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Quando sai do barco, dou-me conta de que quase me tinha esquecido de quão bela e elegante consegue ser. Tem uma saia plissada, de seda cinzento-pérola chatoyante, com uns pequenos quadrados que cintilam conforme desce do barco. Tenho a sensação de que caminha por um tapete de água. Também tem um bonito chapéu de copa redonda, feito com fitas de seda entrecruzadas; e um blazer azul-marinho, desportivo e masculino, como o de um jogador de polo, com um escudo no bolso da frente. Quase não está maquilhada.
Passaram mais de vinte anos desde esse momento e ainda o recordo e continua a parecer-me fantástico ter Frances de novo em casa.
Barcos que partem, barcos que chegam… De repente, tudo acontece em Le Havre. Dormimos juntas num hotel da rua do Commerce, nesta cidade suja, oxidada e malcheirosa, e na manhã seguinte apanhamos o ferry da White Star Line para Inglaterra. O Morris Bullnose fica na coberta do barco, preso entre outros quatro automóveis, enquanto eu e Frances nos acomodamos no parapeito até que a vista da desembocadura do Sena se perde. Eu também tenho um chapéu cloche enfiado até às orelhas e com a aba dobrada. Nenhuma de nós vestiu o casaco. Hoje o vento não me importa.
— Sabes uma coisa? — digo-lhe, enquanto contemplo a esteira que produz o barco a bombordo. — O meu pai vai estar no casamento.
Ela não se mexe. Não olha para mim. As suas mãos, metidas nas luvas de pelica, espreitam sobre a espuma do mar como dois pássaros imóveis. Por um momento não sei se me ouviu.
— Lamento, querida — diz por fim; a sua voz é mais grave do que o habitual. — Lamento muito. Gostaria que não tivesses de passar por isto.
— Não me importo — respondo, desta vez sinceramente. — Já não.
— Pois eu sim — responde ela quase de imediato. — A minha prima devia ter-me avisado. E se não fosse ela, porque não consegue estar atenta a algumas coisas, a Sarah devia tê-lo feito. Se soubesse antes, talvez nem tivéssemos vindo…
Continua sem olhar para mim. Sei que não é comigo que está zangada, mas não consigo evitar uma pequena ferroada no peito.
— Achas que vai com a sua mulher?
— Sim… — Frances solta um riso curto, tão amargo que parece um queixume. — Vai ter esse descaramento.
Ficamos durante algum tempo mais nesta parte da coberta. Apesar do vento desagradável e das inevitáveis gotas de água que às vezes nos salpicam. Falamos durante muito tempo sobre Freddie e ela, sobre os seus planos. Tem uma atitude estranha. Por algum motivo que não consigo adivinhar, não parece a Frances de sempre. Eu gostaria de saber que é absolutamente feliz, como Sarah, como todas as noivas deste mundo e, no entanto, parece precavida, cautelosa. Estamos as duas ali, a olhar para o mar, que não é nem azul nem verde, é cinzento como o azougue, profundo e ameaçador, um mar no qual eu devia ter visto o reflexo daquilo que ia acontecer.
— Como estou?
— Maravilhosa, como sempre.
Tem um vestido que eu nunca tinha visto. Trouxe-o dos Estados Unidos. É de gaze transparente, em cor salmão e por dentro leva um corpo de seda do mesmo tom; a cintura é descaída, larga, e está bordada com pedras de azeviche. O corpo e a saia também estão bordados com linha preta e pequenas contas que traçam desenhos geométricos sobre o tecido. É de uma simplicidade tão estudada que faz com que reparemos mais na mulher que o leva do que no vestido em si. Mas, sem dúvida, reparamos nos dois.
— Estás muito bronzeada — digo-lhe apontando-lhe para os seus braços nus.
— Ai, sim — responde, repentinamente feliz. — Eu e o Freddie temos navegado muito no barco dele. Havia dias em que só vestia o fato de banho.
Eu vi esse fato de banho. Acho que nas praias de Normandia a prenderiam de imediato se aparecesse com alguma coisa assim.
— A sociedade americana é muito permissiva — comento.
— Completamente, querida. São quase tão hipócritas como os ingleses e, sem dúvida, muito mais do que os franceses. Acredita, para algumas coisas não há nada como a França….
— Que pena que o Freddie não tenha conseguido chegar a tempo…
Digo-o com sinceridade. Acabei por ganhar carinho àquele bonacheirão tonto.
No vestíbulo, antes de pegar no casaco, revejo o meu aspeto no espelho. O meu vestido cinzento é de gaze e também tem desenhos geométricos bordados na parte de baixo da saia. Não gosto muito da coincidência.
— E queres mesmo levar o carro?
— Sim, querida, sim. O banquete é celebrado na propriedade que os Ferguson têm em Hertfordshire. Não quero depender de ninguém para ir até lá, e muito menos para me vir embora.
Pelo menos não teremos de ir a pé até à rua d’Anjou. Frances pediu que nos tragam o carro à porta de casa.
— De certeza que vou bem? — volta a perguntar.
Parece nervosa, insegura. Estou prestes a dizer-lhe que não se preocupe tanto com o seu aspeto, que sou eu quem vai ver o pai pela primeira vez.
— Estás deslumbrante.
E depois penso melhor. É esse o dia em que lhe digo. A frase ecoará nos meus ouvidos durante toda a vida.
— Deslumbrante não é a palavra, querida. Algumas mulheres, quando chegam a um sítio, deslumbram. Tu iluminas.
Frances fica visivelmente emocionada ao ouvir-me dizer isso. Deixa a pochete sobre a consola e abraça-me.
— Não me faças chorar, que ainda vou estragar a maquilhagem.