Brinquedos modernos

QUANDO EU ERA PEQUENA, as crianças estavam todas na cama às nove da noite (como, aliás, decidia a Família Pituxa, que lhes dava essa ordem pela televisão) e acordavam retemperadas e sem cenas na manhã seguinte. Não era comum os casais de então jantarem fora; mas, se acontecia, não lhes ocorria arrastar os filhos até ao restaurante, onde o mais certo era incomodarem as outras pessoas ou adormecerem entre a sopa e o prato principal e terem de ir ao colo para casa.

Ainda assim, o meu pai — noctívago e dado à boémia — de vez em quando levava-nos ao Faia, uma casa de fados do Bairro Alto onde cantavam Lucília e Carlos do Carmo e havia um número de folclore muito apreciado pelo meu irmão, que adorava ver dançar o fandango. Algumas fotografias recentemente descobertas (de uns autênticos anjinhos) e o facto de, ainda hoje, sabermos muitos fados de cor atestam que nos portávamos bem e ficávamos caladinhos durante a função. Porém, nas minhas recordações, estou quase sempre na cozinha a comer sobremesas que uma senhora me dava às escondidas ou a fazer macacadas atrás de uma coluna para um guitarrista conhecido por Very Nice que tinha um fraquinho por mim (ou seria ao contrário?).

Mesmo tendo beneficiado destas saídas episódicas na infância, não sou apologista de noitadas para crianças; e há uns tempos, quando vi um casal com uma menina que não teria ainda dois anos entrar num restaurante japonês self-service onde eu estava a jantar, pensei logo que, em chegando a hora do sono, não nos íamos livrar de uma birra. Mas enganei-me.

Antes de se irem servir, os pais da criança estiveram a dar-lhe de comer de um Tupperware que tinham trazido de casa — uma massinha com carne que ela aviou num abrir e fechar de olhos; seguiu-se um pote com fruta dado à colher e, bebidos uns golinhos de água, a refeição estava terminada. Chegara, pois, a hora de comerem os adultos, mas para isso convinha deixar a criança entretida com um brinquedo suficientemente aliciante. Foi então que a mãe, metendo a mão num saco, se dirigiu ao marido, perguntando: «Foi aqui que puseste o telefone dela?» Ui, imaginei-me logo a ter de gramar os trrim-trrim estridentes daqueles telefones de plástico às cores que eu própria ofereci em tempos aos meus sobrinhos, embora com a recomendação expressa de só fazerem chamadas na casa deles. Mas eis que sai, brilhando, do saco um belíssimo iPhone, num modelo mais avançado do que o meu e nem sequer avariado. Eu disse que a criança tinha menos de dois anos, não disse? Adeus, futuro.