Vaca sagrada

CONTARAM-ME HÁ DIAS QUE, para desencorajar os filhos do consumo de carne bovina, uma mãe excluiu no ano passado a vaca do presépio. (Vá lá que não se lembrou de mandar a prole à Índia ver vacas pele e osso.) Porém, não fosse o Menino Jesus estranhar a ausência do animal flatulento, substituiu-o por um cão. Um cão?!

Conheço um escritor que é doido por cães. Uma vez, convidado para um encontro literário em Budapeste, não resistiu a trazer de lá um Kuvasz, o cão-pastor húngaro, surpreendendo os organizadores do evento — que não contavam ter de o acompanhar a uma loja de animais — e a família, que o viu chegar com uma inesperada bola de pêlo branca. Mas nem sempre é assim tão fácil a um escritor comprar um animal noutro país…

Num festival de poesia na China, uma poetisa portuguesa conheceu uma escritora britânica que foi a sua companheira inseparável durante o certame, até porque quase todos os outros participantes eram asiáticos, o que tornava a comunicação bastante difícil. Iam então as duas certo dia a passear por uma rua de comércio quando a inglesa parou, extasiada, diante de uma montra onde estavam uns cães absolutamente adoráveis e jurou a si própria que não regressaria à pátria sem levar um deles consigo. Entrou no estabelecimento, demorou um ror de tempo para conseguir ser atendida e entendida, mas, depois de apontar umas vinte vezes para o cachorro que queria levar e de acenar outras vinte com o cartão de crédito, o funcionário lá deu mostras de ter percebido ao que ela vinha, mandando-a esperar num banco corrido à porta da loja. A espera foi prolongada, mas o estabelecimento estava cheio de gente e ela ficou entretida a conversar com a portuguesa sobre a loucura que acabara de cometer, antevendo já problemas à chegada a Heathrow com um cão que nem vacinado devia estar, mas assegurando não estar arrependida, porque sempre quisera ter um animal de estimação e aquele cão era mesmo uma delícia. Só percebeu como tinha razão quando o chinês a chamou para lhe entregar o bicho — esfolado, partido aos bocados e metido num saco. Afinal, estavam… num talho.

Enfim, se não quiserem dar bifes, croquetes e hambúrgueres de vaca às crianças, não dêem (há centenas de alternativas mais saudáveis); mas, por favor, não substituam a vaca pelo cão, nem sequer no presépio. O Vietname está a tentar tirar o cão da ementa dos restaurantes por causa do choque que provoca nos turistas, mas nas Filipinas e em muitos outros países asiáticos os mercados continuam cheios de gaiolas com cãezinhos que são mesmo… de se comer. Adeus, futuro.