Retrato de uma época

QUANDO EM MIÚDOS PRECISÁVAMOS DE UMA FOTOGRAFIA para a matrícula íamos a um fotógrafo que nos endireitava o queixo com ar mandão e nos tirava um retrato formal (só excepcionalmente dizia que sorríssemos). À parte isso, fazíamos caretas encavalitados no banquinho do Photomaton com a cortina corrida e tirávamos instantâneos uns aos outros com máquinas que recebíamos pelo Natal. A minha primeira câmara foi uma Kodak 127 de rolos de oito fotografias, substituída depois por uma Instamatic que, apesar de ter rolos de 24 e 36 e um pequeno flash, tirava fotografias quadradas, o que para mim era um retrocesso. Seguiu-se uma Polaroid, que cuspia a imagem na hora com umas cores meio esbatidas mas se avariou rapidamente; e então, sim, uma reflex, cuja lente já possibilitava fotografar à distância e que tinha uma maravilha chamada self-timer, permitindo que preparássemos o cenário para um retrato de grupo e depois fôssemos sentar-nos entre os outros, ouvindo o som do disparo apenas uns segundos mais tarde.

Do primeiro ao último modelo, o mais bonito de tudo foi sempre desvendar o mistério: voltar de uma viagem com rolos e rolos de fotografias para revelar, pedir urgência na loja, esperar aqueles dias em pulgas e, finalmente, poder ver tudo em papel e mostrar a quem ficou os lugares por onde tínhamos andado. Uma vez por outra, as fotografias não faziam jus ao que guardávamos na memória; mesmo assim, constituíam a única recordação física partilhável, e a verdade é que os muitos álbuns que acumulei ainda hoje servem para abrir o apetite de alguém que vai pela primeira vez a um lugar que visitei no passado.

O aparecimento do digital roubou esta magia — e agora só mesmo quem se interessa por fotografia usa uma câmara a sério; as outras pessoas contam com a câmara do telemóvel que, em certas marcas, é realmente de grande precisão. Além disso, já não precisamos de pedir a um estranho que nos tire uma fotografia quando viajamos sozinhos: basta um braço comprido, real ou mecânico, e fazem-se umas selfies, embora estas já tenham matado várias pessoas que se distraíram e caíram de alturas descomunais e dado origem a outras situações igualmente absurdas. Numa ida a Roma no ano passado, duas raparigas de véu cobrindo os cabelos, presumo que muçulmanas, meteram-se num confessionário da Basílica de São Pedro em grande galhofa para tirar uma selfie, o que irritou várias pessoas que por ali passavam, nem todas católicas; e, no 75.º aniversário da libertação do campo de Auschwitz pelos russos, a falta de respeito de um casal de espanhóis acabou escarrapachada numa página indignada do jornal El País: selfies de tacha arreganhada na Câmara de Gás? Adeus, futuro.