■Fundamento de validade: Os crimes contra a propriedade imaterial encontram seu fundamento de validade em diversos dispositivos da Constituição Federal. São legítimos, portanto, por estarem em sintonia com uma visão constitucional do Direito Penal. Nos termos do art. 5º, IX, da CF, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. E, por sua vez, seu inciso XXVII estabelece que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”. O art. 216 da Lei Suprema também disciplina a matéria.
■Bens imateriais: Os bens imateriais são incorpóreos, mas têm valor econômico. Integram a propriedade intelectual e são protegidos pelo Direito a partir do momento em que se concretizam em obras científicas, literárias, artísticas e invenções em geral.
Violação de direito autoral
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º Na mesma pena do § 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.
§ 3º Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 4º O disposto nos §§ 1º, 2º e 3º não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.
Classificação: Crime comum Crime formal Crime doloso Crime de forma livre Crime unissubjetivo (regra) Crime plurissubsistente (regra) Crime instantâneo
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Informações rápidas: Norma penal em branco homogênea: deve ser complementada pela Lei 9.610/1998. Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis. Admite tentativa. Crime de elevado potencial ofensivo. Não abrange softwares (v. Lei 9.609/1998). Elementos normativos: “com violação do direito de autor” e “sem autorização expressa” (se tácita, subsiste o crime). |
■Introdução: O art. 184, caput, do CP dispõe sobre “direitos de autor e os que lhe são conexos” – redação conferida pela Lei 10.695/2003. A disciplina dos direitos autorais encontra-se na Lei 9.610/1998, editada com o propósito de alterar, atualizar e consolidar a legislação sobre direitos autorais. Portanto, o art. 184 do CP caracteriza-se como lei penal em branco homogênea ou lato sensu (o preceito primário da lei penal incriminadora é complementado por outra lei). Para a Lei 9.610/1998, os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis (art. 3º).É considerado autor a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica (art. 11, caput). Ao autor são assegurados os direitos patrimoniais e morais sobre a obra que criou (art. 22), cabendo-lhe o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da sua obra (art. 28). Contudo, os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, desde que obedecidas as limitações previstas no art. 49 da Lei 9.610/1998. Nota-se, pois, que os direitos de autor podem ser patrimoniais ou morais. São objeto de estudo de um novo ramo do Direito, intimamente relacionado com o Direito Civil, denominado de Direito Autoral.1 Direitos de autor patrimoniais são os que dizem respeito à gravação ou fixação, à extração de cópias para comercialização, à sincronização ou inserção em filmes, em geral, à tradução, adaptação e outras transformações e à execução pública de uma obra. Os direitos morais de autor relacionam-se à paternidade do autor sobre a obra, à indicação do nome do autor ou intérprete na utilização de sua obra, à conservação da obra inédita, à garantia de integridade da obra, à modificação da obra, à retirada da obra de circulação ou suspensão da utilização já autorizada e ao acesso a exemplar único e raro da obra que esteja, legitimamente, em poder de terceiro.2 Mas o tipo penal também se refere aos direitos conexos aos de autor, isto é, os relativos “aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão”. E o parágrafo único do citado dispositivo legal é claro ao estabelecer que a proteção legal aos direitos conexos aos de autor deixa intactas e não afeta as garantias asseguradas aos autores das obras literárias, artísticas ou científicas.O acréscimo dos direitos conexos aos de autor pela Lei 10.695/2003 está em conformidade com as alterações igualmente efetuadas nos §§ 1º a 3º do art. 184 do CP, pois se faz referência não apenas ao autor da obra intelectual, mas também ao artista intérprete, ao executante e ao produtor.
■Tipo fundamental ou modalidade simples (art. 184, caput)
–Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é violar, que significa transgredir, infringir, ofender. Trata-se de crime de forma livre, compatível com qualquer meio de execução. Em regra, é praticado mediante ação (crime comissivo), mas também pode ser cometido por omissão, desde que o sujeito tenha o dever de agir para impedir o resultado e se omita dolosamente (crime omissivo impróprio, espúrio ou comissivo por omissão).
–Objeto jurídico: Em todas as hipóteses previstas no art. 184 do Código Penal, é a propriedade imaterial, a relação jurídica entre o autor e sua obra, em função da criação (direitos morais), da respectiva inserção em circulação (direitos patrimoniais), e perante todos os que, no circuito correspondente, vierem a ingressar (o Estado, a coletividade como um todo, o explorador econômico, o usuário, o adquirente de exemplar).3
–Objeto material: É a obra literária, artística ou científica atingida pela conduta criminosa.
–Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum).
–Sujeito passivo: O autor da obra literária, artística ou científica, seus herdeiros ou sucessores, ou ainda qualquer outra pessoa que seja titular dos direitos autorais.
–Elemento subjetivo: É o dolo. Não se admite a modalidade culposa, e também não se exige nenhuma finalidade específica.
–Consumação: Dá-se com a efetiva violação dos direitos de autor e os que lhe são conexos. Basta a realização da conduta, sendo prescindível a superveniência do resultado naturalístico, consistente na causação de prejuízo para a vítima. O crime é formal, de resultado cortado ou de consumação antecipada.
–Tentativa: É possível.
–Causas de exclusão da tipicidade: Os arts. 46, 47 e 48 da Lei 9.610/1998 apresentam diversas limitações aos direitos autorais, caracterizando autênticas causas excludentes da tipicidade. O fato passa a ser atípico, uma vez que não se enquadra no modelo sintético definido pelo art. 184 do CP.
–Lei 9.099/1995: A violação de direito autoral, em sua modalidade simples, constitui-se em infração penal de menor potencial ofensivo. Aplicam-se, portanto, as regras previstas na Lei 9.099/1995. Em todas as hipóteses, as qualificadoras são definidas como crimes de elevado potencial ofensivo: a pena mínima cominada em abstrato (2 anos) é incompatível com os benefícios da Lei 9.099/1995, inclusive com a suspensão condicional do processo.
■Figuras qualificadas (art. 184, §§ 1º, 2º e 3º): O legislador acresce ao núcleo “violar” circunstâncias que aumentam a pena. Ver, nos comentários a seguir, as especificidades de cada figura, aplicando-se, no mais, os comentários feitos quanto ao caput.
■Figura qualificada do § 1º:
–Fundamento: Fundamenta-se a qualificadora na maior facilidade para violação de direitos autorais quando se utilizam as gravações em geral, que ensejam a divulgação da obra violada para locais distantes, e para um grande público, proporcionando uma mais ampla e prejudicial lesão ao bem jurídico penalmente tutelado.
–Objeto material: É a obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma. Obras intelectuais, para fins de proteção legal, são as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro. O art. 7º da Lei 9.610/1998 apresenta uma relação exemplificativa de obras intelectuais. Interpretação e execução são formas de exteriorização de um direito autoral. Fonograma é toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual (Lei 9.610/1998, art. 5º, inc. IX). São exemplos de fonogramas os sons armazenados em discos, CDs e fitas cassetes, entre outros. O legislador olvidou-se do videofonograma, isto é, toda e qualquer fixação conjunta de sons e imagens (exemplos: DVDs, fitas de videocassete etc.). Em face da omissão legislativa questiona-se se é atípica a violação, mediante reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de videofonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor ou de quem os represente. Não nos parece. Com efeito, os videofonogramas, assim como os fonogramas, são espécies das obras intelectuais. Destarte, este fator, por si só, já autoriza a criminalização da reprodução indevida de fonogramas. Mas não para por aí. De fato, a interpretação extensiva leva à seguinte conclusão: se os fonogramas, que contêm somente sons, são protegidos penalmente, os videofonogramas, que além do som também armazenam imagens, com maior razão também devem sê-lo. A finalidade da Lei 10.695/2003 foi conferir maior proteção aos direitos autorais, e não abrir brechas para violações criminosas. Os programas de computador são objeto de legislação específica (Lei 9.610/1998, art. 7º, § 1º). Atualmente, o crime de violação de direito do autor de programas produzidos para computador (softwares) está definido pelo art. 12 da Lei 9.609/1998.
–Núcleo do tipo: “Violar”, mas de forma diferenciada: mediante a reprodução, total ou parcial, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma. Reprodução é a cópia de um ou vários exemplares de obra literária, artística ou científica ou de fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido (Lei 9.610/1998, art. 5º, VI). Essa reprodução se dá por qualquer meio ou processo. Meio é um recurso empregado para atingir um determinado objetivo, com um significado mais restrito e menos extenso na linha do tempo; processo é uma sequência de atos ou estágios com a finalidade de atingir certa meta, possuindo uma noção mais ampla e mais extensa na linha do tempo. Logo, para a reprodução não autorizada de obra intelectual de um modo geral, tanto faz que o agente utilize um método singular (meio) ou uma sequência deles (processo).4
–Elemento subjetivo: É o dolo, aliado a um especial fim de agir, consistente no “intuito de lucro direto ou indireto”. Lucro direto é aquele em que o sujeito aufere imediatamente vantagem econômica, mediante a violação de direito autoral. Lucro indireto é aquele em que o agente se vale de intermediários ou de ocasiões específicas para, ofendendo direitos autorais, obter indevida vantagem econômica.
–Sujeito passivo: É o autor, artista intérprete ou executante, produtor ou quem os represente. Autor é a pessoa física criadora da obra intelectual (Lei 9.610/1998, art. 11, caput). Artistas intérpretes ou executantes são atores, cantores, músicos, bailarinos ou outras pessoas que representem um papel, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou artísticas ou expressões do folclore (Lei 9.610/1998, art. 5º, XIII). Produtor é a pessoa física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da primeira fixação do fonograma ou da obra audiovisual, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado (Lei 9.610/1998, art. 5º, XI).
–Elemento normativo do tipo: É representado pela expressão “sem autorização expressa”. Destarte, se existir autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente, a violação de direito autoral caracterizada pela reprodução total ou parcial, ainda que com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, será fato atípico. A autorização há de ser expressa; se tácita, subsiste o crime.
■Figura qualificada do § 2º
–Núcleo do tipo:distribuir (fazer circular, entregando os objetos materiais a diversas pessoas), vender (ato de transferir o domínio de certa coisa mediante o pagamento de determinado preço), expor à venda (oferecer os objetos de modo a atrair os compradores), alugar (ceder por tempo, determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição), introduzir no País (fazer ingressar no território nacional), adquirir (obter), ocultar (esconder por um tempo) e ter em depósito (manter guardado em determinado local).5 Trata-se de tipo misto alternativo, crime de ação múltipla ou de conteúdo variado: estará configurado crime único se o agente praticar duas ou mais condutas no tocante ao mesmo objeto material.
–Objeto material: É o original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma. O tipo penal não se reporta à obra intelectual ou fonograma produzido com violação de direito autoral. É imprescindível, pois, a utilização da interpretação extensiva, com a finalidade de aumentar o alcance da palavra “reproduzido”, para abarcar também o termo “produzido”. Original é a obra intelectual ou fonograma em sua forma primitiva, isto é, realizada pela primeira vez. Cópia é a reprodução do original, efetuada por qualquer modo. Há crime quando o sujeito se vale tanto do original como da cópia. Como destaca a Súmula 502 do Superior Tribunal de Justiça: “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas”. A retirada indevida de cópia do original de obra intelectual caracteriza o crime tipificado pelo art. 184, caput, do CP. Se tal conduta for realizada com alguma das finalidades elencadas neste parágrafo, a figura qualificada absorverá a modalidade simples, por se tratar de crime-meio para a consecução de um crime-fim (princípio da consunção). No mais, vale o que foi dito no tocante à qualificadora definida pelo art. 184, § 1º, do CP.
–Consumação: Ficam mantidos os comentários tecidos por ocasião da análise do caput. A qualificadora representa um crime permanente.
–Elementos normativos do tipo: O dispositivo em estudo contém dois elementos normativos: “com violação do direito de autor” e “sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. Em ambas as hipóteses a autorização do titular do direito autoral acarreta na atipicidade do fato.
■Figura qualificada do § 3º: Trata-se de qualificadora que se fundamenta na evolução tecnológica, pois, no mundo globalizado, existem modos mais rápidos e eficazes de acesso a obras intelectuais e fonogramas em geral, com a violação cada vez mais comum de direitos autorais. Este foi o motivo que levou o legislador a punir tal conduta criminosa de forma sensivelmente mais rígida. Atualmente, é possível a violação do direito de autor com o uso da rede mundial de computadores, por exemplo, valendo-se o agente do crime de oferecimento ao público, com intuito de lucro, de músicas, filmes, livros e outras obras, proporcionando ao usuário que as retire da rede, pela via de cabo ou fibra ótica, conforme o caso, instalando-as em seu computador. O destinatário da obra paga pelo produto, mas o dinheiro recebido nunca chega ao seu autor. Assim, o fornecedor não promove a venda direta ao consumidor do produto, mas coloca em seu sítio eletrônico, à disposição dos interessados, para download as obras que o autor não autorizou que fossem expressamente assim utilizadas ou comercializadas.6 A figura qualificada não se aplica ao oferecimento ao público de obras intelectuais ou fonogramas em geral sem intuito de lucro direto ou indireto. Em tais casos, se restar caracterizada a violação de direito autoral ou dos que lhe são conexos, incide o crime tipificado pelo art. 184, caput, do CP.
■Exceções ou limitações aos direitos autorais (art. 184, § 4º, do CP): A primeira parte do dispositivo legal é inócua, pois os arts. 46, 47 e 48 da Lei 9.610/1998 já definem as exceções e limitações aos direitos autorais, constituindo autênticas causas legais de exclusão da tipicidade. As exceções ou limitações aos direitos autorais arroladas pela Lei 9.610/1998 também se aplicam ao crime fundamental de violação de direito autoral (CP, art. 184, caput). A segunda parte do art. 184, § 4º, do CP também era completamente dispensável. Deveras, permitiu-se a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. E, como se sabe, os crimes qualificados definidos pelo art. 184, §§ 1º, 2º e 3º do CP, reclamam, além do dolo, um especial fim de agir, representado pelo intuito de lucro direto ou indireto. Destarte, ausente a referida finalidade, o fato será atípico.
■Crimes contra a propriedade intelectual e princípio da adequação social: Ainda que seja comum nos dias atuais a movimentação aberta de produtos de origem ilícita, especialmente pela violação de direitos autorais e correlatos, não se pode falar em atipicidade da conduta, em face do acolhimento do princípio da adequação social. Inexiste, propriamente, adequação social. O que se verifica, na prática, é a intenção de algumas pessoas (fornecedores e consumidores) de se aproveitarem da ausência de fiscalização efetiva, bem como da corrupção de parcela dos agentes públicos, para tirarem proveito do comércio de produtos de procedência espúria, com efeitos vastos e danosos a todos. O STF e o STJ repudiam a tese de atipicidade da conduta nos crimes contra a propriedade intelectual em face do princípio da adequação social.
■Jurisprudência selecionada:
Aquisição e ocultação de CDs e DVDs falsificados – intuito de lucro – pena aplicável: “Deve ser aplicado o preceito secundário a que se refere o § 2º do art. 184 do CP, e não o previsto no § 1º do art. 12 da Lei 9.609/1998, para a fixação das penas decorrentes da conduta de adquirir e ocultar, com intuito de lucro, CDs e DVDs falsificados. O preceito secundário descrito no § 1º do art. 12 da Lei 9.609/1998 é destinado a estipular, em abstrato, punição para o crime de violação de direitos de autor de programa de computador, delito cujo objeto material é distinto do tutelado pelo tipo do § 2º do art. 184 do Código Penal. Desta feita, não havendo adequação típica da conduta em análise ao previsto no § 1º do art. 12 da Lei 9.609/1998, cumpre aplicar o disposto no § 2º do art. 184 do Código Penal, uma vez que este tipo é bem mais abrangente, sobretudo após a redação que lhe foi dada pela Lei 10.695/2003. Ademais, não há desproporcionalidade da pena de reclusão de dois a quatro anos e multa quando comparada com reprimendas previstas para outros tipos penais, pois o próprio legislador, atento aos reclamos da sociedade que representa, entendeu merecer tal conduta pena considerável, especialmente pelos graves e extensos danos que acarreta, estando geralmente relacionada a outras práticas criminosas, como a sonegação fiscal e a formação de quadrilha” (STJ: HC 191.568/SP, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 07.02.2013, noticiado no Informativo 515).
CDs e DVDs falsificados – princípio da adequação social – inaplicabilidade: “É típica, formal e materialmente, a conduta de expor à venda em estabelecimento comercial CDs e DVDs falsificados, prevista no art. 184, § 2º, do Código Penal. Não é possível aplicar o princípio da adequação social à conduta de vender CDs e DVDs falsificados, considerando que tal conduta não afasta a incidência da norma penal incriminadora de violação de direito autoral, além de caracterizar ofensa a direito constitucionalmente assegurado (art. 5º, XXVII, da CF). O fato de, muitas vezes, haver tolerância das autoridades públicas em relação a tal prática não significa que a conduta não seja mais tida como típica, ou que haja exclusão de culpabilidade, razão pela qual, pelo menos até que advenha modificação legislativa, incide o tipo penal, mesmo porque o próprio Estado tutela o direito autoral. Não se pode considerar socialmente tolerável uma conduta que causa sérios prejuízos à indústria fonográfica brasileira e aos comerciantes legalmente instituídos, bem como ao Fisco pelo não pagamento de impostos” (STJ: REsp 1.193.196/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3ª Seção, j. 26.09.2012, noticiado no Informativo 505).
Comprovação do delito – identificação dos produtores das mídias originais e inquiração das vítimas – desnecessidade: “Para a comprovação da prática do crime de violação de direito autoral de que trata o § 2º do art. 184 do CP, é dispensável a identificação dos produtores das mídias originais no laudo oriundo de perícia efetivada nos objetos falsificados apreendidos, sendo, de igual modo, desnecessária a inquirição das supostas vítimas para que elas confirmem eventual ofensa a seus direitos autorais. De acordo com o § 2º do art. 184 do CP, é formalmente típica a conduta de quem, com intuito de lucro direto ou indireto, adquire e oculta cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou do direito do produtor de fonograma. Conforme o art. 530-D do CPP, deve ser realizada perícia sobre todos os bens apreendidos e elaborado laudo, que deverá integrar o inquérito policial ou o processo. O exame técnico em questão tem o objetivo de atestar a ocorrência ou não de reprodução procedida com violação de direitos autorais. Comprovada a materialidade delitiva por meio da perícia, é totalmente desnecessária a identificação e inquirição das supostas vítimas, até mesmo porque o ilícito em exame é apurado mediante ação penal pública incondicionada, nos termos do inciso II do art. 186 do CP” (HC 191.568/SP, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 07.02.2013, noticiado no Informativo 515).
Princípio da adequação social – inaplicabilidade: “A conduta do paciente amolda-se perfeitamente ao tipo penal previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal. Não ilide a incidência da norma incriminadora a circunstância de que a sociedade alegadamente aceita e até estimula a prática do delito ao adquirir os produtos objeto originados de contrafação. Não se pode considerar socialmente tolerável uma conduta que causa enormes prejuízos ao Fisco pela burla do pagamento de impostos, à indústria fonográfica nacional e aos comerciantes regularmente estabelecidos” (STF: HC 98.898/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, j. 20.04.2010). No mesmo sentido: STJ – HC 113.938/ SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, j. 16.10.2010.
Usurpação de nome ou pseudônimo alheio
Art. 185. (Revogado).
■Revogação: O art. 185 do Código Penal foi expressamente revogado pela Lei 10.695/2003.
Art. 186. Procede-se mediante:
I – queixa, nos crimes previstos no caput do art. 184;
II – ação penal pública incondicionada, nos crimes previstos nos §§ 1º e 2º do art. 184; III – ação penal pública incondicionada, nos crimes cometidos em desfavor de entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público;
IV – ação penal pública condicionada à representação, nos crimes previstos no § 3º do art. 184.
Informações rápidas:
Duplicidade de procedimentos:
■ art. 184, caput: ação penal privada – arts. 524 a 530 do CPP
(ver exceção para art. 184, caput);
■ art. 184, §§ 1.º, 2.º e 3.º: ação penal pública incondicionada ou condicionada – arts. 530-B a 530-H do CPP.
Assistente da acusação: admite-se para qualquer espécie de ação penal sobre direitos autorais (CPP, art. 530-H).
Competência: em regra, da Justiça Comum Estadual. Se houver internacionalidade da conduta e ofensa a interesse da União, suas autarquias ou empresas públicas, a competência será da Justiça Federal.
■Ação penal na modalidade simples de violação de direito autoral (art. 84, caput): Na modalidade simples a ação penal é privada, pois somente se procede mediante queixa (CP, art. 186, I). Se, contudo, o crime for cometido em desfavor de entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público, a ação penal será pública incondicionada (CP, art. 186, III).
■Ação penal nas figuras qualificadas de violação de direito autoral (art. 184, §§ 1º, 2º e 3º): Para as figuras dos §§ 1º e 2º do art. 184, a ação penal é pública incondicionada (CP, art. 186, II). Essa regra almeja, precipuamente, o combate eficaz à pirataria, uma vez que os crimes são praticados com intuito de lucro. Se a ação penal fosse privada, ou pública condicionada, o tipo penal restaria inócuo, pois a vítima não teria capacidade para fiscalizar e acompanhar as violações dos seus direitos autorais, e, ainda, raramente poderia ser encontrada para autorizar o início da persecução penal, resultando invariavelmente no desaparecimento dos produtos falsificados e na impunidade dos seus responsáveis. Já para a figura do art. 184, § 3º, do CP, a ação penal é pública condicionada à representação (CP, art. 186, IV). Os órgãos estatais (Polícia e Ministério Público) dependem de uma condição de procedibilidade para o regular exercício da persecução penal. Mas, tratando-se de crime cometido em desfavor de entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público, a ação penal será pública incondicionada (CP, art. 186, III).
■Disposições processuais especiais relativas aos crimes contra a propriedade intelectual: O CPP prevê, no Capítulo IV, Título II, do Livro II, regras especiais para o processo e julgamento dos crimes contra a propriedade imaterial, entre os quais se encaixam os crimes contra a propriedade intelectual. Por se tratar de regras especiais, aplicam-se subsidiariamente as disposições comuns (procedimento comum) do CPP nas hipóteses de omissão do legislador quanto a qualquer outra questão processual. Há duplicidade de procedimentos, isto é, dois ritos distintos: (1) o previsto nos arts. 524 a 530 do CPP, para os crimes de ação penal privada (CPP, art. 530-A), isto é, para o delito tipificado pelo art. 184, caput, do CP, salvo se cometido em desfavor de entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público; e (2) o disciplinado pelos arts. 530-B a 530-H do CPP, instituído pela Lei 10.695/2003, relativo aos crimes de ação penal pública incondicionada ou condicionada (CPP, art. 530-I).7
■Competência: A competência para processar e julgar os crimes contra a propriedade intelectual é da Justiça Estadual, pois a ofensa se limita a alcançar o interesse de um particular em seu direito lesado. Será competente a Justiça Federal quando se tratar de conduta revestida de internacionalidade, isto é, que envolva mais de um país, e desde que ofenda interesse da União, ou na hipótese de conexão entre um crime contra a propriedade intelectual e um delito de competência da Justiça Federal, nos moldes da Súmula 122 do STJ: “Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, ‘a’, do Código de Processo Penal”.
■Jurisprudência selecionada:
Competência: “A conduta de comercializar CD’s falsificados caracteriza apenas o delito de violação de direito autoral, em atenção ao princípio da especialidade. Não havendo indícios da introdução ilegal no país de outras mercadorias, afastada está a competência da Justiça Federal para o exame do feito.” (STJ: CC 48.178/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 3ª Seção, j. 25.03.2009). No mesmo sentido: STJ: CC 83.112/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 3ª Seção, j. 05.12.2008; e HC 100.044/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, j. 11.09.2008.
Competência – ausência de prova da origem estrangeira – Justiça Estadual: “Não comprovada a procedência estrangeira de DVDs em laudo pericial, a confissão do acusado de que teria adquirido os produtos no exterior não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime de violação de direito autoral previsto no art. 184, § 2º, do CP. (...) Nesse contexto, conforme decisões exaradas neste Tribunal, caracterizada a transnacionalidade do crime de violação de direito autoral, deve ser firmada a competência da Justiça Federal para conhecer da matéria, nos termos do art. 109, V, da CF. Contudo, caso o laudo pericial não constate a procedência estrangeira dos produtos adquiridos, a mera afirmação do acusado não é suficiente para o deslocamento da competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal. Ademais, limitando-se a ofensa aos interesses particulares dos titulares de direitos autorais, não há que falar em competência da Justiça Federal por inexistir lesão ou ameaça a bens, serviços ou interesses da União (STJ: CC 127.584/PR, Rel. Min. Og Fernandes, 3ª Seção, j. 12.06.2013, noticiado no Informativo 527).
Violação de privilégio de invenção
Art 187. (Revogado)
Falsa atribuição de privilégio
Art 188. (Revogado)
Usurpação ou indevida exploração de modelo ou desenho privilegiado
Art. 189. (Revogado)
Falsa declaração de depósito em modelo ou desenho
Art. 190. (Revogado)
Art. 191. (Revogado)
Violação do direito de marca
Art. 192. (Revogado)
Uso indevido de armas, brasões e distintivos públicos
Art. 193. (Revogado)
Marca com falsa indicação de procedência
Art. 194. (Revogado)
Art. 195. (Revogado)
Art. 196. (Revogado)
■Revogação dos arts. 187 a 196: Os Capítulos II a IV do Título III da Parte Especial do CP, que definiam os crimes contra o privilégio de invenção, contra as marcas de indústria e comércio e os crimes de concorrência desleal, foram revogados pelo Decreto-lei 7.903/1945 – Código da Propriedade Industrial. No lugar dos arts. 187 a 196 do CP vigoravam os arts. 169 a 189 do Decreto-lei 7.903/1945, por força do art. 128 do anterior Código da Propriedade Industrial (Lei 5.772/1971), que expressamente declarava em vigor aquelas normas. Esses dispositivos, entretanto, deixaram de vigorar um ano após a publicação da Lei 9.279/1996, que regula os direitos e obrigações inerentes à propriedade industrial, como prescreve seu art. 224. Atualmente, os crimes contra a propriedade industrial estão disciplinados nos arts. 183 a 195 da Lei 9.279/1996.
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1O Direito autoral “é o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências. As relações regidas por esse Direito nascem com a criação da obra, exsurgindo, do próprio ato criador, direitos respeitantes à sua face pessoal (como os direitos de paternidade, de nominação, de integridade da obra) e, de outro lado, com sua comunicação ao público, os direitos patrimoniais (distribuídos por dois grupos de processos, a saber, os de representação e os de reprodução da obra, como, por exemplo, para as músicas, os direitos de fixação gráfica, de gravação, de inserção em fita, de inserção em filme, de execução e outros)”. BITTAR, Carlos Alberto. Direitos de autor. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 8.
2Cf. COSTA NETO, José Carlos. Direito autoral no Brasil. São Paulo: FTD, 1998. p. 179.
3Vide BITTAR, Carlos Alberto. Direitos de autor. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 19.
4NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 8. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 825.
5GRECO, Rogério. Código Penal comentado. 2. ed. Niterói: Impetus, 2009. p. 519.
6Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 8. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 828.
7Por tal motivo, depois das alterações promovidas pela Lei 10.695/2003, não pode mais ser aplicado o disposto pelo art. 529, parágrafo único, do CPP.