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Quando saio para a rua, as lojas já estão todas abertas. Em dois meses está tudo muito mudado, até o aspeto das montras. A cidade parece levemente mais próspera, um pouco menos danificada pela necessidade ou pelo abandono. Aproximo-me. Já vejo a esquina onde fica a livraria.
Não sei se Madrid deixou a guerra para trás. Nem sequer sei se eu a deixei para trás. Durante muito tempo olhei para tudo isto, para as hortas de Carabanchel, para os escombros do Hospital Clínico, para os canteiros sujos do Parque do Oeste, como o cenário de uma guerra que ainda não acabou. É difícil esquecer essa forma de olhar.
O olhar das mil jardas.
Matías tem-no. Reconheci-o desde o primeiro dia.
E eu também.
Já aqui estou. Três passos mais à frente e vou parar em frente da montra, como no outro dia em que pensei que eu e aquele homem moreno tínhamos a mesma seiva e a mesma raiz.
Dois passos. No passeio da frente vejo uma mulher que está a calçar as luvas. Passa um carro preto e buzina.
Um passo. Já só me resta um passo. A mulher que estava a calçar as luvas desce do passeio e atravessa a rua.
A luz do sol ainda cai um pouco oblíqua; bate na montra do passeio da frente, faz ricochete e reflete no outro lado da rua, no vidro da livraria. Aqui estou eu, esta mulher de cabelo branco com um casaco de vicunha que nunca está fora de moda. E aqui está o livro, A Rapariga dos Cabelos de Linho, aberto nas páginas 358 e 359, num atril e no canto esquerdo da montra. Quase desato a chorar quando o vejo.
É uma manhã fria de finais de fevereiro, tal como aquela outra do mês de outubro em que parei pela primeira vez em frente da sua loja. Também então parecia absurdo estar a olhar para um livro aberto numa montra. Tão absurdo como expô-lo ali. Foi há apenas meio ano e, no entanto, parece que toda a minha vida passou à minha frente nestes cinco meses.
O ar está frio e a luz é muito clara. Ainda deve haver neve na serra de Ayllón. Lola está de costas, com um cliente, ao pé da mesa central onde há uma dúzia de livros de diferentes editoras expostos em pequenas pilhas. Pega num e entrega-lho. O homem lê a contracapa e ela explica-lhe alguma coisa movendo expressivamente as mãos. Procuro Matías e vejo-o ao fundo, sentado em frente da secretária que há antes de descer os três degraus que dão para a zona mais baixa da livraria. É um lugar onde apetece entrar.
Fico ali uns minutos, até que Lola e o seu cliente se dirigem para a caixa. Recebi uma única carta de Lola nestes meses, mas não esperava receber nenhuma porque pensei que ela não teria forma de entrar em contacto comigo. Não contava com a Amparo, claro. Nessa carta não havia perguntas; simplesmente, Lola agradecia-me de maneira muito efusiva «tudo o que fez por nós». E aqui estou, prestes a vê-los aos dois.
Matías agora usa óculos. Antes não os tinha ou pelo menos eu não me lembro. Lola cortou o cabelo e tem um penteado para trás, como a Ava Gardner. Parece mais, não sei, mais mulher… Sem dúvida, move-se com muita desenvoltura. E aquele sorriso que lhe ilumina o rosto assim que me vê… Tive tantas saudades daquele sorriso.
Diz alguma coisa sem deixar de olhar para mim, não consigo ouvi-la daqui, mas vejo que Matías levanta o olhar, tira os óculos, e também sorri ao reconhecer-me. Ela já está na rua. Tem um casaco de malha na mão, mas nem sequer tem tempo de o vestir porque se lança nos meus braços. Primeiro a Amparo e agora ela. Em nenhum outro lugar me abraçaram com tanto entusiasmo. Este país é o melhor do mundo, embora às vezes também possa parecer o pior.