TÍTULO IV
DOS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Introdução: No Brasil, o Código Penal Republicano de 1890 inseria os crimes ora tratados como subespécies dos crimes contra a liberdade (“crimes contra o livre gozo e exercício dos direitos individuais”), sob a epígrafe “Dos crimes contra a liberdade do trabalho”. O Código Penal atual preferiu destacá-los em título autônomo, sob o rótulo “Dos crimes contra a organização do trabalho”. Como destaca a Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal, não foram trazidos para a seara do ilícito penal todos os fatos contrários à organização do trabalho: “são incriminados, de regra, somente aqueles que se fazem acompanhar da violência ou da fraude. Se falta qualquer desses elementos, não passará o fato, salvo poucas exceções, de ilícito administrativo”. Existem crimes contra a organização do trabalho que não estão capitulados no CP. A Lei 7.170/1983 – Lei de Segurança Nacional define delitos com igual objetividade jurídica, aplicáveis a fatos que tenham motivação político-social. Em sintonia com a orientação do STF e do STJ, o crime de redução a condição análoga à de escravo (art. 149 do CP), deve ser tratado como crime contra a organização do trabalho, nas hipóteses em que for praticado no contexto das relações de trabalho, ainda que contra uma só pessoa.

Fundamento constitucional: A Constituição Federal, em diversas passagens, protege direitos inerentes ao trabalho do ser humano. No art. 6º, elenca o trabalho como um direito social. Em seu art. 7º, arrola em 34 incisos uma série de direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, destinados à melhoria de sua condição social. O art. 8º declara a liberdade de associação profissional ou sindical dos trabalhadores, e, além disso, o art. 9º assegura o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devem por meio dele defender. Tais dispositivos legitimam a incriminação, nos arts. 197 a 207 do Código Penal, das condutas atentatórias à organização do trabalho.

Competência: Nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal, a Justiça Federal é competente para processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho. Essa competência já havia sido prevista no art. 10, inciso VII, da Lei 5.010/1996, responsável pela organização da Justiça Federal em primeira instância. Entretanto, é pacífico no STF o entendimento no sentido de que são da competência da Justiça Federal somente os crimes que ofendem o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores, e também o homem trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a Constituição lhe confere proteção máxima, desde que praticados no contexto de relações de trabalho. Anote-se que a Constituição Federal não confere competência criminal à Justiça do Trabalho, nem mesmo para os crimes contra a organização do trabalho.

Jurisprudência selecionada:

Competência: “A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa à proteção e efetivação dos direitos fundamentais do ser humano. A existência de trabalhadores a laborar sob escolta, alguns acorrentados, em situação de total violação da liberdade e da autodeterminação de cada um, configura crime contra a organização do trabalho. Quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios trabalhadores, atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações de trabalho. Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do Código Penal (redução à condição análoga a de escravo) se caracteriza como crime contra a organização do trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça Federal (art. 109, VI da Constituição) para processá-lo e julgá-lo. Recurso extraordinário conhecido e provido” (STF: RE 398.041/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, j. 30.11.2006). No mesmo sentido: STF: ADI-MC 3.684/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, Pleno, j. 1º.02.2007; STF: RE 541.627/PA, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, j. 14.10.2008; RE 588.332/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, j. 31.03.2009; STJ: HC 26.832/TO, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, j. 16.12.2004; CC 95.707/ TO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3ª Seção, j. 11.02.2009; HC 103.568/PA, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 18.09.2008; e AgRg no CC 64.067/MG, Rel. Min. Og Fernandes, 3ª Seção, j. 27.08.2008.

Atentado contra a liberdade de trabalho

Art. 197. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça:

I – a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência;

II – a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de parede ou paralisação de atividade econômica:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Classificação:

Crime comum

Crime material

Crime doloso

Crime de forma livre

Crime unissubjetivo (regra)

Crime plurissubsistente (regra)

Crime permanente

 

Informações rápidas:

Somente a pessoa física pode ser vítima do delito (divergência).

Não admite modalidade culposa.

Admite tentativa.

Ação penal: pública incondicionada.

Concurso material obrigatório: pena do art. 197 + pena correspondente ao crime provocado pela violência.

Objeto jurídico: É a liberdade de trabalho assegurada pela Constituição Federal a qualquer pessoa.

Objeto material: É a pessoa que suporta a conduta criminosa.

Núcleo do tipo: É “constranger”, obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo contra sua vontade, retirando sua liberdade de autodeterminação. Trata-se de crime de constrangimento ilegal especialmente considerado quando lesivo da liberdade de trabalho. Os meios de execução são a violência e a grave ameaça. Violência (vis absoluta)é o emprego de força física para superar uma resistência, aplicado sobre a pessoa para cercear-lhe a faculdade de comportar-se de acordo com sua própria vontade. Não é necessário que seja irresistível: basta que funcione como eficiente meio de coação. Ameaça (vis compulsiva)é a violência moral, a intimidação (por palavras, escritos, gestos ou meios simbólicos) da intenção de causar a alguém, direta ou indiretamente, no momento atual ou em futuro próximo, um mal relevante. A lei menciona a grave ameaça, isto é, promessa de provocação de grave dano, que deve ser idônea a incutir temor na vítima, e possível de realização. Prescinde-se da injustiça do mal prometido. A ameaça não depende da presença do ameaçado: pode ser realizada mediante recado ou por escrito. Divide-se também em direta ou indireta, verificando-se esta última quando o mal prometido é endereçado a terceira pessoa, em relação ao qual o coagido encontra-se ligado por laços de parentesco ou de amizade. A violência imprópria ou meio sub-reptício não caracteriza o delito em estudo. Com o emprego da violência ou da grave ameaça, busca o agente constranger o ofendido a uma das quatro situações seguintes:

a)Exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria (art. 197, inc. I, 1ª parte): O verbo “exercer” (desempenhar ou praticar) liga-se à habitualidade em relação à arte, ofício, profissão ou indústria, abrangendo todas as formas de atividade econômica. Todavia, o Código Penal disciplina somente as atividades exercidas por particulares, havendo regras específicas para as hipóteses em que são ofendidas funções públicas. Tais atividades devem ser lícitas. Arte é qualquer forma de atividade econômica que depende de técnica ou especial habilidade manual. Ofício é qualquer ocupação remunerada e habitual, consistente na prestação de serviços manuais. Profissão é toda e qualquer espécie de atividade, material ou intelectual, desempenhada habitualmente com intuito de lucro. Compreende o comércio e as profissões liberais. Indústria é a atividade econômica destinada à transformação de produtos orgânicos ou inorgânicos, visando adequá-los às necessidades humanas.

b)Trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias (art. 197, inc. I, 2ª parte): O verbo “trabalhar” também é indicativo de habitualidade. A lei fala expressamente em “durante certo período” (exemplo: durante uma semana) ou “em determinados dias” (exemplo: somente as terças e quintas-feiras).

c)Abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho (art. 197, inc. II, 1ª parte): O estabelecimento de trabalho pode ser industrial, comercial ou agrícola. É qualquer local, fechado ou aberto, em que alguém desempenha atividade econômica. Tanto faz seja o constrangimento destinado a abrir ou fechar o estabelecimento comercial. Na primeira hipótese, o estabelecimento pode ter sido fechado pelo respectivo dono por um motivo qualquer. Na segunda hipótese busca-se, com o fechamento do estabelecimento de trabalho, a cessação ou interrupção da sua atividade ou funcionamento. Pouco importa o móvel do crime.

d)Participar de parede ou paralisação de atividade econômica (art. 197, inc. II, 2ª parte):Parede é o abandono coletivo do trabalho por parte de algum estabelecimento ou empresa industrial, comercial ou agrícola. Utilizou-se este termo para evitar a palavra “greve”,1 pois o fim imediato da coação é forçar o sujeito passivo à “participação da parede”. O direito de greve2 é disciplinado pela Lei 7.783/1989. A paralisação deve ser pacífica, vedando-se o uso de qualquer tipo de constrangimento pelos grevistas para convencerem outras pessoas a juntarem-se ao movimento. Consequentemente é punível a conduta consistente em cercear, com violência ou grave ameaça, a liberdade de trabalho. Não se confunde o delito em estudo com a participação voluntária em parede seguida de violência (CP, art. 200). Paralisação de atividade econômica é a cessação temporária ou definitiva. Pressupõe-se que seja a atividade econômica desempenhada por uma pluralidade de pessoas.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum).

Sujeito passivo: qualquer pessoa, desde que na condição de trabalhador, seja patrão ou empregado. Prevalece o entendimento de que somente a pessoa física pode ser vítima do delito, uma vez que o art. 197 do Código Penal elenca, nos incisos I e II, situações inerentes às pessoas humanas.

Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação: Dá-se quando o agente produz o resultado mencionado pela lei, isto é, no momento em que a pessoa efetivamente constrange alguém, com emprego de violência ou grave ameaça: (1) a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria; (2) a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias; (3) a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho; ou (4) a participar de parede ou paralisação de atividade econômica. Trata-se de crime permanente.

Tentativa: É possível.

Ação penal: É pública incondicionada, em todas as espécies do crime.

Lei 9.099/1995: Tanto no inciso I como no II o crime é definido como infração penal de menor potencial ofensivo, compatível com a transação penal, com a suspensão condicional do processo e com o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.

Concurso material obrigatório: Em ambos os incisos o agente suporta a pena cominada ao atentado contra a liberdade de trabalho, sem prejuízo da pena correspondente ao crime provocado pela violência.

Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta

Art. 198. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a celebrar contrato de trabalho, ou a não fornecer a outrem ou não adquirir de outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Classificação:

Crimes comuns

Crimes materiais

Crimes dolosos

Crimes de forma livre

Crimes unissubjetivos

Crimes plurissubsistentes (regra)

Crime instantâneo (atentado contra a liberdade de contrato de trabalho)

Crime permanente (boicotagem violenta)

 

 

 

 

Informações rápidas:

Abrange dois crimes: atentado contra a liberdade de trabalho e boicotagem violenta.

Norma penal em branco homogênea: o conceito de contrato de trabalho, individual e coletivo, encontra-se na CLT.

As pessoas forçadas à boicotagem contra outrem não são agentes, mas instrumentos passivos e vítimas do crime.

Não se admite a modalidade culposa.

Admite tentativa.

Ação penal: pública incondicionada.

Concurso material obrigatório: pena do art. 198 + pena correspondente ao crime provocado pela violência.

Introdução: O art. 198 do CP contempla dois crimes distintos: atentado contra a liberdade de trabalho (1ª parte) e boicotagem violenta (2ª parte). Em qualquer caso, a pena é de detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, além da pena correspondente à violência.

Objeto jurídico: É a liberdade de trabalho.

Objeto material: É a pessoa sobre a qual recai a conduta criminosa.

Núcleo do tipo: É “constranger”, também com violência ou grave ameaça, valendo o que foi dito no tocante ao crime de atentado contra a liberdade de trabalho (CP, art. 197). Em seguida ao constrangimento, despontam os dois crimes distintos: atentado contra a liberdade de celebrar contrato de trabalho (1ª parte) e boicotagem violenta (2ª parte).

a)Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho (1ª parte): Nota-se inicialmente que a lei omitiu as palavras “ou não”, depois do verbo “celebrar”, em que pese serem de igual gravidade o constrangimento tanto para celebrar como para não celebrar contrato de trabalho. Como não se admite a analogia in malam partem no Direito Penal, o constrangimento para não celebrar contrato de trabalho somente poderá ser enquadrado no art. 197, I, no art. 203 (frustração de direito assegurado por lei trabalhista), ou no art. 146 (constrangimento ilegal), todos do Código Penal. O contrato de trabalho pode ser individual ou coletivo. Trata-se de norma penal em branco homogênea, uma vez que o conceito de contrato de trabalho, individual e coletivo, encontra-se na CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas. Qualquer das espécies de contrato de trabalho pode ensejar o crime em análise.

b)Boicotagem violenta (2ª parte): Trata-se de uma espécie de ostracismo econômico: a pessoa atingida pela boicotagem é posta à margem do círculo econômico a que pertence, vendo-se na contingência de cessar sua atividade, porque ninguém lhe fornece os elementos indispensáveis a ela, nem lhe adquire os produtos. O fato é lesivo da normalidade econômica, mas a lei penal somente o incrimina quando praticado mediante violência, física ou moral, quer contra os possíveis fornecedores ou adquirentes, quer contra o próprio boicotado. As pessoas forçadas à boicotagem contra outrem não são agentes, mas instrumentos passivos e vítimas do crime.3 O não fornecimento ou não aquisição dizem respeito à matéria-prima ou ao produto industrial ou agrícola. Fornecer é abastecer ou prover; adquirir equivale à conduta de comprar, obter ou conseguir. Matéria-prima é a substância fundamental, orgânica ou inorgânica, da qual se faz ou se fabrica alguma coisa. Produtos industriais são os resultados do trabalho manual ou mecânico. Produtos agrícolas, por sua vez, são os concebidos pela indústria agrícola. É irrelevante sejam as matérias-primas ou produtos industriais ou agrícolas nacionais ou estrangeiros. Também não importa o título assumido pelo fornecimento ou aquisição.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum).

Sujeito passivo: Qualquer pessoa. O constrangimento contra mais de uma pessoa caracteriza crime único, salvo quanto aos resultados ocasionados pela violência, que constituem tantos crimes quantos são os ofendidos.

Elemento subjetivo: É o dolo, sem qualquer finalidade específica. É indiferente o motivo que leva o sujeito a agir. Se a finalidade almejada for extorquir dinheiro ou qualquer outra vantagem econômica, estará tipificado o crime definido pelo art. 158 do Código Penal. Desaparece o crime quando há justa causa na conduta; subsiste, porém, a punibilidade pela violência empregada contra a vítima. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação: No atentado contra a liberdade de contrato de trabalho, dá-se com a efetiva celebração do contrato de trabalho (crime material). O delito é instantâneo. É irrelevante que se trate de contrato inicial, ou renovação ou alteração de contrato. No contrato verbal ou por adesão, o momento consumativo é aquele em que o ofendido se oferece ao trabalho. A anulação ulterior do contrato de trabalho pela coação não afasta o delito. No crime de boicotagem violenta dá-se a consumação com a abstenção do fornecimento ou aquisição de matéria-prima, produto industrial ou agrícola (crime material). Cuida-se de crime permanente.

Tentativa: É possível, qualquer que seja o crime.

Ação penal: É pública incondicionada, tanto no atentado contra a liberdade de contrato de trabalho como na boicotagem violenta.

Lei 9.099/1995: Os delitos em análise são infrações penais de menor potencial ofensivo, compatíveis com a transação penal, com a suspensão condicional do processo e com o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.

Concurso material obrigatório: Em qualquer dos crimes o sujeito responde pelo crime tipificado pelo art. 198 do CP, além da pena correspondente à violência.

Atentado contra a liberdade de associação

Art. 199. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Classificação:

Crime comum

Crime material

Crime doloso

Crime de forma livre

Crime unissubjetivo (regra)

Crime plurissubsistente (regra)

Crime instantâneo ou permanente (dependendo da prorrogação ou não da situação ilícita ao longo do tempo)

 

Informações rápidas:

Norma penal em branco homogênea: os conceitos de associação profissional e de sindicato estão em outras leis (Decreto-lei 1.402/1939 e CLT).

Não admite modalidade culposa.

Admite tentativa.

Ação penal: pública incondicionada.

Concurso material obrigatório: pena do art. 199 + pena correspondente ao crime provocado pela violência.

Objeto jurídico: A lei penal protege a liberdade de associação constitucionalmente assegurada a todas as pessoas (art. 5º, XVII e art. 8º, V). A liberdade sindical e de associação representam um dos pressupostos do Estado Democrático de Direito. Pelos termos do art. 199 do Código Penal, a tutela penal abrange as diversas modalidades de associações e sindicatos, pois o que protege é exatamente a liberdade associativa.4

Objeto material: É a pessoa sobre a qual incide a conduta criminosa.

Núcleo do tipo: É constranger (v. comentários ao núcleo do tipo do art. 197). O constrangimento deve ser praticado visando um objetivo expressamente previsto em lei: forçar ou fazer o ofendido participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional. O constrangimento a participar ou não participar, genericamente, de qualquer sindicato ou associação profissional configura o delito de constrangimento ilegal (CP, art. 146). Participar é associar-se, tomar parte de algo. O constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, destina-se a forçar alguém a filiar-se (ação) ou não se filiar (omissão) a um sindicato ou associação profissional. O art. 199 do CP pode ser classificado como norma penal em branco homogênea. O intérprete precisa socorrer-se de outra lei para encontrar os conceitos de associação profissional e de sindicato. E, nesse contexto, a associação profissional pode ser definida como gênero da qual o sindicato é espécie. Associação profissional é a união ou agrupamento de pessoas que se destina à defesa, estudo ou coordenação dos interesses profissionais que constituem ou integram a respectiva entidade associativa (Decreto-lei 1.402/1939, art. 1º, e CLT, art. 511); sindicato é a associação profissional reconhecida pelo Poder Público como legítima representante da classe de sindicalizados (Decreto-lei 1.402/1939, art. 50, e CLT, art. 561). Anote-se que o crime em análise foi tratado no Título IV da Parte Especial do Código Penal, ou seja, entre os crimes contra a organização do trabalho. Consequentemente, não se protegem direitos individuais do empregado ou do empregador. De fato, a lei resguarda unicamente o trabalho enquanto instituto de interesse coletivo, razão pela qual somente estará tipificado o crime em apreço quando restar provado o perigo à existência ou ao funcionamento do sindicato ou da associação profissional.

Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa, inclusive os membros ou integrantes de sindicato ou associação (crime comum). Se o sujeito ativo for funcionário público, estará caracterizado o delito de abuso de autoridade (art. 3º, f, da Lei 4.898/1965).

Sujeito passivo: Qualquer pessoa, desde que seja trabalhador ou profissional apto a integrar algum sindicato ou associação de classe. Na conduta “deixar de participar”, o ofendido somente pode ser um membro ou integrante de associação ou sindicato, que seja constrangido a abandoná-lo.

Elemento subjetivo do tipo: É o dolo. Não se exige finalidade específica, e não se admite a modalidade culposa.

Consumação: Trata-se de crime material. Consuma-se quando o sujeito ativo, após empregar violência ou grave ameaça contra a vítima, força sua participação ou não participação em determinado sindicato ou associação profissional. O crime pode ser instantâneo ou permanente, conforme seja a vítima compelida a permanecer ao longo do tempo associada ou não associada em entidade representativa de classe.

Tentativa: É possível.

Ação penal: A ação penal é pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, compatível com a transação penal, com a suspensão condicional do processo e com o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.

Concurso material obrigatório: No crime em estudo deve ser também imputada ao agente a pena correspondente ao delito resultante da violência (lesão corporal, tentativa de homicídio etc.).

Paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem

Art. 200. Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Parágrafo único. Para que se considere coletivo o abandono de trabalho é indispensável o concurso de, pelo menos, três empregados.

Classificação:

Crime comum

Crime material

Crime doloso

Crime de forma livre

Crime unissubjetivo (regra)

Crime plurissubsistente (regra)

Crime instantâneo

 

 

 

Informações rápidas:

É punida somente a paralisação violenta da atividade laborativa (participar de greve, por si só, não é crime = exercício regular de direito).

Não se admite modalidade culposa.

Admite tentativa.

Ação penal: pública incondicionada.

Concurso material obrigatório: pena do art. 200 + pena correspondente ao crime provocado pela violência.

Competência: Justiça Federal.

Objeto jurídico: É a liberdade de trabalho.

Objeto material: É a pessoa ou a coisa que suporta a violência.

Núcleo do tipo: É “participar”, associar-se, tomar parte de algo. É imprescindível uma pluralidade de pessoas, frente ao disposto no parágrafo único do dispositivo em estudo. O agente deve participar da suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou coisa. A lei incrimina somente a paralisação violenta da atividade laborativa. Fica claro, pois, que participar de greve, por si só, não é crime. Aquele que assim se comporta atua no exercício regular de direito, disciplinado pela Lei 7.783/1989. Suspensão de trabalho é o lockout, a greve patronal, o abandono do trabalho pelos empregadores. Abandono coletivo de trabalho é a greve, o abandono do trabalho pelos empregados. Pouco importa, para fins da tipificação do delito, seja a greve lícita ou ilícita. Basta a intervenção de alguém mediante violência contra pessoa ou coisa, pois em nenhuma hipótese os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem. Além disso, as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa (Lei 7.783/1989, art. 6º, §§ 1º e 3º).

Sujeito ativo: No caso de abandono de trabalho, figuram como sujeitos ativos os empregados. É indispensável o concurso de ao menos três empregados para que se considere coletivo o abandono de trabalho. É suficiente que um só agente se valha de violência contra pessoa ou coisa, desde que ao movimento de que participa tenham aderido no mínimo outras duas pessoas. Na suspensão de trabalho (lockout), os empregadores são os sujeitos ativos e a lei não exige o número mínimo de três pessoas. Contudo, o verbo “participar” pressupõe a pluralidade de pessoas, sendo suficiente a presença de um só empregador.

Sujeito passivo: Qualquer pessoa física, no tocante à violência contra a pessoa, e também a pessoa jurídica, relativamente aos danos a ela causados.

Elemento subjetivo: É o dolo. Não se reclama qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação: O crime se consuma com a prática, pelo empregador ou pelo empregado, durante o lockout ou greve, de ato violento contra pessoa ou coisa.

Tentativa: É possível.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, compatível com a transação penal, com a suspensão condicional do processo e com o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.

Concurso material obrigatório: No crime de paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem, deve ser também imputada ao agente a pena correspondente à violência, empregada contra pessoa ou coisa.

Competência: Será sempre da Justiça Federal, nos termos do art. 109, VI, da CF, uma vez que a suspensão ou abandono de trabalho são coletivos.

Paralisação de trabalho de interesse coletivo

Art. 201. Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Classificação:

Crime comum

Crime material

Crime doloso

Crime de forma livre

Crime plurissubjetivo (regra)

Crime plurissubsistente (regra)

Crime vago

Crime instantâneo

Informações rápidas:

Não há crime no exercício pacífico do direito de greve constitucionalmente consagrado.

Sujeito passivo: coletividade (crime vago).

Não se admite modalidade culposa.

Admite tentativa.

Ação penal: pública incondicionada.

Competência: Justiça Federal.

Introdução: O § 1º do art. 9º da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei 7.783/1989 – Lei de Greve. O direito de greve é permitido para as atividades não essenciais e essenciais, definidas pelo art. 10 da referida lei. Quanto às atividades essenciais, deve ser garantida, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim compreendidas aquelas que, se não atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população (Lei 7.783/1989, art. 11 e parágrafo único). Relativamente às atividades não essenciais o direito de greve é ilimitado. Nesse campo não tem mais aplicação a figura típica prevista no art. 201 do CP, por se tratar de conduta cometida sem violência ou grave ameaça: não há crime no exercício pacífico do direito de greve constitucionalmente consagrado. Entretanto, no que concerne às atividades essenciais, o direito de greve é limitado. Como podem ser cometidos abusos (Lei 7.783/1989, art. 14), nasce a possibilidade de caracterização do crime ora estudado, em sintonia com o mandamento contido no art. 9º, § 2º, da Constituição Federal. Em tais casos, a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos em geral ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal. E deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito (Lei 7.783/1989, art. 15 e parágrafo único).5

Objeto jurídico: Tutela-se o interesse social na manutenção de obras públicas ou serviços de interesse coletivo.

Objeto material: É o trabalho paralisado mediante suspensão ou abandono coletivo.

Núcleo do tipo: É “participar”, no sentido de associar-se ou tomar parte de suspensão (lockout) ou abandono coletivo de trabalho (greve), dando causa à interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo. Obra pública é aquela que a Administração Pública determina a execução por pessoas estranhas ao quadro de agentes públicos. A atividade deve ser praticada por particulares, pois em caso contrário estaria delineado um crime praticado por funcionário público contra a Administração Pública (CP, arts. 312 a 326); serviço de interesse coletivo é o que atinge as necessidades da coletividade como um todo, tais como iluminação, segurança pública, água e esgoto etc. Ao reverso do que ocorre nos crimes anteriores contra a organização do trabalho, não há emprego de violência ou grave ameaça na paralisação de trabalho de interesse coletivo.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa, desde que empregador ou empregado, pois o tipo penal dispõe acerca da paralisação do trabalho.

Sujeito passivo: É a coletividade (crime vago).

Elemento subjetivo: É o dolo. Exige-se uma finalidade específica, consistente no propósito de participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho para interromper obra pública ou serviço de interesse coletivo. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação: Dá-se com a efetiva interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo (crime material).

Tentativa: É possível.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo. Admite, pois, a transação penal, a suspensão condicional do processo e segue o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.

Competência: É da Justiça Federal, nos termos do art. 109, VI, da CF, pois se trata de paralisação de trabalho de interesse coletivo.

Invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola. Sabotagem

Art. 202. Invadir ou ocupar estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com o mesmo fim danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor:

Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.

Classificação:

Crimes comuns

Crimes formal (invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola) ou material (sabotagem)

Crimes dolosos

Crimes de forma livre

Crimes unissubjetivos (regra)

Crimes plurissubsistentes (regra)

Crime instantâneo (sabotagem) ou permanente

Informações rápidas:

Abrange dois crimes: invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola e sabotagem.

Não admitem modalidade culposa. Exige dolo específico.

Admitem tentativa.

Ação penal: pública incondicionada.

 

 

Introdução: São contemplados no dispositivo em análise dois crimes diversos contra a organização do trabalho: (1) invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, em sua primeira parte; e (2) sabotagem, na parte final.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (funcionário do estabelecimento ou terceiro). São crimes comuns.

Sujeito passivo: É o proprietário do estabelecimento industrial, comercial ou agrícola e das coisas nele existentes, e, mediatamente, a coletividade, quando privada de algum serviço prestado pelo estabelecimento.

Elemento subjetivo: É o dolo. Não se admite a modalidade culposa. Exige-se também um especial fim de agir, representado pela expressão “com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho”. Ausente tal finalidade, a conduta pode caracterizar esbulho possessório (CP, art. 161, § 1º, II, se praticada a conduta com violência ou grave ameaça, ou mediante concurso de duas ou mais pessoas), enquanto a atividade de danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor pode configurar os crimes de dano (CP, art. 163) ou de disposição de coisa alheia como própria (CP, art. 171, § 2º, I).

Tentativa: É admitida.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: São crimes de médio potencial ofensivo, sendo possível a utilização do instituto da suspensão condicional do processo, desde que presentes os demais requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995.

Invasão de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola (art. 202, 1ª parte):

Objeto jurídico: O bem jurídico penalmente tutelado é a liberdade de trabalho.

Objeto material: É o estabelecimento comercial, industrial ou agrícola criminosamente invadido ou ocupado.

Núcleo do tipo: O tipo penal possui dois núcleos: invadir e ocupar. Invadir é ingressar sem autorização, de modo arbitrário, em algum local. É a ação de quem está de fora. Ocupar, por outro lado, é tomar posse indevidamente de algo, com prejuízo ao seu proprietário, tal como na hipótese em que os funcionários de uma empresa se apossam do lugar em que trabalham, não agindo como empregados, mas como ocupantes. Trata-se de tipo misto alternativo, crime de ação múltipla ou de conteúdo variado: estará caracterizado crime único quando o sujeito invade e ocupa, no mesmo contexto fático, um só estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho.

Consumação: Dá-se com a efetiva invasão ou ocupação do estabelecimento de trabalho, ainda que o sujeito não consiga impedir ou embaraçar o trabalho ali desenvolvido. O crime é formal, de resultado cortado ou de consumação antecipada. Cuida-se de crime permanente.

Sabotagem (art. 202, parte final):

Introdução: Sabotar é atamancar, executar (um trabalho) às pressas e sem cuidado.

Objeto jurídico: É o patrimônio do proprietário do estabelecimento industrial, comercial ou agrícola.

Objeto material: É o estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, bem como as coisas nele existentes, que o agente criminosamente danifica ou dispõe.

Núcleos do tipo: O tipo penal apresenta dois núcleos: danificar e dispor. Danificar é destruir, deteriorar, inutilizar, estragar, total ou parcialmente, coisas imóveis ou móveis. O objeto da danificação pode ser o estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, bem como as coisas nele existentes, relativas ao trabalho ali exercido. Dispor é comportar-se em relação a algum bem como se seu dono fosse.

Consumação: se consuma com a danificação do estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, ou com a danificação ou disposição das coisas nele existentes. Cuida-se de crime material e instantâneo.

Frustração de direito assegurado por lei trabalhista

Art. 203. Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:

Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º Na mesma pena incorre quem:

I – obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida;

II – impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.

Classificação:

Crime comum

Crime material

Crime doloso

Crime de forma livre

Crime unissubjetivo (regra)

Crime plurissubsistente (regra)

Crime instantâneo

 

 

 

Informações rápidas:

Norma penal em branco homogênea: deve ser complementada pela legislação trabalhista para conhecer a extensa relação de direitos assegurados aos trabalhadores em geral.

Não se admite modalidade culposa.

Admite tentativa.

Ação penal: pública incondicionada.

Concurso material obrigatório: pena do art. 203 + pena correspondente ao crime provocado pela violência.

Introdução: O CP novamente se utiliza de uma norma penal em branco homogênea. É imprescindível analisar a legislação trabalhista (CLT – Consolidação das Leis do Trabalho e outras leis esparsas) para conhecer a extensa relação de direitos assegurados aos trabalhadores em geral. Há também diversos direitos trabalhistas garantidos pela Constituição Federal, especialmente em seu art. 7º, muitos dos quais já foram ou devem ser regulamentados pela legislação ordinária.

Objeto jurídico: É a organização do trabalho e a legislação que lhe é correlata.

Objeto material: É o direito trabalhista violado pela conduta criminosa.

Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é “frustrar”, indicativo de impedir ou privar alguém de direito que lhe é assegurado por lei trabalhista. Para alcançar este objetivo, o sujeito se vale de fraude ou violência. Fraude consiste no engodo, artifício ou ardil utilizado para enganar, enquanto violência é o emprego de força física (lesão corporal ou vias de fato) sobre o ofendido. Não se admite a utilização de grave ameaça, por ausência de previsão legal nesse sentido.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum).

Sujeito passivo: É o titular do direito assegurado por lei trabalhista (empregador ou empregado) que foi frustrado mediante fraude ou violência.

Elemento subjetivo: É o dolo. Não se exige qualquer finalidade específica, e também não se admite a modalidade culposa.

Consumação: Trata-se de crime material: consuma-se com a efetiva frustração do direito assegurado por lei trabalhista. A indenização, pelo empregador, do dano provocado ao trabalhador, buscando reparar os males do crime de frustração a direito trabalhista anteriormente cometido, não autoriza a extinção da punibilidade.

Tentativa: É possível.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, aplicando-se os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, bem como o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.

Concurso material obrigatório: Deve ser também imputada ao autor delito em tela a pena correspondente ao resultado produzido pela violência por ele empregada.

Competência: É da Justiça Estadual.

Figuras equiparadas (art. 203, § 1º): Na mesma pena do caput incorre quem:

Inciso I – Obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida: Obrigar é forçar alguém a fazer algo, ao passo que coagir significa intimidar ou constranger alguém mediante o emprego de violência ou grave ameaça. Tais condutas se relacionam com a atividade de usar mercadorias de determinado estabelecimento. Exige-se habitualidade, caracterizada pelo emprego do verbo “usar”. Reclama um especial fim de agir: “para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida”. Como mencionado na análise do art. 149 do CP, o crime em estudo é subsidiário perante o delito de redução à condição análoga à de escravo.

Inciso II – Impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais: Impedir é obstruir ou vedar alguém quanto a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Neste caso, a conduta alcança o trabalhador que deseja desligar-se do serviço. Para tanto, o agente se vale de coação ou retenção de documentos pessoais ou contratuais. Se presente a retenção física do trabalhador, o crime será o de redução à condição análoga à de escravo (CP, art. 149).

Causas de aumento da pena (art. 203, § 2º): A pena será aumentada de um sexto a um terço se a vítima for menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. Cuida-se de causa especial de aumento da pena. Incide na terceira e última fase da dosimetria da pena privativa de liberdade. A elevação da reprimenda se justifica pela maior reprovabilidade da conduta, pois o agente se vale da especial condição da vítima, que a torna mais vulnerável, para frustrar direito a ela assegurado pela legislação trabalhista. Pessoa menor de 18 (dezoito) anos de idade é a criança ou adolescente (Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 2º, caput). Idosa é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso, art. 1º). Gestante é a mulher grávida. Para evitar a responsabilidade penal objetiva, é imprescindível o conhecimento do sujeito ativo acerca desta condição da vítima. Incidindo a causa de aumento de pena em análise, não se aplicam as agravantes genéricas definidas pelo art. 61, II, h, do CP, sob pena de bis in idem. Pessoa portadora de deficiência é aquela que, em decorrência de alguma enfermidade, permanente ou transitória, enfrenta debilidade em sua capacidade física ou mental. É importante destacar, no campo da frustração de direito assegurado por lei trabalhista, que o art. 7º, XXXI, da Constituição Federal veda qualquer espécie de discriminação no tocante a salário e critério de admissão do trabalhador portador de deficiência. Indígena, finalmente, também chamado de índio ou silvícola, é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional (Lei 6.001/1973 – Estatuto do Índio, art. 3º, I). Comunidade indígena ou grupo tribal é o conjunto de famílias ou comunidades indígenas, quer vivendo em estado de completo isolamento em relação aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem, contudo, estarem neles integrados (Lei 6.001/1973 – Estatuto do Índio, art. 3º, inc. II). O art. 4º da Lei 6.001/1973 divide os índios em três grupos: (a) isolados: quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes por meio de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional; (b) em vias de integração: quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento; e (c) integrados: quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura. É valido destacar que, no caso de crime contra a pessoa, o patrimônio ou a dignidade sexual, em que o ofendido seja um índio não integrado ou comunidade indígena, a pena será agravada de um terço (Lei 6.001/1973 – Estatuto do Índio, art. 59). O art. 14 da Lei 6.001/1973 estabelece que “não haverá discriminação entre trabalhadores indígenas e os demais trabalhadores, aplicando-se-lhes todos os direitos e garantias das leis trabalhistas e de previdência social”. O Estatuto do Índio dispõe que será nulo o contrato de trabalho ou de locação de serviços realizado com os índios isolados (art. 15). Em tal caso, poderá restar também caracterizado o crime de redução à condição análoga à de escravo (CP, art. 149), pois referidos silvícolas não têm a mínima compreensão da vida civilizada. Autoriza tal prática, porém, no que concerne aos índios em vias de integração, desde que exista prévia aprovação do órgão de proteção ao índio, ou seja, da Funai – Fundação Nacional de Amparo ao Índio (art. 16, caput). Finalmente, os índios integrados podem livremente celebrar contrato de trabalho, pois se encontram no pleno gozo de seus direitos civis.

Competência: É da Justiça Estadual, pois a conduta atinge unicamente interesses privados.

Jurisprudência selecionada:

Competência: “Hipótese em que empresa privada deixa de anotar na CTPS da empregada os dados referentes às atualizações ocorridas no contrato de trabalho, com o fito de frustrar direitos trabalhistas, dando origem a reclamação trabalhista. Não se vislumbra qualquer prejuízo a bens, serviços ou interesses da União, senão, por via indireta ou reflexa, do INSS na anotação da carteira, dado que é na prestação de serviço que se encontra o fato gerador da contribuição previdenciária. Entendimento da Súmula nº 62 do STJ. A competência para julgar crime de falsificação de documento público, consistente na ausência de anotação de atualização do contrato de trabalho de empregado é da Justiça Estadual, pois inexistente lesão a bens, serviços ou interesse da União. Súmula nº 62 do STJ” (STJ: CC 114.168/SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3ª Seção, j. 10.11.2010). No mesmo sentido: STJ: CC 96.365/PR, rel. Min. Jorge Mussi, 3ª Seção, j. 26.05.2010.

Pagamento de salário a menor e caracterização do delito: “O trancamento de inquérito policial, por força de sua função investigatória e da sua natureza administrativa, é medida de exceção que somente é cabível quando a atipicidade dos fatos ou a sua inexistência mesmo se mostra na luz da evidência, primus ictus oculi. Pagar salário a menor do que consta na anotação da carteira de trabalho configura, ao menos em tese, o delito de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, tipificado no artigo 203 do Código Penal.” (STJ, RHC 15.713/MG, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, j. 29.11.2005).

Frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho

Art. 204. Frustrar, mediante fraude ou violência, obrigação legal relativa à nacionalização do trabalho:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Classificação:

Crime comum

Crime material

Crime doloso

Crime de forma livre

Crime unissubjetivo (regra)

Crime plurissubsistente (regra)

Crime instantâneo

Informações rápidas:

Dispositivo não recepcionado pela CF/1988.

Norma penal em branco homogênea: deve ser complementada pela CLT, que contém as regras acerca da nacionalização do trabalho.

Não se admite modalidade culposa.

Admite tentativa.

Ação penal: pública incondicionada.

Concurso material obrigatório: pena do art. 204 + pena correspondente ao crime provocado pela violência.

Competência: Justiça Federal.

Introdução: O tipo penal se fundamenta, originariamente, na Constituição Federal de 1937, que previa em seu art. 153, no capítulo inerente à Ordem Econômica, a fixação de porcentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados em concessão e nos estabelecimentos de determinados ramos comerciais e industriais. Nesse sentido, a lei penal tutela o interesse na nacionalização do trabalho, assegurando aos brasileiros maiores condições na competição do mercado de trabalho relativamente ao estrangeiro. Trata-se de norma penal em branco homogênea, uma vez que os arts. 352 a 371 da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei 5.452/1943) contêm as regras acerca da nacionalização do trabalho, isto é, as normas relacionadas à obrigatoriedade de contratação de mão de obra brasileira.

Objeto jurídico: É o interesse do Estado em assegurar mercado de trabalho para brasileiros.

Objeto material: São os contratos laborais celebrados com violação às regras atinentes à nacionalização do trabalho.

Núcleo do tipo: É “frustrar”, aqui compreendido como ludibriar, enganar ou iludir, no tocante à obrigação legal de nacionalização do trabalho. A frustração se dá mediante fraude ou violência. Fraude é o engodo, o artifício ou ardil utilizado para enganar; violência é o emprego de força física. Não se admite a utilização de grave ameaça, por ausência de previsão legal nesse sentido.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa.

Sujeito passivo: É o Estado.

Elemento subjetivo: É o dolo. Não se exige finalidade específica, e também não se admite a modalidade culposa.

Consumação: Dá-se com a frustração relativa à nacionalização do trabalho, que se concretiza no momento em que o empregador abriga um número maior de trabalhadores estrangeiros do que o legalmente permitido.

Tentativa: É possível.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo. Aplicam-se, portanto, os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, bem como o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.

Concurso material obrigatório: No crime de frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho deve ser também imputada ao agente a pena correspondente à violência. Se a conduta também resultar na frustração de direito individual do trabalho, estará caracterizado concurso formal com o crime definido pelo art. 203 do Código Penal.

Competência: É da Justiça Federal, nos termos do art. 109, VI, da Constituição Federal, pois envolve interesse coletivo relacionado ao trabalho.

Exercício de atividade com infração de decisão administrativa

Art. 205. Exercer atividade, de que está impedido por decisão administrativa: Pena – detenção, de três meses a dois anos, ou multa.

Classificação:

Crime próprio

Crime de mera conduta

Crime doloso

Crime de forma livre

Crime unissubjetivo (regra)

Crime plurissubsistente (regra)

Crime habitual

 

 

 

Informações rápidas:

Crime composto por uma reiteração de atos, os quais representam um indiferente penal se isoladamente considerados (habitual).

Não se admite modalidade culposa.

Não admite tentativa (por se tratar de crime habitual).

Ação penal: pública incondicionada.

Competência: Justiça Estadual (exceção – CF, art. 109, IV – Justiça Federal).

Objeto jurídico: É o interesse do Estado no cumprimento das suas decisões relativas ao exercício de atividades trabalhistas. A decisão administrativa a ser respeitada há de ter amparo legal (CF, art. 5º, XIII).

Objeto material: É a atividade desempenhada por quem estava impedido de fazê-lo por decisão administrativa.

Núcleo do tipo: É “exercer”, no sentido de praticar ou desempenhar. O verbo empregado pelo legislador transmite a clara ideia de habitualidade, pois é equivocado afirmar que alguém exerce determinada atividade uma única vez. Trata-se, portanto, de crime habitual: é composto por uma reiteração de atos, os quais representam um indiferente penal se isoladamente considerados.6 Atividade significa qualquer trabalho, ocupação ou profissão, desde que de natureza lícita. O crime reclama a existência de decisão administrativa anterior (emanada de qualquer órgão da Administração Pública, federal, estadual, distrital ou municipal), que impede o exercício da atividade pelo sujeito. A decisão judicial não é abarcada pelo dispositivo em análise, pois a desobediência à ordem judicial poderá configurar o delito previsto no art. 359 do Código Penal. O exercício ilegal de função pública, por sua vez, configura o delito previsto no art. 324 do Código Penal.7

Sujeito ativo: Cuida-se de crime próprio, pois somente pode ser cometido pela pessoa administrativamente impedida de exercer determinada atividade.

Sujeito passivo: É o Estado, pois suas decisões administrativas devem ser integralmente cumpridas por aqueles que a elas se sujeitam.

Elemento subjetivo: É o dolo. Não se exige finalidade específica, nem se admite a modalidade culposa.

Consumação: Prevalece o entendimento de que se trata de crime habitual. Logo, não é suficiente a prática de um único ato. A consumação do delito se dá com o desempenho reiterado e contínuo da atividade. Constitui-se em crime de mera conduta, pois se esgota com o exercício da atividade administrativamente suspensa, sem a previsão de resultado naturalístico pelo tipo penal.

Tentativa: Não é admissível. A ampla maioria da doutrina sustenta a inaceitabilidade da tentativa (conatus) nos crimes habituais.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo. Admite a transação penal e a suspensão condicional do processo, e segue o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.

Competência: Em regra, a competência para processar e julgar o crime de exercício de atividade com infração de decisão administrativa é da Justiça Estadual, pois não diz respeito a interesse coletivo do trabalho. Será competente a Justiça Federal, contudo, quando o crime for praticado em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal.

Aliciamento para o fim de emigração

Art. 206. Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro.

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.

Classificação:

Crime comum

Crime formal

Crime doloso

Crime de forma livre

Crime unissubjetivo (regra)

Crime plurissubsistente (regra)

Crime instantâneo

Informações rápidas:

O recrutamento (no mínimo de três pessoas) deve ser efetuado mediante fraude.

Não se admite a modalidade culposa. O dolo é específico.

Admite tentativa.

Ação penal: pública incondicionada.

Competência: Justiça Federal.

Objeto jurídico: Tutela-se o interesse do Estado brasileiro em manter seus trabalhadores, sua mão de obra, em território nacional.

Objeto material: É a pessoa recrutada mediante fraude para ser levada para território estrangeiro.

Núcleo do tipo: É “recrutar”, aliciar, no sentido de seduzir, atrair interessados. É imprescindível seja o recrutamento efetuado mediante fraude, isto é, com emprego de artifício, ardil ou de qualquer outro meio fraudulento. A lei fala em “trabalhadores”, razão pela qual devem existir no mínimo três pessoas, pois quando o Código Penal deseja somente duas pessoas ou então ao menos quatro indivíduos ele o faz expressamente.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum).

Sujeito passivo: É o Estado, e, mediatamente, os trabalhadores recrutados mediante fraude.

Elemento subjetivo: É o dolo. Não se admite a modalidade culposa. É imprescindível, ainda, um especial fim de agir, representado pela expressão “com o fim de levá-los para território estrangeiro”.

Consumação: O crime é formal, de resultado cortado ou de consumação antecipada. Consuma-se com o recrutamento mediante fraude. É dispensável a efetiva saída dos trabalhadores do território nacional.

Tentativa: É possível.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Cuida-se de crime de médio potencial ofensivo (pena mínima igual ou inferior a um ano): é cabível a suspensão condicional do processo, se presentes todos os requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995.

Competência: É da Justiça Federal, nos termos do art. 109, VI, da Constituição Federal, pois o crime atinge interesses coletivos, relacionados a diversos trabalhadores.

Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional

Art. 207. Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional:

Pena – detenção de um a três anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.

Informações rápidas:

Exige pluralidade de trabalhadores.

Não se admite a figura culposa.

O dolo é específico.

Admite tentativa.

Ação penal: pública incondicionada.

Competência: Justiça Federal.

No § 1.º, na modalidade “não assegurar condições do seu retorno ao local de origem”, o crime é omissivo próprio ou puro.

Introdução: No dispositivo em estudo, o Código Penal atende à necessidade de reprimir a catequese de trabalhadores no sentido de afastá-los de uma região para outra do território nacional. Não se exige seja a conduta cometida com emprego de fraude. Caracteriza o delito em análise a simples atividade de aliciar, ainda que mediante promessas verdadeiras de melhores salários e mais adequadas condições de vida. Busca-se impedir a fuga de mão de obra e o despovoamento de determinadas regiões do território nacional.

Objeto jurídico: Protege-se o interesse estatal em preservar os trabalhadores nos seus locais de origem.

Objeto material: É a pessoa aliciada pela conduta criminosa.

Núcleo do tipo: É “aliciar”, no sentido de recrutar ou atrair trabalhadores para levá-los a outra localidade do território nacional. É indispensável seja a conduta dirigida a uma pluralidade de trabalhadores. O delito admite qualquer meio de execução (crime de forma livre). Em regra, é cometido por ação, mas nada impede a omissão penalmente relevante (crime omissivo impróprio, espúrio ou comissivo por omissão), nas hipóteses em que o sujeito tem o dever jurídico de agir e pode agir, mas nada faz para impedir o aliciamento (CP, art. 13, § 2º).

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum).

Sujeito passivo: É o Estado, e, mediatamente, os trabalhadores aliciados.

Elemento subjetivo: É o dolo. Reclama-se um especial fim de agir representado pela expressão “com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional”. Não se admite a figura culposa.

Consumação: Dá-se com o simples aliciamento dos trabalhadores, prescindindo-se da real transferência para outra localidade do País. O crime é formal, de resultado cortado ou de consumação antecipada.

Tentativa: É possível.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de médio potencial ofensivo (pena mínima igual ou inferior a um ano): é cabível a suspensão condicional do processo, se presentes todos os requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995.

Competência: É da Justiça Federal, nos termos do art. 109, VI, da Constituição Federal, pois o delito envolve interesses coletivos.

Figura equiparada (art. 207, § 1º): O § 1º, incluído pela Lei 9.777/1998, prevê que “incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem”. Na modalidade “não assegurar condições do seu retorno ao local de origem” o crime é omissivo próprio ou puro: a omissão está descrita no próprio tipo penal, e, por se tratar de delito unissubsistente, consuma-se com a simples omissão, não admitindo a tentativa. É irrelevante, para a consumação, que o trabalhador, por outros meios, consiga retornar à sua localidade. Não se pune a transferência dos trabalhadores de uma localidade a outra do território nacional – preocupa-se a lei com o aliciamento e com a omissão que se verifica quando o patrão não assegura ao trabalhador condições adequadas para o seu retorno ao local de origem.

Causa de aumento de pena (art. 207, § 2º): “A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental” (v. comentários ao art. 203 do CP). Em tais situações, a conduta do agente reveste-se de maior grau de reprovabilidade, pois para cometer o crime ele se aproveita da reduzida (ou nenhuma) capacidade de discernimento ou resistência da vítima, justificando a elevação da sanção penal.

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1A palavra “greve”, com que os franceses designam o abandono coletivo de trabalho, origina-se do ato pelo qual outrora os operários parisienses sem trabalho costumavam reunir-se na praça de Gréve, à espera de que alguém os fosse ajustar (HUNGRIA, Nélson; LACERDA, Romão Côrtes de. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954. v. 8, p. 33).

2Para Renato Saraiva, “greve é a paralisação coletiva e temporária do trabalho a fim de obter, pela pressão exercida em função do movimento, as reivindicações da categoria, ou mesmo a fixação de melhores condições de trabalho” (SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 395).

3HUNGRIA, Nélson; LACERDA, Romão Côrtes de. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954. v. 8, p. 37.

4BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte especial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 3, p. 373.

5Com posição diversa, Celso Delmanto sustenta que, “em face da CF/1988, que consagrou o direito de greve de forma ampla, o dispositivo do art. 201 do CP não está a merecer aplicação” (DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p. 339). Discordamos, uma vez que o art. 9º, § 1º, da Constituição Federal foi claro ao determinar à lei um tratamento diferenciado na greve envolvendo atividades essenciais e não essenciais.

6Em sentido contrário, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que, “basta um ato de desobediência à decisão administrativa, para que se configure o delito em questão (art. 205)” (HC 74.826/SP, Rel. Min. Sydney Sanches, 1ª Turma, j. 11.03.1993).

7Cf. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2, p. 637.