Espelho meu

SEMPRE FUI BAIXA, O QUE ME OBRIGOU, entre outras coisas, a quatro anos de bom comportamento, pois mal entrei na escola primária — não fosse alguém tapar-me a vista para o quadro — mandaram-me sentar na primeira fila e ali fiquei até mudar de ciclo e me tornar, enfim, faladora e palhaça (além de distraída por me terem dado uma carteira junto à janela.)

Os baixos — aprendi já adulta, porque a adolescência foi difícil — chegam aonde chegam os altos, desde que munidos de bancos e escadotes, que estão quase sempre ao alcance da mão. Porém, nesses primeiros anos de vida útil, quando, entrada a Primavera, vinha o fotógrafo à escola tirar o retrato de grupo da classe (que incluía a respectiva professora: Isabelinha, Adelaide, Natália ou Clotilde), eu já sabia que, das três filas possíveis — meninas de pé, meninas sentadas e meninas de joelhos no chão —, me cabia fatalmente a da frente, ao lado de duas Anas, uma Lúcia e uma Clarinha que me recordo de, em 1967, ter sido afectada pelas cheias de Lisboa e faltar às aulas um ror de tempo.

Houve, ainda assim, um ano excepcional em que eu andava muito amiga de uma menina que pertencia à fila do meio; e, vendo que não nos largávamos um segundo, tanto a professora como o fotógrafo concordaram em que eu ficasse sentada ao seu lado. Ela tinha uma saia-calça de fazenda cinzenta em espinha (que devia picar imenso, mas era o último grito da moda) e eu usava nesse dia meias até ao joelho e um kilt escocês bastante curto que, por eu andar sempre a correr, já não tinha o alfinete original que unia as duas partes traçadas à frente. Resultado: quando a fotografia foi impressa e distribuída aos pais dos alunos, levei logo uma rabecada em casa pela triste figura, tornando-me alvo da chacota dos meus irmãos: viam-se-me as cuecas a quilómetros! De nada me valeu a alegria de estar ao lado da minha melhor amiga ou o alívio de não ter, pela primeira vez, os joelhos no chão: aquela humilhação era para a vida.

Aprendi, pois, bastante cedo que, numa fotografia de grupo, nunca podemos ficar todos bem. Por isso, pareceu-me de uma infantilidade confrangedora que uma deputada portuguesa se tenha deixado fotografar com vários dos seus pares no âmbito de um trabalho colectivo e depois tenha querido proibir a publicação da fotografia no site do Parlamento — por estar de olhos fechados e isso poder prejudicar a sua imagem pública. Adeus, futuro.