdios de televisão, de clérgima.
– O cardeal é bastante esquizofrénico – confia-me um dos seus antigos colaboradores que preferiu afastar-se dele porque já não se sentia muito à-vontade no seu séquito.
A homofobia do cardeal é tanto mais surpreendente, diz-me a mesma fonte, quando os rumores sobre esse círculo próximo são precisamente recorrentes. Alguns dos seus colaboradores seriam inclusive gays «notórios», segundo o adjetivo utilizado outrora pela polícia. Também é o caso de vários bispos que se mobilizam, histéricos, em determinadas cidades de França. A homossexualidade do episcopado francês é, como as relações incestuosas na corte real de A Guerra dos Tronos, um dos segredos mais bem guardados – mas também mais partilhados.
Em França, o clericalismo, isto é, a ingerência abusiva do clero na política, tem mau acolhimento na imprensa. Traz tristes recordações: a monarquia que se baseava na «aliança do trono e do altar»; a Contrarrevolução; a Restauração e os ultramontanos; os católicos antissemitas e antidreyfuss; a batalha em redor da lei de 1905; o regime de Pétain, em Vichy, baseado na «aliança do sabre e do hissope». Ora, os artífices do combate ao casamento, ademais invadidos por grupúsculos violentos, aproximaram-se da extrema-direita. Por ter esquecido que a interferência da Igreja nos assuntos políticos é, em França, uma tradição muito estranha à cultura nacional, a Igreja perde o combate da opinião.
Em rutura com a matriz francesa de uma Igreja católica que goza de uma certa independência em relação à santa sé, o clericalista Barbarin foi manipulado pelo Vaticano? É possível. Segundo várias fontes, o primaz das Gálias teria recebido as suas ordens diretamente em Roma e não em Paris. Vaidoso, o cardeal sempre se dirigiu a Deus e não aos santos! Sobretudo porque, nessa época, a Conferência Episcopal Francesa é muito disfuncional: o seu presidente, Georges Pontier, está ausente; quanto ao apagado cardeal André Vingt-Trois, que, no entanto, é arcebispo da capital e bastante gay-friendly (criou um seminário pastoral para as pessoas homossexuais no Collège des bernardins, entre 2011 e 2013), é discreto e foge dos meios de comunicação social. Barbarin ocupa o espaço sozinho.
Entre os que, em Roma, dão ordens a Barbarin, citam-me o cardeal francês, Dominique Mamberti, então «ministro» dos Negócios Estrangeiros de Bento XVI e hoje em dia chefe do Supremo tribunal da Assinatura apostólica, o supremo tribunal do Vaticano, onde me recebeu. O homem é discreto e elegante, longilíneo. Raramente encontrei um cardeal tão distinto, o que dá nas vistas em relação a tantos prelados desabotoados. Um ensaísta francês, próximo dele, diz-me que lhe chamam «o homem das cem sotainas», o que, sem dúvida, é exagerado. A sua solicitude e a sua cortesia não são fingidas, mas a secura da sua conversa levou o cardeal Jean-Louis Tauran a dizer que Mamberti era «intimidante à força de ser tímido». A tal ponto, que não diz nada, durante a nossa conversa um pouco protocolar; fica constantemente em guarda e é-me difícil saber se Mamberti, ou um dos seus pares, pôde «dirigir» realmente o cardeal Barbarin a partir de Roma ou se este agiu sozinho.
A LEI SOBRE O CASAMENTO PARA TODOS é votada, finalmente, a 17 de maio de 2013, apesar destas mobilizações de massas. É aprovada por uma larga maioria na Assembleia nacional por 331 deputados contra 225, ou seja, mais de 100 votos de diferença. A França torna-se assim o décimo quarto país a autorizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Milhares de casais homossexuais casam-se nas semanas imediatas e uma larga maioria dos franceses, mais de dois terços, aprova agora esta lei. Mais: 63% das pessoas interrogadas consideram hoje em dia que um casal de homossexuais que vive com os seus filhos «constitui uma família de pleno direito». Prova deste consenso rápido: os principais candidatos de direita às eleições presidenciais de 2017 já não proporão ab-rogar a lei sobre o casamento. Quanto aos católicos moderados, reconhecem agora que, graças às uniões do mesmo sexo, a instituição do casamento, que estava em declínio, recupera tónus e que a curva se inverte!
A cruzada descomedidamente caricatural do cardeal Barbarin, bem como os excessos ocasionados pelos extremistas de direita, favoreceram a mudança da opinião. Foi uma bênção para a esquerda que já não teve de defender o casamento, mas apenas mobilizar-se em nome da «laicidade». Quanto à Manif pour tous e ao seu ramo político, Sens commun, a sua derrota ainda foi mais amarga, não só porque a lei votada criou um consenso nacional, mas também porque levou a maioria dos seus líderes a aderir ao partido de Marine Le Pen ou a apelar ao voto nela. Afinal de contas, as máscaras caíram: ao fim de vários anos de um combate um pouco circular, esse catolicismo de intransigência fecha o círculo; fez o jogo da extrema-direita. Finalmente, um coming out!
Para o cardeal Barbarin, a situação também se inverte. O chantre dos anticasamento gay é convocado pela polícia de Lyon e submetido a um interrogatório de dez horas, antes de ser citado para comparecer em tribunal. Dez vítimas de abusos sexuais acusam-no de ter dado cobertura a factos graves de pedofilia e a agressões sexuais sobre menores, cometidos por um padre da sua diocese. Em breve, mais de cem mil franceses assinarão uma petição a exigir a sua demissão. É censurado a Mons. Barbarin não ter denunciado os atos do padre quando deles foi informado e de o ter mantido em funções, em contacto com crianças, até 2015. Outros abusos cometidos por padres sob a sua autoridade – que fazem subir o número de casos para oito – rebentam pouco depois. No total, a opinião pública descobre, estupefacta, que mais de vinte e cinco bispos deram cobertura, metodicamente, a mais de trinta e dois padres acusados desses crimes horrendos, com trezentas e trinta e nove vítimas presumidas (segundo as revelações do site Mediapart, em 2017). Um verdadeiro «Spotlight francês».
De então para cá, o caso Barbarin não deixou de estar no centro das atenções. Publicaram-se centenas de artigos e vários livros de grandes jornalistas, como os de Marie-Christine Tabet (Grâce à Dieu, c’est prescrit) ou de Isabelle de Gaulmyn (Histoire d’un silence), ou ainda uma longa investigação de Cécile Chabraud para Le Monde e uma emissão «Cash Investigation» de Élise Lucet para a France 2, enumeraram as práticas de encobrimento do cardeal. Uma verdadeira omertà.
Há uma moral na Igreja católica? De qualquer modo, a concomitância das datas continua a ser perturbadora: quando o cardeal Barbarin desfilava nas ruas contra o casamento para todos, estava prestes a ser apontado a dedo por ter dado cobertura a padres pedófilos! (Nesta fase do processo, Mons. Barbarin, que nega os factos, foi citado para comparecer em tribunal por um delito passível de três anos de prisão; não tendo ainda sido julgado nem condenado – o processo foi adiado para 2019 –, beneficia, no direito francês, da presunção de inocência.)
DUAS OUTRAS FIGURAS-CHAVE do catolicismo francês e verdadeiras estrelas da Manif pour tous confirmam a hipocrisia do sistema católico. A primeira é um célebre padre e terapeuta, ligado à diocese de Paris: Tony Anatrella. Pensador fetiche dos anticasamento e próximo do cardeal Ratzinger, foi nomeado consultor, no Vaticano, para os conselhos pontifícios encarregados da família e da saúde. Graças a esse reconhecimento romano, torna-se então a voz quase oficial da Igreja sobre a questão gay, no preciso momento em que começa a tomar uma inflexão cada vez mais integrista.
A partir de meados da década de 2000, Anatrella é encarregado, pela Conferência dos Bispos de França, de redigir a argumentação contra o casamento gay. As suas notas, os seus artigos e, em breve, os seus livros são cada vez mais violentos, não só contra o casamento, mas também, mais amplamente, contra os homossexuais. Com todas as suas forças, e em todos os ecrãs mediáticos, o padre-terapeuta chega ao ponto de recusar «o reconhecimento legal da homossexualidade» (despenalizada, todavia, em França, desde Napoleão). Convertido em paladino pela Manif pour tous, torna-se um dos seus teóricos. «A Manif pour tous torna os políticos obsoletos», felicita-se o prelado em inúmeras entrevistas, acrescentando que «o “casamento” homossexual é a decisão mais medíocre dos ideais de maio de 68!» Caridoso, Anatrella torna-se também o chantre das «terapias reparadoras» que, segundo ele, proporcionariam aos homossexuais uma solução para deixarem de o ser.
Uma vez que o padre também é psicanalista – apesar de não pertencer a nenhuma sociedade de psicanálise –, oferece justamente sessões de «conversão» aos seus pacientes, de preferência masculinos, num gabinete especializado. Aí, recebe jovens seminaristas cheios de dúvidas e rapazes de famílias católicas burguesas que têm problemas com a sua identidade sexual. Todavia, o doutor Anatrella esconde bem o seu jogo, quando explica que, para corrigir o Mal, é preciso que se dispam e se deixem masturbar por ele! O charlatão exerce durante inúmeros anos até três dos seus pacientes decidirem apresentar queixa contra ele por agressões sexuais e toques continuados. O escândalo mediático tem uma dimensão internacional, sobretudo porque Anatrella era próximo, em Paris, do cardeal Lustiger e, em Roma, dos papas João Paulo II e Bento XVI. Estranhamente, antes mesmo de qualquer veredito, o nome de Tony Anatrella é apagado das publicações oficiais e esse antigo mestre de pensamento desaparece subitamente das referências da Manif pour tous. (Mons. Anatrella negou essas acusações. Embora o seu processo judicial tenha terminado com um arquivamento sem seguimento em virtude de prescrição, no entanto determinou os factos; Mons. Anatrella foi suspenso do seu cargo e o cardeal de Paris deu início a um processo canónico; em julho de 2018, no final desse processo religioso, o padre foi punido e suspenso definitivamente de toda e qualquer prática sacerdotal pública pelo novo arcebispo de Paris, Mons. Aupetit.)
O segundo caso, o de Mons. Jean-Michel di Falco, é diferente. Este prelado ultramediático foi durante muito tempo porta-voz da Conferência Episcopal Francesa. O padre di Falco mostrou-se, ao contrário de Anatrella, bastante compreensivo quanto à questão homossexual. Conheci-o, outrora, e não era homófobo: pelo contrário, sempre me pareceu particularmente gay-friendly. Um pouco de mais, talvez!
Nomeado bispo de Gap, o espaventoso di Falco é alvo de críticas severas pelo seu estilo de vida sumptuoso, as suas relações; este membro do jet-set teria mesmo deixado um rombo financeiro de 21 milhões de euros na sua diocese. Mais grave: Jean-Michel di Falco foi também acusado de abusos sexuais por um homem. O caso teve um grande eco antes de ser arquivado em virtude de prescrição e por falta de provas suficientes (di Falco sempre negou os factos; o queixoso recorreu). No entanto, o papa Francisco aceitou a passagem à reforma do bispo mais mediático do catolicismo francês.
Nestes últimos anos, outros setenta e dois padres franceses foram acusados ou condenados por abusos sexuais, cometidos, na grande maioria dos casos, sobre rapazes. Segundo os números da Conferência Episcopal Francesa, são recenseados cerca de duzentos e vinte noves casos de abusos deste tipo, todos os anos.
À força de hipocrisia, vida dupla e mentiras, a Igreja de França tem dificuldade, hoje em dia, em convencer do bem-fundado das suas posições morais, numa sociedade amplamente descristianizada. Os seus seminários esvaziaram-se; os padres morrem e não são substituídos; as suas paróquias estão desertas; o número de casamentos católicos e de batismos caiu a pique; e, para terminar, o número de católicos «praticantes regulares» tornou-se marginal (entre 2 e 4% da população, hoje em dia, contra 25% em 1960). A França é, agora, um dos países menos crentes do mundo.
O episcopado, um modelo de opacidade, dissimulou durante demasiado tempo a sua sociologia de dominante homossexual, chave de leitura das mobilizações da Igreja contra o casamento para todos. A «filha mais velha da Igreja» ter-se-á tornado uma das capitais de Sodoma?
DESDE JANEIRO de 2018, foi nomeado um novo arcebispo de Paris que aspira a devolver os músculos ao catolicismo francês e pôr em ordem uma máquina doente. Trata-se de Mons. Michel Aupetit, que foi durante muito tempo médico e solteiro; só entrou tardiamente no seminário, aos trinta e nove anos. Ordenado padre aos quarenta e quatro anos, foi afetado, no início da sua carreira, à igreja de Saint-Paul, onde, em Les Misérables, Marius casa com Cosette!
– Foi uma escolha muito judiciosa do papa Francisco – confia-me, num tom oleoso, o cardeal francês Jean-Pierre Ricard, durante um almoço em Bordéus.
Uma opinião positiva que é partilhada por muitos.
– Antes de ser ordenado, Aupetit não casou: não se lhe conhece nenhuma mulher. Parece ter feito voluntariamente voto de castidade heterossexual ainda antes da obrigação de castidade sacerdotal. Uma vez ordenado, teve a particularidade de ser vigário da paróquia de Saint-Paul e capelão do Marais, o bairro gay de Paris – conta um padre dessa paróquia que o conheceu bem.
Esse padre, que é visivelmente gay, acrescenta, sorrindo:
– Com a igreja de Saint-Eustache, onde oficiava o padre Gérard Bénéteau, e a do bispo de Évreux, Jacques Gaillot, Saint-Paul-Saint-Louis-du-Marais é uma das paróquias mais simbolicamente gays de França!
Um pároco que trabalhou durante muito tempo com Aupetit na diocese de Nanterre conta-me também o que sabe. O padre, aliás, admite perante mim, sem rodeios, também ele, a sua homossexualidade; engata descaradamente os empregados de mesa durante uma dezena de almoços e jantares que fazemos juntos.
– Mons. Aupetit é um bispo que arranja tempo para ouvir. Ao contrário do cardeal Barbarin, por exemplo, que nunca tinha tempo para os padres da sua diocese, Aupetit conhece-nos muito bem a todos. É um homem prudente e refletido. Não é, certamente, um progressista: utiliza frequentemente os termos da direita dura e é muito hostil à reprodução medicamente assistida e a tudo que se relacione com a genética e a eutanásia. Mas é um homem de diálogo. Podemos falar com ele até ele ter formado a sua própria opinião sobre um tema; a partir de então, torna-se muito autoritário e muito clerical, um pouco como todos os recém-convertidos.
Embora o bispo seja apreciado pelos seus colaboradores e tenha boa fama, a promoção de Aupetit a Paris foi vivamente contestada no seio da própria Conferência dos Bispos de França. Ali, acusavam-no de estar demasiado «à direita», de ser demasiado «rígido» ou demasiado «efeminado». Diversos prelados próximos do arcebispo de Rouen, Dominique Lebrun, tentaram inclusive fazer capotar a sua nomeação; um dos porta-vozes da Conferência Episcopal Francesa garantiu-me mesmo, pouco antes da sua designação, que «o bispo de Nanterre nunca será confirmado em Paris pelo papa». A batalha em volta da nomeação de Aupetit teria estado misturada, nomeadamente, com intrigas vertiginosas de iniciados, que opunham em particular «várias fações homófilas do episcopado», segundo duas fontes internas.
Veremos, nos anos que aí vêm, se o novo homem forte da Igreja de França é capaz de tornar a dar um rumo aos católicos franceses, profundamente divididos e duradouramente desnorteados.