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Matías pensou nisso duas vezes durante os últimos dias, mas a verdade é que não tinha tido tempo de verificar o que havia exatamente na estante dos livros em inglês. Sempre que essa mulher vinha e levava dois ou três exemplares ficava tão surpreendido que assumiu o firme objetivo de perguntar a Lola de onde é que essas obras tinham saído, já que ele não se lembrava de as ter comprado.

Esteve a bisbilhotar durante algum tempo antes de abrir a loja. Havia coisas bastante inéditas, que sem dúvida não procediam do fundo de nenhuma editora conhecida. Todos eram diferentes. Mais pareciam proceder de uma biblioteca privada. Junto aos consabidos restos, que ele próprio tinha comprado às vezes na feira do Rastro e que deviam ser cerca de uma escassa dúzia de títulos, havia autores de prestígio e outros desconhecidos até para ele. Os que lhe pareciam familiares puseram a fasquia suficientemente alta para que, conforme se dava conta do que havia ali, lamentasse não saber inglês. De qualquer forma, tinha de falar com Lola, porque era evidente que os livros não podiam ter chegado à loja pelos seus próprios meios; alguém devia tê-los trazido.

Enquanto subia a persiana da montra lembrou-se de uma coisa: Lola tinha-lhe falado uma vez de um livreiro da rua Sagasta que estava a liquidar a loja. A sua mulher era incrível… De certeza que tinha ido lá sem lhe dizer nada e que tinha comprado um carregamento a bom preço. Enfim, não se ia lamentar, sem dúvida, porque a verdade é que ultimamente tinham vendido mais livros em inglês do que em castelhano.

Dezembro já tinha chegado. A manhã estava fria e desagradável, e viam-se algumas alcorcas geladas nos passeios orientados para norte. De certeza que até à hora da saída das escolas ninguém apareceria pela loja.

Felizmente tinha o velho casaco de veludo com cotoveleiras de camurça que se tinha transformado no seu uniforme de trabalho. Era uma peça confortável, com a qual se sentia bastante identificado; a verdade é que, por ele, usaria um desses guarda-pós cinzentos, mas Lola tinha feito um escândalo quando ele próprio lho insinuou. A sua mulher tinha muitas qualidades, mas às vezes a sua educação de menina mimada vinha ao de cima e navegava entre os dois.

Dentro da loja estava uma temperatura agradável graças à canalização que vinha da caldeira da cave. Ainda bem, porque sem dúvida não se teriam podido permitir qualquer sistema de aquecimento próprio. Desta forma, pelo menos, podiam ter a porta sempre aberta e suportar o frio que entrava quando o vento soprava um pouco.

Como agora. Não esperava ter clientes tão rápido, por isso, quando viu o tipo parar em frente do balcão, pensou que lhe ia perguntar pela casa de algum vizinho.

Era um homem de meia-idade, mais para o baixo, com um bigodinho fino sobre os lábios torcidos num ricto desagradável.

Não disse bom dia, mas olhou para um lado e para o outro com uma atitude nada amigável. Assim que o viu, Matías pensou que era da brigada político-social.

— O que deseja? — perguntou, temendo o pior.

O homem olhou-o como se não quisesse encontrar-se com ele frente a frente. Hesitou durante alguns instantes. Depois meteu a mão dentro da gabardina procurando perto do coração. Foi esse o tempo que Matías demorou a dar-se conta de que não o vinha prender.

— Tem tinta para esta caneta?

Matías pegou na caneta enquanto soltava o ar que, sem se dar conta, tinha acumulado nos pulmões. Viu que era uma Parker.

— Sim — respondeu sucintamente; quase de imediato pensou que devia ser mais atencioso. — Posso carregá-la ou vender-lhe um tinteiro.

— Carregue-a — disse o homem.

Matías desenroscou a parte superior da caneta e acionou o êmbolo de carga com o aparo dentro do tinteiro quatro vezes seguidas. Era uma Vacumatic, de celuloide laminado em tons acastanhados, o modelo Golden Pearl. Sempre tinha gostado destas canetas, eram seguras e elegantes. Depois limpou o aparo de ouro com cuidado para que o pano não se metesse acidentalmente na ranhura.

— É uma boa caneta de tinta permanente — disse enquanto a entregava ao dono. — Mas devia mandá-la limpar de vez em quando.

— Limpar?

— Por dentro. Para que não exista nenhum tipo de entupimento. Sobretudo se a carregar com tintas diferentes.

— O senhor pode fazer isso?

— Bem — respondeu Matías —, o ideal seria mandá-la para a casa de origem. A única coisa que eu posso fazer é uma limpeza superficial, sem a desmontar, mas teria de ma deixar pelo menos um dia.

O homem franziu os olhos que já por si eram pequenos. Matías achou que tinha o aspeto de uma raposa.

— Está bem. O senhor está sempre aqui? Quero dizer, quando vier não encontrarei outra pessoa?

Matías respondeu ingenuamente.

— Bem, às vezes está cá a minha mulher, mas isso não representa qualquer problema.

— Em que dias?

— Às terças e quintas de manhã está cá ela. Mas insisto, pode vir hoje ao final da tarde ou amanhã, que é terça-feira, se preferir. Vamos tê-la pronta e a minha mulher poderá entregá-la sem qualquer problema.

— Bom, depois vejo. Talvez a venha buscar amanhã. Informe a sua mulher. Não quero que me façam perder tempo.

Quando o homem se virou e saiu do átrio sem se despedir, voltou a pensar no fedor a polícia que emanava, por muitas Parkers que tivesse.

Ainda nem sequer tinham passado cinco minutos. Continuava a arrumar o pano manchado de tinta, quando a mulher que cuidava de Adela entrou precipitadamente no átrio.

Assim que a viu, soube que se passava alguma coisa.

— Venha — disse. — Já deixou de sofrer. O médico vai passar a certidão.

Matías baixou de novo a persiana, pôs o cadeado e teve a impressão de que, com esse gesto, fechava também uma parte da sua vida com a qual não se sentia especialmente satisfeito.