Você (não) está aqui
ATÉ HÁ POUCO TEMPO, QUANDO VIAJÁVAMOS, o recepcionista do hotel tinha sempre à mão para nos entregar um mapa desdobrável que, regra geral, exibia no verso anúncios a restaurantes e espectáculos caça-turistas e uma planta ampliada do centro da cidade onde estavam assinalados com desenhos ingénuos os sítios que não podíamos deixar de visitar. E fazia um círculo a esferográfica na rua do hotel — como quem diz «Você está aqui» —, marcando o início da caminhada e mostrando o trajecto até ao destino. Lembro-me também de ser comum encostar o carro à berma numa cidade desconhecida e abrir o vidro para perguntar a um transeunte onde ficava determinada rua. Contávamos connosco e com a bondade de estranhos.
Hoje o GPS e a aplicação Google Maps vieram substituir este tipo de abordagem mais humana. Quando vamos de carro para um lugar que não conhecemos, basta inscrevermos o endereço no sistema de navegação e, se tudo correr bem, iremos lá dar; e, ao andarmos a pé no estrangeiro, já é vulgar vermos turistas — e não só os mais novos — levarem o telemóvel na mão a debitar com voz robotizada as direcções a tomar até determinado museu ou restaurante. O facto de não tirarem os olhos do ecrã faz, porém, com que por vezes alguns batam com a cabeça na esquina de um prédio (já assisti) e outros vejam tudo menos o percurso, que é o que interessa quando se caminha numa cidade desconhecida. Já li até que estes mecanismos inventados para nos aproximar estão a tornar-nos curiosamente mais alheados, baralhados e perdidos.
Exemplos: o número crescente de pessoas que perdem o carro dentro de parques de estacionamento; os mais de cem acidentes causados por condutores viajando em contramão só no último ano em Portugal; a agente da polícia americana que matou um homem que encontrou a assaltar-lhe a casa quando, afinal, o seu apartamento era no andar de cima (ups!); e também a história seguinte, que dá que pensar (não se riam).
Um grupo de turistas britânicos de visita à Islândia parou para ver o canyon Eldgjá que, dizem, é maravilhoso. No regresso ao autocarro, porém, deram por falta de uma das companheiras e resolveram ir à sua procura. Passou uma hora até que uma das excursionistas, concluindo não saber exactamente quem procurava, pediu uma descrição detalhada da desaparecida, ouvindo como resposta que era gordinha e loira e que vestia um anoraque roxo. Procurou-a ainda outra hora até que começou a sentir o friozinho islandês — e foi então que se lembrou do seu anoraque tão quentinho — roxo, por sinal — que despira horas antes e se encontrava pousado no banco do autocarro… Adeus, futuro.