Mães e filhas

JÁ NÃO FUI A TEMPO DE BRINCAR COM NENUCOS, uns bonecos carequinhas que se babavam, choravam lágrimas de verdade, davam passinhos, diziam «mamã»; mas lembro-me dos bonecos chorões dos anos sessenta, que tinham um corpo de pano maleável, cabelo a sério (e não apenas pintado na cabeça) e uma data de acessórios irresistíveis, como roupas, biberões, babetes, mantinhas e até uma alcofa. Lá em casa, brincávamos muito aos pais e às mães — e decerto replicávamos o comportamento dos nossos pais pensando que estávamos a educar os nossos filhos como bem entendíamos. A brincadeira constituía, de resto, uma espécie de estágio para o futuro, tendo em conta que então se esperava que as meninas se casassem e constituíssem família. Não foi o meu caso, mas conheço quem tenha aprendido a mudar fraldas com bonecos.

Embora a Barbie tenha a minha idade, também nunca brinquei com essa americana que já nasceu com pés de salto alto e que, com tanta curva, não tinha perfil para ser filha, a menos que fosse a adolescente cobiçada por todos os rapazes da turma que só dá chatices em casa. O seu sex appeal levou, de resto, muitos homens adultos ao coleccionismo, como o presidente de uma conhecida multinacional japonesa, que confessou num documentário da BBC a que assisti há uns anos possuir cerca de mil Barbies.

Na era digital, o que houve de mais parecido com brincar às casinhas foi o Tamagotchi. Inicialmente destinado às teenagers japonesas, mas rapidamente adoptado por crianças e adultos em todo o mundo, era um ovinho que requeria inúmeros cuidados até se transformar numa criatura adulta. Fartou-se, porém, de causar desgostos aos miúdos que, não conseguindo acompanhar o ritmo dos seus apitos de fome, frio e fralda suja, o deixavam morrer involuntariamente e depois nem sempre conseguiam lidar com a culpa e o luto.

Em tempos de politicamente correcto, não creio que as meninas recebam estímulos para brincarem aos pais e às mães. Não faltariam vozes avisando que uma mulher não deve ser diminuída por preferir a carreira à maternidade e criticando a representação do casal tradicional quando há tantos divórcios com guarda partilhada, famílias monoparentais, filhos de casais do mesmo sexo, enfim… Foi, aliás, por causa de 86% das mães inquiridas pelo fabricante da Barbie se terem dito preocupadas com os modelos a que as filhas estariam sujeitas que a boneca mais famosa do mundo engordou, ganhou sete tons de pele, perdeu parte dos seios (não sei o que pensará disto o gestor japonês) e encarna hoje figuras de mulheres emancipadas como Frida Kahlo ou Amelia Earhart. Já não é a criança que educa a boneca, mas a boneca que educa a criança? Adeus, futuro.