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Gente, lugares, farrapos de vida…
A ilha de Maiorca, uma casa no campo perto de um cabo que se chama Ses Salines, com Henry e um Owen destroçado pela dor. O sol abrasador, as casas de um branco que fere. O mar.
Há umas enormes flores vermelhas, como cálices. E uma parreira que no verão dará uvas. Henry escreve a todas as horas, por todos os cantos, dentro e fora, lá em cima, numa torre que tem um pequeno estúdio quase sem móveis, lá em baixo, na cozinha, na mesa do alpendre, debaixo da parreira verde, na cama, a tomar café e com as teias de aranha do sono ainda coladas ao corpo… Às vezes eu também sonho, imagino que isto é eterno.
Há coisas que nos fazem felizes. Aos três. A Owen também, eu sei. Comer uns pequenos tomates que crescem na horta, partidos ao meio e polvilhados de sal, enquanto lemos e dormitamos à sombra… Beber vinho de uma garrafa forrada de vime a meio da tarde…
O tempo passa como se nunca fosse acabar.
Mas vai acabar. Vinte e um de junho. Solstício de verão. Começa a fazer calor na ilha.
— Devíamos voltar para casa — diz Henry. Deixou o seu livro na mesa e encosta-se para trás na cadeira.
Owen está deitado numa rede de lona atada a duas vigas laterais do parreiral. Um tronco com filamentos estala numa multidão de pâmpanos verdes. Tem um chapéu de camponês que lhe tapa metade da cara. Tira-o e levanta ligeiramente a cabeça para olhar para Henry.
— Eu não vou — diz voltando a deitar-se e a pôr o chapéu de palha sobre a cara.
— Daqui a pouco tempo não vais aguentar o calor — comenta Henry calmamente. — Estamos quase no fim de junho, dentro de uma ou duas semanas até as moscas vão morrer assadas aqui.
Disse-o em castelhano.
— As moscas vão morrer assadas? De onde é que tiraste isto tão estranho? — pergunta o outro de debaixo do chapéu.
Henry encolhe os ombros. Então Owen acrescenta:
— A Felicia está a chegar. Telegrafou ontem.
— E porque é que não nos disseste nada? — pergunto-lhe um pouco incomodada.
Owen não se digna responder, é como se se quisesse livrar de nós, do que representamos. Felicia também é nossa amiga. Não percebo.
Nessa noite eu e Henry decidimos deixar a ilha, diga Owen o que disser. Vinte e seis dias mais tarde começará a Guerra Civil Espanhola.
Estamos preocupados. Felicia pertence ao Partido Comunista e quase de certeza que terá desejado ficar em Espanha. E Owen? Não sabemos nada dele durante muitos meses. Jordan também está em Espanha, alistou-se como voluntário nas Brigadas Internacionais e trabalha como correspondente em vários jornais americanos. Graças e ele ficamos a saber que tanto Owen como Felicia deixaram Maiorca no início da guerra, juntaram-se ao exército republicano e que Felicia morreu quando ela e os seus amigos tentavam fazer explodir um comboio carregado de munições. Mais um cadáver, um entre tantos.