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De barriga para cima, quase sentado, a camisola interior ajustada ao peito e um lençol branco com a dobra amarrotada. Está a fumar, enquanto Lola dormita tapada com a colcha até ao pescoço. Tem de ir ver Adela, mas quer adiar o encontro o mais possível porque lhe custa muito.

O médico ia passar pela casa dela hoje de manhã. O que terá dito? Quanto é que ainda lhe resta por sofrer? Precisa de pensar noutra coisa, alguma coisa que o tire desse inferno doloroso e sujo. Ontem teve de ajudar a mudar os lençóis, restos de fezes, urina e sangue, tudo misturado naquele quarto que um dia foi o seu… Naquela cama… Mal conseguiu conter as náuseas. Sente-se muito mal. Como se alguém o arrastasse pelos pés e tentasse levá-lo para onde não quer ir. Tem de pensar noutra coisa… Noutra coisa… Noutra coisa…

A mulher do cabelo branco.

Foi o melhor que lhe aconteceu nos últimos dias. Essa pródiga cliente que lhe salvou a semana ao comprar cinco livros que ele nunca pensava vender. Quem é que vai querer comprar livros em inglês neste bairro? No sábado passado também veio. Começa a gostar de a ver aparecer na loja com os seus confortáveis sapatos rasos e o seu metro e setenta e cinco — é tão alta como ele —, sempre ágil e risonha. Sem dúvida, parece muito culta. Hoje falaram sobre Conrad.

Ela perguntou-lhe se lhe podia conseguir uns contos. The Anarchist, The Informer, The Brute ou Il Conde, enumerou. Em inglês, claro. Matías não lhe quis dar falsas esperanças; vai tentar, disse, mas se não os encontrar em inglês ofereceu-se atenciosamente para lhe emprestar um exemplar dos contos completos que tem em casa, em castelhano, como é evidente.

— Não sabia que Conrad estava traduzido em Espanha — comenta ela evitando aceitar ou recusar a oferta.

Matías lembra-se de ter comprado esse livro — como os outros de Conrad — em Paris, na sua lua de mel, quando levou Adela à cidade mais maravilhosa do mundo e ela passou toda a viagem assustada e temerosa como uma provinciana. Nem sequer conseguiu que ela comprasse um vestido ou um bonito chapéu. Tudo lhe parecia caro, atrevido ou extravagante.

Não consegue evitá-lo. Volta a Adela uma e outra vez. Porque é que casou com ela? Por cansaço, talvez, mas nunca esteve realmente apaixonado. Tentou, mas Adela tinha esse carácter mesquinho e nervoso que conseguia rebaixar qualquer gesto romântico… Convertia logo tudo em algo grosseiro e irritante. Como é natural, odiou imediatamente tudo o que tivesse que ver com as suas atividades políticas, e isso acabou por limitar o pouco que tinha conseguido conservar de um casamento que metia água por todo o lado.

— Ai…

Lola espreguiça-se.

— … adormeci.

Matías contempla-a desde essa meia altura na qual se encontra. Não há uma mulher mais bonita no mundo, até a dormir é bela, com o cabelo despenteado e esse rubor que lhe fica nas faces sempre que fazem amor… Ela diz que é porque ele a arranha com a barba, mas não é totalmente verdade. Tentou não lhe tocar na cara e o rubor persiste. Lola não quer admitir, mas essa tez ruborizada… Bem, ele sabe.

— Dorme, ainda é cedo.

Ela dá meia-volta e emite um suspiro de prazer.

Ele brinca fazendo anéis com o fumo do cigarro enquanto anda de um pensamento para o outro, sem controlo.

Vinte e cinco pesetas. Foi o que a mulher inglesa pagou pelos livros. E ele prometeu emprestar-lhe Lord Jim. E uma edição mexicana, de 1925, com o título de El alma del guerrero y otros cuentos.

— Os editores mexicanos são mais ousados com autores que estão proibidos em Espanha — observa ela.

Matías dá-lhe razão. E então a mulher inglesa diz algo que o surpreende.

— Aquele livro, reparei no outro dia nele, o que tem esse título tão curioso, A Rapariga dos Cabelos de Linho

Não percebe onde é que ela quer chegar.

— Acho que também está editado no México.

É verdade. Emprestar-lho-ia com muito gosto, está convencido de que ela vai gostar, mas não o faz porque Lola lhe diz que o está a ler.

Quando a mulher se despede, ele pensa no que vai fazer com essas vinte e cinco pesetas. Convidará Lola para tomar um café como no outro dia, ou um aperitivo no Metropol. E depois, por um segundo, pergunta-se como é que a mulher do cabelo branco sabe que o livro foi editado no México.