■Crimes contra os costumes versus crimes contra a dignidade sexual: O Código Penal foi instituído pelo Decreto-lei 2.848/1940. Em sua redação original, constavam do Título VI da Parte Especial os “crimes contra os costumes”. Esta expressão, em face da mudança dos valores e princípios das pessoas e da sociedade, precisava ser revista. Costume, no plano jurídico, é a reiteração de uma conduta (elemento objetivo) em face da convicção da sua obrigatoriedade (elemento subjetivo). E aqui surge uma inevitável pergunta: Qual a relação entre costumes e crimes sexuais, na forma concebida pela redação original do Código Penal? A expressão “crimes contra os costumes” era demasiadamente conservadora e indicativa de uma linha de comportamento sexual imposto pelo Estado às pessoas, por necessidades ou conveniências sociais. Além disso, revelava-se preconceituosa, pois alcançava, sobretudo, as mulheres. De fato, somente a “mulher honesta” era tutelada por alguns tipos penais, mas não se exigia igual predicado dos homens. Discutia-se se a esposa podia ser vítima do estupro praticado pelo marido, sob a alegação de obrigatoriedade de cumprimento do famigerado “débito conjugal”. A mulher era sempre considerada objeto no campo sexual, sem nenhuma preocupação legislativa quanto à direção conferida, por ela mesma, aos seus desejos e interesses. Esta falsa moralidade média não podia subsistir nos tempos modernos. As mulheres conquistaram, com muito esforço e mérito, autêntica posição de destaque na sociedade. O princípio da isonomia, em suas concepções formal e material, consagrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal, determinava a necessária mudança de um quadro machista e insustentável. De fato, a lei penal não pode estabelecer tratamentos diferenciados fundados unicamente no sexo das pessoas. Para suprir tais deficiências, e como desdobramento dos trabalhos da “CPI da Pedofilia”, editou-se a Lei 12.015/2009, responsável por diversas modificações na seara dos crimes sexuais, especialmente o recrudescimento das penas e a criação de novos delitos.1 E como relevante mudança, merece destaque a nomenclatura do Título VI da Parte Especial do Código Penal. A ultrapassada expressão “crimes contra os costumes” cedeu espaço à adequada terminologia “crimes contra a dignidade sexual”.
■Fundamento constitucional: O fundamento de validade dos crimes contra a dignidade sexual repousa no art. 1º, inc. III, da Constituição Federal: a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. De fato, a dignidade é inerente a todas as pessoas, sem qualquer distinção, em decorrência da condição privilegiada do ser humano. Ademais, a dignidade da pessoa humana não gera reflexos apenas nas esferas física, moral e patrimonial, mas também no âmbito sexual. Em outras palavras, toda e qualquer pessoa humana tem o direito de exigir respeito no âmbito da sua vida sexual, bem como de respeitar as opções sexuais alheias. O Estado deve assegurar meios para todos buscarem a satisfação sexual de forma digna, livre de violência, grave ameaça ou exploração.2
■Conceito de liberdade sexual: É o direito inerente a todo ser humano de dispor do próprio corpo. Cada pessoa tem o direito de escolher seu parceiro sexual, e com ele praticar o ato desejado no momento que reputar adequado, sem qualquer tipo de violência ou grave ameaça. O Código Penal protege o critério de eleição sexual que todos desfrutam na sociedade. E de ser recordar que a Lei 12.845/2013 dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual.
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Classificação: Crime pluriofensivo Crime comum (mas próprio na modalidade “constranger alguém a ter conjunção carnal”) Crime material ou causal Crime de forma livre Crime instantâneo Crime comissivo (regra) Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual Crime plurissubsistente (regra) |
Informações rápidas: Não houve abolitio criminis no tocante ao atentado violento ao pudor (princípio da continuidade típico normativa). É crime hediondo (seja tentado seja consumado). Objeto material: pessoa, de qualquer sexo (inclusive transexuais). As lesões leves e as vias de fato são absorvidas pelo estupro; as graves ou gravíssimas qualificam o crime. Elementar implícita do tipo penal: dissenso da vítima (deve ser séria e firme e subsistir durante toda a atividade sexual). Crime complexo em sentido amplo (constrangimento ilegal voltado para conjunção carnal ou outro ato libidinoso). Esposas podem ser vítimas de estupro praticado pelos maridos e vice-versa. O estupro deixou de ser crime bipróprio para ser crime bicomum.Prostitutas também podem ser vítimas de estupro. Elemento subjetivo: dolo (elemento subjetivo específico – intenção de manter conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém). Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente). Ação penal: pública condicionada à representação (regra). Se a vítima for menor de 18 anos, a ação penal será pública incondicionada (Súmula 608 do STF perdeu o objeto, embora exista controvérsia sobre o assunto). |
■Introdução: Na redação original do Código Penal existiam dois crimes sexuais cometidos com emprego de violência ou grave ameaça, definidos entre os “crimes contra os costumes”: estupro e atentado violento ao pudor. Em ambos os delitos, o núcleo era “constranger”, mediante emprego de violência ou grave ameaça. No estupro, entretanto, buscava-se a conjunção carnal, enquanto no atentado violento ao pudor o objetivo almejado pelo agente era qualquer outro ato libidinoso. Nos dois crimes a pena era de reclusão, de seis a dez anos, em face das reformas promovidas pela Lei 8.072/1990 – Lei dos Crimes Hediondos. Este quadro foi alterado pela Lei 12.015/2009. Inicialmente, merece destaque a fusão, em um único delito, dos crimes outrora tipificados nos arts. 213 e 214 do CP. O alcance do estupro foi ampliado, alargando-se o raio de incidência do art. 213, em face da revogação formal do art. 214, anteriormente responsável pela definição do atentado violento ao pudor. Com efeito, atualmente o crime de estupro, previsto no art. 213 do CP, representa a junção dos antigos delitos de estupro (art. 213) e atentado violento ao pudor (art. 214). A pena permanece a mesma. Não houve abolitio criminis no tocante ao atentado violento ao pudor, pois o crime não deixou de existir – a conduta que era nele incriminada subsiste como relevante perante o Direito Penal, agora com o nomen iuris estupro. Conclui-se, portanto, pelo simples deslocamento do antigo atentado violento ao pudor para o atual delito de estupro. Incide na hipótese o princípio da continuidade normativa, também conhecido como princípio da continuidade típico-normativa, pois o fato subsiste criminoso, embora disciplinado em tipo penal diverso.
■Objeto jurídico: O estupro é crime pluriofensivo. O art. 213 do CP tutela dois bens jurídicos: a dignidade sexual e, mais especificamente, a liberdade sexual, bem como a integridade corporal e a liberdade individual, pois o delito tem como meios de execução a violência à pessoa ou grave ameaça.
■Objeto material: É a pessoa, de qualquer sexo, contra quem se dirige a conduta criminosa.
■Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é “constranger”, no sentido de coagir alguém a fazer ou deixar de fazer algo. Consiste, em suma, no comportamento de retirar de uma pessoa sua liberdade de autodeterminação. Inicialmente o estupro em muito se assemelha ao crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP). Todavia, contém elementos especializantes que o tornam sensivelmente mais grave – no art. 213 do CP a coação da vítima se destina a uma finalidade específica, representada pela conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Para viabilizar o constrangimento, o sujeito se vale de violência ou grave ameaça, legalmente previstos como meios de execução do estupro.
■Meios de execução: Violência (vis absoluta ou vis corporalis) é o emprego de força física sobre a vítima, consistente em lesões corporais ou vias de fato. Pode ser direta ou imediata (dirigida contra o ofendido) ou indireta ou mediata (voltada contra pessoa ou coisa ligada à vítima por laços de parentesco ou afeto). As lesões leves (CP, art. 129, caput) e as vias de fato (Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais, art. 21) eventualmente causadas na vítima são absorvidas pelo estupro. As lesões graves ou gravíssimas autorizam o reconhecimento da forma qualificada do estupro (art. 213, § 1º, 1ª parte, do CP). Grave ameaça (violência moral) é a promessa de realização de mal grave, futuro e sério contra a vítima (direta ou imediata) ou pessoa que lhe é próxima (indireta ou mediata). Pode ser veiculada oralmente ou por escrito. Não precisa ser injusta. Com o emprego da violência ou grave ameaça, o agente constrange alguém a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Conjunção carnal é a cópula vagínica, ou seja, a introdução total ou parcial do pênis na vagina. Atos libidinosos são os revestidos de conotação sexual, aí se incluindo a conjunção carnal, a qual recebeu tratamento específico do legislador. O beijo lascivo ingressa no rol dos atos libidinosos. Destarte, se obtido mediante violência ou grave ameaça, importa no reconhecimento do crime de estupro.
–Conjunção carnal, atos libidinosos e pluralidade de condutas típicas: O art. 213, caput, do CP contempla três condutas típicas: a) constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal (a vítima suporta, em razão da violência ou grave ameaça, a introdução total ou parcial do pênis em sua cavidade vaginal. É imprescindível a relação heterossexual); b) constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar outro ato libidinoso (a relação pode ser heterossexual ou homossexual. O papel da vítima é ativo, pois ela pratica algum ato libidinoso nela própria ou em terceiro; c) constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (o relacionamento pode ser heterossexual ou homossexual, mas o papel da vítima é passivo, pois permite que nela se pratique um ato libidinoso). Na prática de atos libidinosos a vítima também pode desempenhar, simultaneamente, papéis ativo e passivo. Nessas duas últimas condutas – “praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” –, é dispensável o contato físico de natureza erótica entre o estuprador e a vítima. Exige-se, contudo, o envolvimento corporal do ofendido no ato de cunho sexual. Não há estupro no ato de constranger alguém a presenciar ou assistir a realização de conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Se quem presencia a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso é pessoa menor de 14 anos, e esta conduta tem como finalidade satisfazer a lascívia do envolvido na atividade sexual ou de terceiro, estará configurado o crime de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A do CP). Se pessoa com idade igual ou superior a 14 anos assiste ao ato sexual, em razão do emprego contra ela de violência, grave ameaça ou meio análogo (violência imprópria), deverá ser reconhecido unicamente o crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP).
–Dissenso da vítima (análise e duração): O dissenso da vítima quanto à conjunção carnal ou outro ato libidinoso é fundamental à caracterização do delito. Trata-se, na verdade, de elementar implícita do tipo penal. Se há consentimento dos participantes da atividade sexual, não se configura o crime de estupro. Se quem consente, contudo, enquadrar-se em qualquer das situações previstas no art. 217-A do CP, será forçoso reconhecer o crime de estupro de vulnerável. No estupro, a discordância da vítima precisa ser séria e firme, capaz de demonstrar sua efetiva oposição ao ato sexual, razão pela qual somente pode ser vencida pelo emprego de violência ou grave ameaça. Se um dos envolvidos não demonstrar seriedade em sua repulsa ao ato sexual, e o outro nele insistir com violência ou grave ameaça, acreditando tratar-se o “não” de fase do ritual da conquista, haverá erro de tipo (art. 20, caput, do CP), afastando o dolo e conduzindo à atipicidade do fato. A discordância séria e verdadeira da vítima há de subsistir durante toda a atividade sexual. Se o ato sexual iniciou-se com a anuência de ambos os envolvidos, mas depois um deles não concordou com sua continuidade, fazendo com que seu parceiro se valesse de violência ou grave ameaça para prosseguir em seu intento, daí em diante estará configurado o crime de estupro.
–Revogação da violência presumida como meio de execução do estupro – inexistência de abolitio criminis: A Lei 12.015/2009 revogou expressamente o art. 224 do CP, anteriormente responsável pela presunção de violência nos crimes contra os costumes. Em seu lugar foram criados os crimes sexuais contra vulnerável. Destarte, não houve abolitio criminis das figuras penais que tinham a violência presumida como meio de execução.
–Prática de conjunção carnal e outro ato libidinoso – unidade ou pluralidade de crimes: Nas situações em que o agente, mediante violência ou grave ameaça, constrange a vítima à conjunção carnal e também a outro ato libidinoso, quantos crimes devem ser a ele atribuídos? Surgiram duas posições sobre o assunto: 1ª posição: Há crime único, pois o art. 213 do CP contém um tipo misto alternativo. Se o sujeito, no mesmo contexto fático, mediante violência ou grave ameaça, constrange a mesma vítima a ter conjunção carnal e também outro ato libidinoso, estará caracterizado um único crime de estupro. A pluralidade de comportamentos deve ser utilizada pelo magistrado na dosimetria da pena-base, como circunstância judicial desfavorável (art. 59, caput, do CP). Se o fato ocorrer em contextos fáticos distintos, deverá ser responsabilizado pelos vários estupros cometidos (concurso de crimes), em continuidade delitiva (art. 71 do CP), ou em concurso material (CP, art. 69, caput). É o entendimento da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça; 2ª posição: Há concurso de crimes, pois o art. 213 do CP constitui-se em tipo misto cumulativo (muito embora disciplinados no mesmo tipo penal, os crimes veiculados no art. 213 do CP são diversos). Não se pode confundir o constrangimento à conjunção carnal com o constrangimento a outros atos libidinosos. Há pluralidade de dolos e condutas autônomas, razão pela qual o reconhecimento de crime único representa violação aos princípios da proporcionalidade e da isonomia. Destarte, há concurso material (CP, art. 69 caput) quando o agente constrange a mesma vítima, mediante violência ou grave ameaça, à conjunção carnal e a atos libidinosos de natureza diversa. Subsiste a possibilidade de reconhecimento do crime continuado (art. 71 do CP), quando o constrangimento envolve diversas conjunções carnais ou vários outros atos libidinosos. Esta posição também se alicerça em razões históricas: a Lei 12.015/2009 originou-se dos trabalhos da “CPI da Pedofilia”, e um dos seus propósitos foi justamente o recrudescimento do tratamento penal dos responsáveis por crimes sexuais. Nesse contexto, o raciocínio na linha de tratar-se de tipo misto alternativo seria benéfico aos envolvidos em crimes de estupro, em oposição à vontade da lei e dos motivos que legitimaram sua edição. É o entendimento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. O Supremo Tribunal Federal ainda não se posicionou explicitamente acerca da natureza jurídica do art. 213 do CP, limitando-se a reconhecer, após a edição do novo diploma legislativo (novatio legis in mellius), a possibilidade de continuidade delitiva entre os antigos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor.
■Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral), seja ela do sexo masculino ou feminino, e também os transexuais. Na modalidade “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal”, o estupro subsiste como crime próprio (ou especial), pois a lei continua a exigir a relação heterossexual: homem como autor e mulher como vítima (a mulher pode ser coautora ou partícipe do homem). O estupro constitui-se em crime complexo em sentido amplo. Nada mais é do que o constrangimento ilegal voltado para uma finalidade específica, consistente em conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Estas finalidades, por si sós, são lícitas e indiferentes ao Direito Penal. Somente existe o crime quando, para alcançá-las, alguém se utiliza de violência à pessoa ou grave ameaça. Portanto, não há falar em crime de mão própria, pois a execução do núcleo constranger pode ser transferida a outras pessoas, não sendo exclusiva de quem mantém conjunção carnal com a vítima. O estupro, na modalidade “ter conjunção carnal”, admite coautoria e participação, bem como a autoria mediata, quando alguém se vale de um inculpável para a execução do delito.
–Estupro com pluralidade de agentes: O estupro, em qualquer das suas modalidades, é compatível com o concurso de pessoas, tanto na coautoria como na participação. A questão mais complicada diz respeito à situação popularmente conhecida como “curra”, na qual dois (ou mais) agentes revezam-se na prática da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso contra a mesma vítima. Exemplificativamente, enquanto um homem segura a mulher o outro com ela mantém conjunção carnal, e vice-versa. Nesse caso, cada um dos sujeitos deve ser responsabilizado por dois crimes de estupro, pois são autores diretos das penetrações próprias e coautores das penetrações alheias. Há concurso de crimes, a ser definido no caso concreto: concurso material (CP, art. 69) ou continuidade delitiva, se presentes os demais requisitos exigidos pelo art. 71, caput, do CP.
–Estupro no âmbito do matrimônio – o marido e a esposa como sujeitos ativos do delito: Durante muito tempo sustentou-se a inadmissibilidade do estupro no contexto do matrimônio. Predominava o argumento de que este crime não podia ser praticado pelo marido contra sua esposa, pois o casamento impunha aos cônjuges direitos e deveres mútuos, entre os quais o débito conjugal. A mulher tinha o dever de atender os anseios sexuais do seu marido, e este podia exigir a prestação quando reputasse adequado. Ele era blindado pelo exercício regular do direito, causa excludente da ilicitude. Nesse contexto, o estupro somente era visualizado nas conjunções carnais ilícitas, realizadas fora do casamento. Chegava-se ao ponto de se dizer que a esposa somente podia recusar o ato sexual quando presente justa causa para tanto. E um exemplo de justa causa era o fato de achar-se o marido afetado por doença venérea. Felizmente esse tempo ficou para trás. A sociedade evoluiu, os valores e concepções mudaram e as mulheres alcançaram a merecida igualdade nas relações sociais. É indiscutível a possibilidade do crime de estupro praticado pelos maridos contra as esposas, até porque a lei não confere imunidade a qualquer dos cônjuges. Não se discute que a atividade sexual faz parte dos casamentos sadios e equilibrados, mas isto não confere aos homens o direito de exigir, mediante violência ou grave ameaça, a relação sexual sempre, quando e como quiserem. Nos casamentos, indiscutivelmente, as atividades sexuais pressupõem o consentimento válido de ambos os cônjuges. Se qualquer deles se recusar injustificadamente ao cumprimento de qualquer dos deveres matrimoniais, inclusive do famoso “débito conjugal”, o prejudicado deverá pleitear a separação judicial ou então o divórcio, mas nunca se valer de meios inaceitáveis (violência ou grave ameaça) para alcançar a conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso. Esse raciocínio é inafastável, mormente após a leitura do art. 226, inc. II, do Código Penal. Um cônjuge (varão ou virago) tanto pode estuprar o outro que, além de responder pelo estupro, a pena será aumentada de metade. E mais: com o advento da Lei 12.015/2009, as esposas também podem estuprar seus maridos. Exemplo: A mulher pede ao marido para que nela pratique sexo oral. Ele se recusa e, em razão disso, ela aponta um revólver em sua direção, ameaçando matá-lo se não cumprir sua ordem.
■Sujeito passivo: Na conduta de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal”, a vítima do estupro pode ser qualquer pessoa, desde que do sexo oposto ao do sujeito ativo (o crime pressupõe uma relação heterossexual). Na modalidade “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, o ofendido pode ser qualquer pessoa, independentemente do sexo do sujeito ativo. Atualmente o art. 213 do CP contempla um crime bicomum: qualquer pessoa pode figurar tanto como sujeito ativo quanto como sujeito passivo.
–Relevância da idade da vítima e de suas condições pessoais: Se a vítima de estupro for menor de 14 anos, ou pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiver o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não puder oferecer resistência, estará caracterizado o crime mais grave de estupro de vulnerável, definido no art. 217-A do CP. Não se enquadrando o ofendido no conceito de vulnerável para fins sexuais, mas menor de 18 e maior de 14 anos, incidirá em relação ao estupro a qualificadora contida na parte final do § 1º do art. 213 do CP.
–Idade da vítima e falha grotesca da Lei 12.015/2009: Dependendo da idade da vítima, e desde que não se apresente qualquer outra causa diversa de vulnerabilidade, três situações podem se verificar no tocante ao crime de estupro: a) Vítima com idade igual ou superior a 18 anos: estupro simples (CP, art. 213, caput); b) Vítima menor de 18 e maior de 14 anos: estupro qualificado (CP, art. 213, § 1º, in fine); e c) Vítima menor de 14 anos: estupro de vulnerável (CP, art. 217-A, caput). Com base nesses critérios, chegamos a uma triste conclusão. Se a vítima for estuprada no dia do seu aniversário de 14 anos, estará configurado o estupro simples (art. 213, caput, do CP) – não se trata de pessoa vulnerável e também não incide a figura qualificada. A falha legislativa não pode ser solucionada no caso concreto, em face da inadmissibilidade da analogia in malam partem no Direito Penal. Cria-se uma situação injusta, pois quem estupra vítima de 14 anos responde pelo crime em sua modalidade fundamental, enquanto quem estupra pessoa maior de 14 e menor de 18 anos suporta a forma qualificada do delito. Finalmente, se a pessoa com idade igual ou superior a 14 anos, quando ausente qualquer outra causa de vulnerabilidade, praticar consensualmente conjunção carnal ou outro ato libidinoso, não há falar no crime de estupro. De fato, não há situação de vulnerabilidade, e o ato sexual foi realizado sem violência ou grave ameaça, afastando a incidência dos arts. 213 e 217-A do CP.
–Estupro envolvendo transexuais: O transexual que passar pela cirurgia de mudança de sexo (vaginosplatia) poderá ser vítima de estupro frente às mudanças trazidas ao tipo penal pela Lei 12.015/2009. Com a fusão no art. 213 do CP do estupro e do atentado violento ao pudor em um único delito, com o nomen iuris estupro, qualquer pessoa pode ser vítima de estupro.
–As prostitutas (ou prostitutos) como vítimas do estupro: No passado já se sustentou a impossibilidade de as prostitutas serem vítimas de estupro, pois não eram merecedoras da tutela penal reservada às mulheres honestas. E, mesmo os juristas com pensamentos mais avançados, defendiam um tratamento menos severo quando a cópula forçada alcançava uma “mulher da multidão”. Esta linha de raciocínio, preconceituosa e ultrapassada, não encontra espaço nos dias atuais. A propósito, o conceito de “mulher honesta” sempre foi ambíguo, genérico e altamente perigoso, pelo fato de ser movido por convicções ideológicas geralmente impostas pelos poderosos e opressores. Com efeito, toda e qualquer pessoa pode ser atacada em sua liberdade sexual. O fato de alguém se disponibilizar ao comércio sexual não lhe retira a proteção conferida pelo Direito Penal. Uma mulher (ou homem) pode se prostituir, e ainda assim tem o direito de escolher seus “clientes” e definir os atos que serão com eles realizados. Se uma prostituta, no interior de um bordel, for violentada para manter conjunção carnal com sujeito que acabara de recusar, nada obstante sua pomposa oferta em dinheiro, estará aperfeiçoado o crime de estupro. De igual modo, também existirá o delito na hipótese em que prostituta e cliente convencionam a conjunção carnal, mas no quarto vem ela a ser constrangida, mediante grave ameaça, à prática de sexo anal ou qualquer outro ato libidinoso.
–Estupro contra índios: Se o estupro for cometido contra índio (ou índia) não integrado à civilização, incidirá a regra prevista no art. 59 da Lei 6.001/1973 – Estatuto do Índio. Trata-se de causa de aumento da pena, aplicável na terceira e última fase da dosimetria da pena privativa de liberdade (art. 68, caput, do CP).
■Elemento subjetivo: É o dolo, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico), consistente na intenção de manter conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém. Não se admite a modalidade culposa.
■Consumação: Na conduta “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal”, o estupro se consuma com a introdução, total ou parcial, do pênis na vagina. Não há necessidade de ejaculação ou de orgasmo. Já na modalidade “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, a consumação se dá no momento em que a vítima realiza em si mesma, no agente ou em terceira pessoa algum ato libidinoso, ou então no instante em que alguém atua libidinosamente sobre seu corpo. Em todas as hipóteses é imprescindível o prévio emprego de violência ou grave ameaça para constranger a vítima a qualquer dos comportamentos legalmente descritos. Cuida-se de crime material ou causal.
–Estupro, inseminação artificial e gravidez: Não há falar em estupro quando alguém, contra a vontade da vítima, nela realiza inseminação artificial, ainda que disto resulte sua gravidez. Inexiste conjunção carnal ou outro ato libidinoso, razão pela qual subsiste unicamente o crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146), afastando o cabimento do aborto, nos moldes do art. 128, II, do CP, porque falta à concepção o pressuposto do estupro.
–Prova da autoria e da materialidade do fato: Nas hipóteses em que o crime deixar vestígios materiais, será obrigatória a realização de exame de corpo de delito, com fulcro no art. 158, caput, do CPP. Tais vestígios demonstrarão unicamente a existência da conjunção carnal ou outro ato libidinoso, mas não o estupro. Será preciso provar, por outros meios, o constrangimento resultante da violência ou grave ameaça. Se os vestígios já desapareceram, ou então sequer existiram, a prova testemunhal assume relevante papel. Como o estupro é crime normalmente praticado na clandestinidade, longe da vista e dos ouvidos de outras pessoas, entra em cena a palavra da vítima como meio de prova, em sintonia com as disposições elencadas pelo art. 201 do CPP. Como se sabe, as declarações do ofendido estão elencadas no Título VII do Livro I do CPP, relacionadas à prova. Com efeito, o art. 93, IX, da CF, bem como o art. 155, caput, do CPP, filiaram-se ao sistema do livre convencimento motivado, ou da persuasão racional. As provas não têm valores previamente estabelecidos, razão pela qual o magistrado pode utilizar qualquer delas para embasar sua decisão, desde que de forma fundamentada. Destarte, a condenação do estuprador pode ser baseada exclusivamente na palavra da vítima, quando ausentes outras provas seguras da autoria e da materialidade do fato criminoso. O julgador, nesses casos, deve agir com redobrada cautela.
■Tentativa: É possível, em face do caráter plurissubsistente do delito, permitindo o fracionamento do iter criminis. Entretanto, é preciso diferenciar os limites tênues da tentativa de estupro, quando o agente busca a conjunção carnal, mas não alcança o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade, do estupro consumado pela prática de outro ato libidinoso. Nessa hipótese, o dolo deve ser utilizado como o vetor do intérprete da lei penal para solução do caso concreto. Na visão do STF, a prática de ato libidinoso importa em tentativa de estupro, e não na figura consumada, sempre que funcionar como “prelúdio do coito”.
–Estupro tentado versus desistência voluntária – consequências jurídicas: A desistência voluntária (art. 15 do CP) é uma forma de tentativa abandonada, na qual o agente voluntariamente desiste de consumar o crime. Cuida-se de causa de modificação da tipicidade, pois o sujeito não responde pela tentativa do crime inicialmente desejado, mas somente pelos atos até então praticados. No campo do estupro, uma situação curiosa pode acontecer: o agente pode, inicialmente, desejar estuprar a vítima (mantendo com ela conjunção carnal), mas desistir durante a prática de atos libidinosos, atendendo aos seus apelos. Neste caso não haverá tentativa de estupro, na modalidade “constranger alguém, mediante violência, a ter conjunção carnal”, pois o crime deixou de alcançar a consumação pela vontade do agente, e não por circunstâncias externas. Subsiste, contudo, o estupro consumado na variante “constranger alguém, mediante violência, a permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Essa solução, embora técnica, revela-se desproporcional e injusta – o agente acabaria por suportar o mesmo tratamento penal que receberia se tivesse mantido conjunção carnal com a vítima. Assim, acreditamos deva a jurisprudência, por questões de política criminal, reconhecer o instituto da tentativa, reduzindo a pena do estupro de um a dois terços (art. 14, II, do CP). Nesses casos, excepcionalmente e em benefício do réu, a desistência voluntária surtirá na prática os mesmos efeitos do conatus. No entanto, se o sujeito desistir voluntariamente da execução do estupro, antes de ter praticado contra a vítima qualquer espécie de ato libidinoso, deverá ser responsabilizado somente pelo crime resultante da violência ou da grave ameaça.
–A questão da ejaculação precoce: Se sujeito, depois de empregar violência ou grave ameaça contra a vítima, não consegue efetuar a penetração, em razão de ser acometido pela ejaculação precoce, resta caracterizado o estupro, em sua forma tentada – o agente não alcançou a consumação por circunstâncias alheias à sua vontade. Se depois da ejaculação e impossibilitado de concretizar a penetração, o sujeito dolosamente enveredar pela realização de outros atos libidinosos, deverá ser a ele imputado o crime de estupro, em sua modalidade consumada.
■Disfunção erétil e crime impossível: A disfunção erétil, também conhecida como impotência coeundi, é a deficiência que acomete alguns homens, impossibilitando a ereção do pênis e, consequentemente, a penetração sexual (conjunção carnal ou sexo anal). Se um portador deste problema, comprovado por perícia médica, tentar estuprar alguém, mediante penetração, estará caracterizado em relação ao estupro o instituto do crime impossível (CP, art. 17), em face da ineficácia absoluta do meio de execução. Subsiste, todavia, sua responsabilidade penal pelo crime resultante da violência à pessoa ou grave ameaça, tais como a lesão corporal (CP, art. 129), o constrangimento ilegal (art. 146) e a ameaça (CP, art. 147). No entanto, nada impede que um homem, embora dotado da impotência coeundi, cometa o crime de estupro, desde que realize ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
■Impotência generandi: A impotência generandi, compreendida como a incapacidade para a procriação, não obsta a ereção peniana, razão pela qual é perfeitamente compatível com o crime de estupro.
■Ação penal: O estupro se processa, em regra, mediante ação penal pública condicionada à representação (CP, art. 225, caput). Se a vítima for pessoa menor de 18 anos, a ação penal será pública incondicionada, nos termos do art. 225, parágrafo único, do CP. Se a vítima for pessoa vulnerável, deslocando a tipicidade para o art. 217-A do Código Penal, a ação penal será pública incondicionada (CP, art. 225, parágrafo único). Nesse caso, vale destacar, não estaremos diante do crime de estupro propriamente dito (art. 213), e sim do delito de estupro de vulnerável.
–A Súmula 608 do STF: Como foi editada à época em que o estupro era crime de ação penal privada, esta súmula perdeu seu fundamento de validade. Sua redação é manifestamente contrária ao art. 225, caput, do CP. Atualmente, a lei impõe expressamente a ação penal pública condicionada à representação. Se o ofendido, maior e capaz, quiser preservar sua privacidade, deverá simplesmente permanecer inerte. No entanto, se a vítima preferir movimentar a máquina estatal, sem qualquer espécie de ônus, bastará representar ao Ministério Público.
■Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios elencados pela Lei 9.099/1995.
■Pena cominada ao estupro e princípio da proporcionalidade: A pena cominada ao estupro, em sua modalidade fundamental, varia de seis a dez anos de reclusão. O patamar mínimo da sanção penal, portanto, é igual àquele previsto pelo art. 121, caput, do CP ao homicídio simples. Com base nesse raciocínio, algumas vozes sustentam a ofensa ao princípio da proporcionalidade, pois o legislador não poderia ter colocado no mesmo nível dois bens jurídicos de importâncias diversas – a vida e a liberdade sexual. Este raciocínio, entretanto, não pode prevalecer. A gravidade do homicídio simples não afasta a gravidade do estupro. O que efetivamente desponta como ofensa à proporcionalidade, em face da proibição da proteção insuficiente de bens jurídicos, é a fraqueza com que são tratados os homicidas. Em face da dimensão e da amplitude da vida humana, não se pode manter a pena do homicídio simples em singelos seis anos. Se não bastasse, é válido recordar que o homicídio simples, em regra, não é crime hediondo, somente recebendo este rótulo quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que por um só agente, ao contrário do estupro (Lei 8.072/1990, art. 1º, I e V).
■Estupro, atentado violento ao pudor e Código Penal Militar: A Lei 12.015/2009 alterou substancialmente o Título VI da Parte Especial do CP, mas olvidou-se de fazer os necessários ajustes no Decreto-lei 1.001/1969 – Código Penal Militar. Com efeito, subsistem na legislação castrense (arts. 232 e 233 do CPM), de forma independente, os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, com penas inferiores à cominada pelo art. 213 do CP.
■Art. 213 do CP e espécies de estupro: O dispositivo em estudo contém quatro espécies de estupro: (a) simples, definido no caput; (b) qualificado pela lesão corporal de natureza grave (§ 1º, 1ª parte); (c) qualificado pela idade da vítima, menor de 18 e maior de 14 anos (§ 1º, in fine); e (d) qualificado pela morte (§ 2º). Existe também o estupro de vulnerável, definido no art. 217-A do CP.
■Lei 8.072/1990 e a natureza hedionda do estupro: O estupro, consumado ou tentado, em qualquer das suas espécies – simples ou qualificadas – é crime hediondo, nos termos do art. 1º, V, da Lei 8.072/1990. Por corolário, este crime submete-se a tratamento penal mais rigoroso, destacando-se a insuscetibilidade de anistia, graça e indulto, e também da fiança (Lei 8.072/1990, art. 2º, I e II). Ainda, o condenado pela prática de estupro deverá cumprir a pena privativa de liberdade em regime inicialmente fechado, autorizando-se a progressão depois do cumprimento de dois quintos da pena, se primário, ou de três quintos, se reincidente (Lei 8.072/1990, art. 2º, §§ 1º e 2º). A obtenção do livramento condicional reclama o cumprimento de percentual mais elevado da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 83, V, do CP.
■Estupro qualificado pela lesão corporal de natureza grave (art. 213, § 1º, 1ª parte): O estupro será qualificado se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave. Na expressão “lesão corporal de natureza grave” ingressam as lesões corporais graves propriamente ditas, e também as lesões corporais gravíssimas (art. 129, §§ 1º e 2º, do CP). As vias de fato e as lesões leves são absorvidas pelo crime sexual. As lesões graves e gravíssimas não constituem crimes autônomos, e sim qualificadoras do delito em análise. A lesão corporal de natureza grave há de ser produzida na vítima do estupro. Se recair em pessoa diversa, estarão configurados dois crimes – estupro e lesão corporal grave (ou gravíssima) – em concurso material (art. 69, caput, do CP).
■Estupro qualificado pela idade da vítima (art. 213, § 1º, 2ª parte): O estupro será qualificado se a vítima for menor de 18 anos e maior de 14 anos. O estupro qualificado pela idade da vítima fundamenta-se na maior reprovabilidade da conduta e na facilidade para execução do delito, em face da reduzida capacidade de resistência do ofendido, bem como na extensão dos danos físicos, morais e psicológicos causados ao adolescente. A idade da vítima deve ser provada por documento hábil (art. 155, parágrafo único, do CPP). A faixa etária do ofendido precisa entrar na esfera de conhecimento do agente, sob pena de desclassificação para a modalidade fundamental do estupro, em face do reconhecimento do erro de tipo (CP, art. 20, caput). Se a vítima for menor de 14 anos, estará delineado o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP).
■Estupro qualificado pela morte da vítima (art. 213, § 2º): O estupro será qualificado se resultar a morte da vítima. Se a morte recair em pessoa diversa, deverão ser imputados ao agente os crimes de estupro e homicídio qualificado pela conexão (CP, art. 121, § 2º, V), em concurso material. Se a vítima for menor de 18 e maior de 14 anos, e falecer em razão do estupro, incidirá somente a qualificadora prevista no § 2º. Sua maior gravidade importa na absorção da qualificadora veiculada pelo § 1º, in fine, sem prejuízo da utilização desta pelo magistrado na dosimetria da pena base, como circunstância judicial desfavorável (art. 59, caput, do CP).
■Elemento subjetivo no estupro qualificado pela lesão corporal de natureza grave ou pela morte: Para autorizar o reconhecimento das qualificadoras do estupro, o resultado agravador lesão corporal de natureza grave ou morte não pode advir de caso fortuito ou força maior, sob risco de consagração da responsabilidade penal objetiva (art. 19 do CP). Se o sujeito atuar dolosamente, querendo ou assumindo o risco de matar a vítima, ou lesioná-la gravemente, terão incidência as qualificadoras? Guilherme de Souza Nucci entende que sim, pois o estupro é doloso, mas a lesão grave e a morte podem ser dolosas ou culposas.3 Em sentido diverso, Luiz Regis Prado defende a natureza estritamente preterdolosa das formas qualificadas do estupro.4 Concordamos com esta última posição. O estupro qualificado pela lesão corporal de natureza grave ou pela morte é crime exclusivamente preterdoloso. Há dolo no estupro e culpa no resultado agravador. A presença do dolo, direto ou eventual, no tocante à lesão grave ou morte, afasta a incidência dos §§ 1º e 2º do art. 213 do CP, caracterizando o concurso material entre os crimes de estupro (simples ou qualificado pela idade da vítima) e homicídio.
■Tentativa de estupro e superveniência do resultado agravador: Não alcançando sucesso na consumação do estupro, mas sofrendo a vítima lesão corporal de natureza grave ou vindo a falecer, o agente responderá por estupro qualificado pela lesão grave ou pela morte, na forma do art. 213, § 1º, 1ª parte, ou § 2º, do CP.
■Estupro e importunação ofensiva ao pudor – distinção: A gravidade da contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (art. 61 do Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais) é sensivelmente inferior à do estupro. A importunação ofensiva ao pudor é infração penal de menor potencial ofensivo. O estupro é delito grave, punido com reclusão e de natureza hedionda (Lei 8.072/1990, art. 1º, V). Na contravenção penal, a conduta ilícita limita-se à utilização de palavras ofensivas ao pudor, ou então aos atos libidinosos desprovidos de violência ou grave ameaça. Se o ato libidinoso resultar do constrangimento efetuado mediante violência ou grave ameaça, estará configurado o crime de estupro.
■Jurisprudência selecionada:
Conjunção carnal e ato libidinoso contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático – concurso material: “O pensamento majoritário do Supremo Tribunal Federal recusa o reconhecimento da continuidade delitiva se os crimes de estupro e atentado violento ao pudor são praticados de forma autônoma, ainda que se trate de uma única vítima. 2. No caso, o atentado violento ao pudor não foi praticado como ‘prelúdio do coito’ ou como meio para a consumação do crime de estupro. Ato libidinoso diverso da conjunção carnal, ocorrido de modo independente do crime de estupro. Precedentes” (STF: HC 100.314/RS, rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, j. 22.09.2009).
Conjunção carnal e ato libidinoso contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático – continuidade delitiva: “A edição da Lei nº 12.015/2009 torna possível o reconhecimento da continuidade delitiva dos antigos delitos de estupro e atentado violento ao pudor, quando praticados nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e local e contra a mesma vítima” (STF: HC 86.610/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, j. 02.03.2010). No mesmo sentido: STF: HC 102.199/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 31.08.2010; e HC 99.544/RS, rel. Min. Ayres Britto, 2ª Turma, j. 26.10.2010.
Conjunção carnal e ato libidinoso contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático – crime único: “A Sexta Turma desta Corte, no julgamento do HC nº 144.870/DF, da relatoria do eminente Ministro Og Fernandes, firmou compreensão no sentido de que, com a superveniência da Lei nº 12.015/2009, a conduta do crime de atentado violento ao pudor, anteriormente prevista no artigo 214 do Código Penal, foi inserida àquela do art. 213, constituindo, assim, quando praticadas contra a mesma vítima e num mesmo contexto fático, crime único de estupro” (STJ: HC 167.517/SP, rel. Min. Haroldo Rodrigues – Desembargador convocado do TJCE, 6ª Turma, j. 17.08.2010). No mesmo sentido: STJ: HC 129.398/RJ, rel. Min. Celso Limongi – Desembargador convocado do TJ/SP, 6ª Turma, j. 18.05.2010.
Conjunção carnal e ato libidinoso contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático – tipo misto cumulativo: “Antes da edição da Lei nº 12.015/2009 havia dois delitos autônomos, com penalidades igualmente independentes: o estupro e o atentado violento ao pudor. Com a vigência da referida lei, o art. 213 do Código Penal passa a ser um tipo misto cumulativo, uma vez que as condutas previstas no tipo têm, cada uma, ‘autonomia funcional e respondem a distintas espécies valorativas, com o que o delito se faz plural’ (DE ASÚA, Jimenez, Tratado de Derecho Penal, Tomo III, Buenos Aires: Editorial Losada, 1963, p. 916). Tendo as condutas um modo de execução distinto, com aumento qualitativo do tipo de injusto, não há a possibilidade de se reconhecer a continuidade delitiva entre a cópula vaginal e o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mesmo depois de o Legislador tê-las inserido num só artigo de lei. Se, durante o tempo em que a vítima esteve sob o poder do agente, ocorreu mais de uma conjunção carnal caracteriza-se o crime continuado entre as condutas, porquanto estar-se-á diante de uma repetição quantitativa do mesmo injusto. Todavia, se, além da conjunção carnal, houve outro ato libidinoso, como o coito anal, por exemplo, cada um desses caracteriza crime diferente e a pena será cumulativamente aplicada à reprimenda relativa à conjunção carnal. Ou seja, a nova redação do art. 213 do Código Penal absorve o ato libidinoso em progressão ao estupro – classificável como praeludia coiti – e não o ato libidinoso autônomo” (STJ: HC 105.533/PR, rel. Min. Laurita Vaz, .5ª Turma, j. 16.12.2010). No mesmo sentido: STJ: HC 104.724/MS, rel. originário Min. Jorge Mussi, rel. p/ acórdão Min. Félix Fischer, 5ª Turma, j. 22.06.2010; HC 78.667/SP, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 22.06.2010; e HC 170.842/SP, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, j. 21.10.2010.
Crime hediondo: “O crime de estupro, quando cometido em sua forma simples, enquadra-se na definição legal de crimes hediondos, recebendo essa qualificação ainda quando dele não resulte lesão corporal de natureza grave ou morte da vítima. Precedentes do STJ e STF” (STJ: HC 136.935/MS, rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, j. 21.09.2010). No mesmo sentido: STF: HC 99.808/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 21.09.2010.
Crimes contra os costumes versus crimes contra a dignidade sexual: “A Lei nº 12.015/09 alterou o Código Penal, chamando os antigos Crimes contra os Costumes de Crimes contra a Dignidade Sexual. Essas inovações, partidas da denominada ‘CPI da Pedofilia’, provocaram um recrudescimento de reprimendas, criação de novos delitos e também unificaram as condutas de estupro e atentado violento ao pudor em um único tipo penal. Nesse ponto, a norma penal é mais benéfica. Por força da aplicação do princípio da retroatividade da lei penal mais favorável, as modificações tidas como favoráveis hão de alcançar os delitos cometidos antes da Lei nº 12.015/2009. No caso, o paciente foi condenado pela prática de estupro e atentado violento ao pudor, por ter praticado, respectivamente, conjunção carnal e coito anal dentro do mesmo contexto, com a mesma vítima. Aplicando-se retroativamente a lei mais favorável, o apensamento referente ao atentado violento ao pudor não há de subsistir” (STJ: HC 144.870/DF, rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, j. 09.02.2010).
Desistência voluntária – efeitos: “Entenderam as instâncias ordinárias que, tendo o paciente desistido de consumar a conjunção carnal, após ter ejaculado nas pernas da menina, ficou ele absolvido da tentativa de manter conjunção carnal, tanto que sequer foi apresentada denúncia no tocante a essa conduta. Nos termos da parte final do art. 15 do Código Penal, deve o acusado responder pelos atos até então praticados, que, isoladamente apreciados, caracterizaram o crime previsto no antigo art. 214 do Estatuto Repressor (hoje previsto na parte final do art. 213 do aludido Código), motivo pelo qual foi ofertada a denúncia que culminou na condenação do paciente, inexistindo, a meu ver, qualquer constrangimento a ser sanado. As alterações trazidas pela Lei nº 12.015/2009 não modificaram a situação do paciente, pois tanto a conjunção carnal como outros atos libidinosos continuam definidos como ilícitos penais, ocorrendo tão somente a unificação do nomen juris dos crimes, ambos agora definidos como estupro, em função da modificação legislativa que incluiu as duas condutas típicas em único tipo penal plurissubsistente” (STJ: HC 125.259/MG, rel. Min. Haroldo Rodrigues – Desembargador convocado do TJCE, 6ª Turma, j. 23.11.2010).
Presunção de violência – revogação – estupro de vulnerável: “Inicialmente, enfatizou-se que a Lei 12.015/2009, dentre outras alterações, criou o delito de estupro de vulnerável, que se caracteriza pela prática de qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos ou com pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha o necessário discernimento ou não possa oferecer resistência. Frisou-se que o novel diploma também revogara o art. 224 do CP, que cuidava das hipóteses de violência presumida, as quais passaram a constituir elementos do estupro de vulnerável, com pena mais severa, abandonando-se, desse modo, o sistema da presunção, sendo inserido tipo penal específico para tais situações” (STF: HC 99.993/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, j. 24.11.2009). No mesmo sentido: STJ: AgRg no Ag 706.012/GO, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 27.10.2009.
Atentado violento ao pudor
Art. 214. (Revogado).
■Revogação: O crime de atentado ao pudor, antigamente definido no art. 214 do CP, foi revogado formalmente pela Lei 12.015/2009. Não houve, entretanto, abolitio criminis, pois o fato agora se subsume ao art. 213 do CP, com o nomen iuris estupro. Aplica-se ao caso o princípio da continuidade normativa, ou da continuidade típico normativa, operando-se simplesmente o deslocamento do fato criminoso para tipo penal diverso.
Violação sexual mediante fraude
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Classificação: Crime simples Crime comum Crime material ou causal Crime de forma livre Crime instantâneo Crime comissivo (regra) Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual Crime plurissubsistente (regra) |
Informações rápidas: “Estelionato sexual” (violação sexual mediante fraude): unificação dos antigos crimes de posse sexual mediante fraude e atentado ao pudor mediante fraude (não houve abolitio criminis). Elementos normativos do tipo penal: conjunção carnal e os atos libidinosos. Objeto material: pessoa física. A fraude grosseira e o consentimento válido do ofendido não caracterizam o crime. Elemento subjetivo: dolo. Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente). Ação penal: pública condicionada à representação. Se a vítima for menor de 18 anos, a ação penal será pública incondicionada. |
■Introdução: Com as modificações efetuadas pela Lei 12.015/2009, os crimes de posse sexual mediante fraude e atentado ao pudor mediante fraude foram unificados em uma única figura penal: a violação sexual mediante fraude (art. 215 do CP). Não houve abolitio criminis da posse sexual mediante fraude ou do atentado ao pudor mediante fraude. Incide, na espécie, o princípio da continuidade normativa (ou da continuidade típico-normativa). Os fatos caracterizadores dos citados delitos continuam gozando de relevância penal, mas com o nomen iuris “violação sexual mediante fraude”.
■Objeto jurídico: É a liberdade sexual da pessoa humana, independentemente do seu sexo. Protege-se a inviolabilidade sexual da pessoa, tendo em vista os atos fraudulentos com os quais se vicia o consentimento, para obter a conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
■Objeto material: É a pessoa física sobre a qual recai a conduta criminosa.
■Núcleos do tipo: Os núcleos do tipo são “ter” e “praticar”. Ter é conseguir ou obter conjunção carnal com alguém, ou seja, a introdução total ou parcial do pênis na vagina. Exige-se, portanto, que ao menos um homem e uma mulher figurem como sujeitos do delito, pois só há falar em conjunção carnal nas relações heterossexuais. Praticar é realizar ou efetuar outro ato libidinoso com alguém, consistente em qualquer ato idôneo à satisfação da lascívia e diverso da conjunção carnal. Nessa hipótese, a relação pode ser heterossexual ou homossexual. A conjunção carnal e os atos libidinosos são elementos normativos do tipo penal inerente à violação sexual mediante fraude. O tipo penal fala somente em “praticar outro ato libidinoso com alguém”, quando o legislador deveria ter utilizado a mesma fórmula empregada no art. 213 do CP: “praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Assim, se em razão da fraude ou expediente similar, a vítima é obrigada a praticar em si mesma atos sexuais ou então venha a praticar no agente algum ato libidinoso, não se poderá reconhecer o crime de violação sexual mediante fraude.
■Meios de execução: Para ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, o sujeito se vale da fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. O legislador se socorre da interpretação analógica (ou intra legem), descrevendo uma fórmula casuística (“fraude”) seguida de fórmula genérica (“ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”). Fraude é o artifício, o ardil, o estratagema utilizado para enganar determinada pessoa, afetando a livre manifestação da sua vontade. A violação sexual mediante fraude é também conhecida como estelionato sexual. Não há emprego de violência ou grave ameaça para a concretização do ato sexual, pois caso contrário estaria delineado o crime de estupro (CP, art. 213).
■Distinção entre violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável: No crime previsto no art. 215 do Código Penal, a vítima não se reveste da situação de vulnerabilidade, afastando-se a incidência do art. 217-A do CP. A fraude limita-se a viciar a vontade da vítima, sem eliminá-la. Esta é a diferença precípua entre a violação sexual mediante fraude e o estupro de vulnerável.
■Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral). A conduta típica “ter conjunção carnal” exige que o sujeito ativo seja do sexo oposto ao da vítima.
■Sujeito passivo: Qualquer pessoa, desde que não se amolde ao conceito penal de vulnerável para fins sexuais.
■Violação sexual mediante fraude envolvendo prostitutas ou prostitutos: A prostituta (ou prostituto), no exercício da sua atividade de comércio carnal, pode ser vítima do crime em análise. A proteção sexual é conferida pelo ordenamento jurídico a todas as pessoas, inclusive a quem exerce a prostituição, como corolário da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CF).
■Elemento subjetivo: É o dolo, pouco importando a finalidade do agente, a qual será relevante apenas para a aplicação ou não da pena de multa prevista no parágrafo único.
■Finalidade lucrativa e aplicação cumulativa da pena de multa (art. 215, parágrafo único): Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também a pena de multa. Não há necessidade da efetiva obtenção da vantagem econômica.
■Consumação: Cuida-se de crime material ou causal: consuma-se com a prática da conjunção carnal ou do ato libidinoso.
■Tentativa: É possível, em face do caráter plurissubsistente do delito, comportando o fracionamento do iter criminis.
■Ação penal: É pública condicionada à representação (CP, art. 225, caput). Se a vítima for menor de 18 anos, será pública incondicionada (CP, art. 225, parágrafo único).
■Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios elencados pela Lei 9.099/1995.
■A questão da fraude grosseira e o consentimento da vítima: O meio fraudulento de que se vale o agente deve ser idôneo a ludibriar a vítima. O fato será atípico se esta identificar a fraude e ainda assim tolerar a prática da conjunção carnal ou outro ato libidinoso. De fato, o consentimento válido do ofendido é incompatível com a violação sexual mediante fraude. A idoneidade ou inidoneidade da fraude deve ser analisada no caso concreto, levando-se em conta as peculiaridades da vítima, bem como o tempo e o local da conduta.
■A percepção da fraude durante a relação sexual: Se, durante a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a vítima constatar a fraude e aceitar a continuação do ato, o fato será atípico em razão do seu consentimento; se desejar a interrupção do ato e o agente insistir na prática da conjunção carnal ou outro ato libidinoso, mediante o emprego de violência à pessoa ou grave ameaça, estará configurado o crime de estupro.
■Prática sucessiva de conjunção carnal e outro ato libidinoso contra a vítima: Quanto a discussão acerca da pluralidade ou unidade de crimes diante dessas condutas, ver os comentários ao art. 213.
Atentado ao pudor mediante fraude
Art. 216. (Revogado).
■Revogação: O crime de atentado ao pudor mediante fraude, antigamente definido no art. 216 do CP, foi revogado pela Lei 12.015/2009. Não houve, entretanto, abolitio criminis, pois o fato agora se subsume à violação sexual mediante fraude, tipificada no art. 215 do CP.
Assédio sexual
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Parágrafo único. (Vetado).
§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.
* A Lei 12.015/2009, que incluiu o § 2º ao art. 216-A, não dispôs sobre a renumeração do parágrafo único.
Informações rápidas: Objeto material: pessoa (independentemente do sexo). O assédio sexual deve ser praticado em razão da relação decorrente do exercício de emprego, cargo ou função entre o superior hierárquico e o funcionário público subalterno, na estrutura da Administração Pública, ou entre ascendente e subordinado, nas relações de direito privado. Elemento subjetivo: dolo (elemento subjetivo específico - “com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”). Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente). Ação penal: pública condicionada à representação. Se a vítima for menor de 18 anos, a ação penal será pública incondicionada. |
■Introdução: No Brasil, o assédio sexual foi considerado crime pela Lei 10.224/2001. Esta incriminação era desnecessária, pois as situações de assédio sexual sempre foram satisfatoriamente solucionadas pelo Direito Civil, pelo Direito do Trabalho e pelo Direito Administrativo.
■Objeto jurídico: É a liberdade sexual, relacionada ao exercício do trabalho em condições dignas e desprovidas de constrangimentos e humilhações.
■Objeto material: É a pessoa contra quem se dirige a conduta criminosa, independentemente do sexo e da orientação sexual.
■Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é “constranger”. Tal verbo deve ser encarado como modalidade específica de constrangimento ilegal (princípio da especialidade), sem violência à pessoa ou grave ameaça, pois tais meios de execução não constam da descrição típica. A conduta consiste em molestar, perturbar uma pessoa, intimidando-a, com o propósito de alcançar vantagem ou favorecimento sexual, afetando sua dignidade, sua intimidade, sua tranquilidade e seu bem-estar. A intimidação inerente ao assédio sexual deve ser séria, pouco importando se o mal prometido é justo ou injusto. É válido destacar a exigência legal de ser o assédio sexual praticado em razão da relação decorrente do exercício de emprego, cargo ou função entre o superior hierárquico e o funcionário público subalterno, na estrutura da Administração Pública, ou entre ascendente e subordinado, nas relações de direito privado. Não se pode descartar, portanto, a dependência entre o constrangimento e a relação laborativa. Se o assédio ocorrer fora do ambiente de trabalho, desvinculado da posição de hierarquia ou ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função, não há falar no crime em comento.
■Sujeito ativo: Cuida-se de crime próprio ou especial – somente pode ser cometido por quem se encontre na posição de superior hierárquico da vítima ou tenha no tocante a ela ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função. Não há falar em assédio sexual quando o responsável pelo constrangimento à vítima estiver na mesma posição desta, ou então em posição inferior na relação de trabalho.
■Sujeito passivo: É a pessoa em situação inferior relativamente a quem ocupa a posição de superior hierárquico ou de ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Em razão de o tipo penal exigir condições especiais no tocante ao sujeito ativo e ao sujeito passivo, o assédio sexual é classificado como crime bipróprio.
–Professores e alunos: Não se caracteriza o crime de assédio sexual entre tais pessoas, pois ausente a relação derivada do exercício de emprego, cargo ou função de parte dos discentes, que não são funcionários do estabelecimento de ensino.
–Líderes religiosos e seguidores: O constrangimento do líder religioso dirigido a um fiel, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, não acarreta o crime em análise, sem prejuízo do delito de estupro (CP, art. 213).
–O assédio sexual dirigido à prostituta: A prostituta (ou prostituto) pode ser vítima do crime definido no art. 216-A do CP.
■Elemento subjetivo: É o dolo, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico), representado pela expressão “com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”. Não se admite a modalidade culposa.
■Consumação: O assédio sexual é crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se no momento do constrangimento ocasionado à vítima com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, ainda que não se realize o ato desejado pelo ascendente ou superior hierárquico. A eventual superveniência da vantagem ou favorecimento sexual deve ser compreendida como exaurimento do delito, funcionando na dosimetria da pena-base a título de circunstância judicial desfavorável (art. 59, caput, do CP).
■Tentativa: É possível.
■Ação penal: Em regra é pública condicionada à representação (art. 225, caput, do CP). Se a vítima for menor de 18 anos de idade, a ação penal será pública incondicionada (art. 225, parágrafo único, do CP).
■Lei 9.099/1995: Em sua modalidade fundamental (art. 216-A, caput, do CP), o assédio sexual é infração penal de menor potencial ofensivo, de competência do Juizado Especial Criminal e compatível com a transação penal.
■Causa de aumento da pena (art. 216-A, § 2º): A pena será aumentada em até um terço se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos. O § 2º, ao falar em até um terço, há de ser compreendido como “de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço)”. O patamar de um sexto é o mínimo adotado pelo Direito Penal pátrio no campo das causas de aumento da pena, e aqui não pode ser diferente. O art. 7º, XXXIII, da CF permite o trabalho das pessoas com 16 e 17 anos de idade, desde que não seja noturno, perigoso ou insalubre. Para os adolescentes com idade entre 15 e 16 anos, admite-se o trabalho na condição de aprendiz. Se podem trabalhar, nada impede sejam vítimas de assédio sexual. E como ainda se encontram em fase de desenvolvimento físico, moral e intelectual, são mais suscetíveis ao constrangimento para fins sexuais, o que facilita a empreitada criminosa e indiscutivelmente ocasiona maiores danos à sua regular formação. Estes são os fundamentos do tratamento penal mais rigoroso. A idade da vítima deve ser provada por documento idôneo (art. 155, parágrafo único, do CPP). A incidência da causa de aumento da pena afasta o benefício da transação penal – o assédio sexual agravado constitui-se em crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios elencados na Lei 9.099/1995. Nessa hipótese a ação penal é pública incondicionada (CP, art. 225, parágrafo único).
■Vítima menor de 14 anos ou pessoa vulnerável: Se a vítima contar com menos de 14 anos de idade, ou for pessoa vulnerável, sem discernimento para a prática do ato ou sem capacidade de resistência, estará caracterizado o crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A).
■Introdução: Com as inovações trazidas pela Lei 12.015/2009, a vulnerabilidade da vítima substituiu a presunção de violência (violência ficta ou indutiva), antigamente prevista no art. 224 do CP. Não houve, portanto, abolitio criminis das figuras penais anteriormente cometidas mediante violência presumida. No Capítulo II, o CP tem em vista a integridade de determinados indivíduos, fragilizados em face da pouca idade ou de condições específicas, resguardando-as do início antecipado ou abusivo na vida sexual. Para a caracterização destes crimes é irrelevante o dissenso da vítima. A lei despreza o consentimento dos vulneráveis, pois estabeleceu critérios para concluir pela ausência de vontade penalmente relevante emanada de tais pessoas. O aperfeiçoamento dos delitos independe do emprego de violência, grave ameaça ou fraude. O art. 217-A do CP apresenta os vulneráveis para fins sexuais. São pessoas consideradas incapazes para compreender e aceitar validamente atos de conotação sexual, razão pela qual não podem contra estes oferecer resistência:
a)Os menores de 14 anos (art. 217-A, caput): O critério etário para definição dos vulneráveis é objetivo – não há espaço para discutir eventual possibilidade de afastar determinadas pessoas, menores de 14 anos, da definição de vulneráveis. A vulnerabilidade decorre do incompleto desenvolvimento físico, moral e mental dos menores de 14 anos, pois estas pessoas ainda não estão prontas para participar de atividades sexuais. A idade da vítima deve ser comprovada por documento hábil (art. 155, parágrafo único, do CPP).
b)Aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não têm o necessário discernimento para a prática do ato (art. 217-A, § 1º, 1ª parte): A enfermidade ou deficiência mental pode ser permanente ou temporária, congênita ou adquirida. O fundamental é acarretar a eliminação do discernimento para a prática do ato. Em razão disso, exige-se perícia médica para demonstrar tanto sua existência como seus efeitos. É inquestionável que apenas se pode falar em vulnerabilidade quando alguém praticou com a vítima o ato sexual consciente da sua enfermidade ou deficiência mental, sob pena de consagração da responsabilidade penal objetiva. Consagrou-se o sistema biopsicológico: para aferição da vulnerabilidade não basta a causa biológica, pois também se exige a afetação psicológica do ofendido. Não é suficiente, para caracterização da vulnerabilidade, a existência da enfermidade ou deficiência mental, ainda que o agente conheça esta circunstância. É imprescindível o aproveitamento desta situação pelo sujeito. O art. 217, § 1º, 1ª parte, do CP deve ser lido da seguinte forma: “Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, desde que conheça e se aproveite desta circunstância”.
c)Aqueles que, por qualquer outra causa, não podem oferecer resistência (art. 217-A, § 1º, parte final): A expressão “qualquer outra causa” deve ser interpretada em sentido amplo, alcançando todos os motivos que retirem de alguém a capacidade de resistir ao ato sexual. Com efeito, a vítima não reúne condições para manifestar seu dissenso em relação à conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Pouco importa seja a vítima colocada em estado de impossibilidade de resistência pelo agente ou se este simplesmente abusa dessa circunstância.
Sedução
Art. 217. (Revogado).
■Revogação: O crime de sedução, originariamente previsto no art. 217 do CP, foi revogado pela Lei 11.106/2005. Operou-se autêntica abolitio criminis, pois houve a revogação formal do tipo penal, e também a supressão material do fato criminoso, que a partir de então não mais goza de relevância perante o Direito Penal.
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2º (Vetado).
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Classificação: Crime simples Crime comum (mas próprio na modalidade “constranger alguém a ter conjunção carnal”) Crime material ou causal Crime de forma livre Crime instantâneo Crime comissivo (regra) Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual Crime plurissubsistente (regra) |
Informações rápidas: Crime hediondo. Objeto material: pessoa vulnerável. O tipo penal não reclama a violência ou grave ameaça como meios de execução do delito. A vulnerabilidade do ofendido implica na invalidade do seu consentimento. Elemento subjetivo: dolo (elemento subjetivo específico – intenção de ter com a vítima conjunção carnal ou com ela praticar outro ato libidinoso). Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente). Ação penal: pública incondicionada. |
■Introdução: Na redação original do CP existiam os crimes de estupro (art. 213) e de atentado violento ao pudor (art. 214), delitos agora reunidos no mesmo tipo penal, disciplinado no art. 213 e com o nomen iuris “estupro”. Existem atualmente dois crimes diversos, dependendo do perfil subjetivo do ofendido. Se a vítima é pessoa vulnerável, aplica-se o art. 217-A, ao passo que nas demais hipóteses incide o art. 213, ambos do Código Penal. O estupro de vulnerável é crime mais grave, justificando-se a maior reprovabilidade na covardia do agente, na fragilidade da vítima e na amplitude dos efeitos negativos causados à pessoa de pouca idade, portadora de enfermidade ou deficiência mental ou sem possibilidade de resistir ao ato sexual.
■Espécies e aplicação da Lei dos Crimes Hediondos: O estupro de vulnerável pode ser: (a) simples – próprio (caput) ou por equiparação (§ 1º); (b) qualificado pela lesão corporal de natureza grave (§ 3º); e (c) qualificado pela morte (§ 4º). Nas três hipóteses constitui-se em crime hediondo (art. 1º, VI, da Lei 8.072/1990), insuscetível de anistia, graça, indulto e fiança (Lei 8.072/1990, art. 2º, I e II). A pena privativa de liberdade será cumprida em regime inicialmente fechado, autorizando-se a progressão após o cumprimento de 2/5 da pena, se o condenado for primário, ou de 3/5, se reincidente (Lei 8.072/1990, art. 2º, §§ 1º e 2º). A prisão temporária terá o prazo de 30 dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade (Lei 8.072/1990, art. 2º, § 4º) e a obtenção de livramento condicional reclama o cumprimento de mais de 2/3 da pena, se o apenado não for reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados (CP, art. 83, V).
■A revogação tácita do art. 9º da Lei 8.072/1990 – Lei dos Crimes Hediondos: A Lei 12.015/2009 inseriu o estupro de vulnerável no rol dos crimes hediondos (art. 1º, inc. VI, da Lei 8.072/1990). Indiretamente a nova lei acabou por revogar tacitamente o art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, em decorrência da revogação expressa do art. 224 do CP. De fato, se não mais existe o art. 224 do CP, não há como se aplicar o art. 9º da Lei 8.072/1990.
■Objeto jurídico: É a dignidade sexual dos vulneráveis.
■Objeto material: É a pessoa vulnerável sobre a qual recai a conduta criminosa.
■Núcleos do tipo: O tipo penal contempla duas condutas distintas, cada qual com um núcleo específico: ter conjunção carnal com menor de 14 anos – ter é realizar ou efetuar. A conjunção carnal consiste na introdução total ou parcial do pênis na vagina, razão pela qual é imprescindível a existência de relação heterossexual; praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos – Praticar é manter ou desempenhar. Os verbos “ter” e “praticar” possuem igual sentido. Ato libidinoso é o revestido de conotação sexual, a exemplo do sexo oral, do sexo anal, dos toques íntimos, da introdução de dedos ou objetos na vagina ou no ânus, da masturbação etc. Nesse caso, a relação entre agente e vítima pode ser heterossexual ou homossexual. As duas condutas – “ter conjunção carnal e praticar outro ato libidinoso” – logicamente também alcançam os vulneráveis descritos no § 1º do art. 217-A do CP, ou seja, aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não têm o necessário discernimento para o ato, bem como quem, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Quanto à discussão sobre a natureza do tipo penal (misto alternativo ou misto cumulativo), ver os comentários ao art. 213.
■Constrangimento do ofendido: No estupro de vulnerável, o tipo penal não reclama a violência ou grave ameaça como meios de execução do delito. Basta a realização de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com a vítima, inclusive com a sua anuência. De fato, a vulnerabilidade do ofendido implica a invalidade do seu consentimento, com sua desconsideração pela lei e pelos operadores do Direito. Na prática, o sujeito pode se valer de violência ou grave ameaça para ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com pessoa vulnerável, hipótese em que subsiste o estupro de vulnerável, justamente em razão da fragilidade da vítima. E também devem ser a ele atribuídos, em concurso material, os crimes de lesão corporal leve (CP, art. 129, caput) ou de ameaça (CP, art. 147), resultantes da violência ou da grave ameaça, pois não funcionam com meios de execução do estupro de vulnerável. Se a vítima suportar lesão corporal de natureza grave (ou gravíssima) ou falecer, incidirão as figuras qualificadas descritas nos §§ 3º e 4º do art. 217-A do CP.
■Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral), inclusive os transexuais. Admite-se coautoria, participação e autoria mediata. Na modalidade “ter conjunção carnal” o estupro de vulnerável é crime próprio ou especial, pois pressupõe uma relação heterossexual.
■Sujeito passivo: É a pessoa vulnerável, figurando nesse rol os menores de 14 anos, os portadores de enfermidade ou deficiência mental que não têm o necessário discernimento para a prática do ato, bem como aqueles que, por qualquer outra causa, não podem oferecer resistência. Como o tipo penal fala em “menor de 14 (catorze) anos”, se a conjunção carnal ou outro ato libidinoso for praticado com alguém no dia do seu décimo quarto aniversário, e contar com seu consentimento, o fato será atípico. Inexiste estupro de vulnerável, pois a pessoa não é menor de 14 anos, e também não há falar em estupro (CP, art. 213), em razão do consentimento penalmente válido e da ausência de violência ou grave ameaça.
■Estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude: Na hipótese em que a vítima é totalmente privada da sua capacidade de resistência, ocorre o estupro de vulnerável. Quando a vítima é enganada, mas estava presente sua capacidade de resistência, caracteriza-se a violação sexual mediante fraude (art. 215 do CP) – a vítima não se encaixa na definição legal de pessoa vulnerável, porque tinha capacidade de resistência, e somente não resistiu em razão do engodo criminoso. Esta é a razão pela qual a pena do crime de violação sexual mediante fraude, que não ostenta a nota da hediondez, é muito inferior à pena do estupro de vulnerável, delito de natureza hedionda (art. 1º, VI, da Lei 8.072/1990).
■Elemento subjetivo: É o dolo, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico), consistente na intenção de ter com a vítima conjunção carnal ou com ela praticar outro ato libidinoso. Não se admite a modalidade culposa.
■Vulnerabilidade e erro de tipo: É possível a incidência do instituto do erro de tipo, delineado no art. 20, caput, do CP, no tocante ao estupro de vulnerável, e também aos demais crimes sexuais contra vulneráveis. O erro sobre elemento constitutivo do crime não se confunde com a existência ou não da vulnerabilidade da vítima, que tem natureza objetiva.
■Consumação: Na modalidade “ter conjunção carnal”, o delito se aperfeiçoa com a introdução total ou parcial do pênis na vagina. Na variante “praticar outro ato libidinoso” o crime se aperfeiçoa no momento em que se concretiza no corpo da vítima o ato libidinoso desejado pelo agente. Trata-se de crime material ou causal.
■Tentativa: É possível.
■Ação penal: É pública incondicionada (art. 225, parágrafo único, do CP).
■Lei 9.099/1995: O estupro de vulnerável constitui-se em crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios elencados pela Lei 9.099/1995.
■Figuras qualificadas (art. 217-A, §§ 3º e 4º): o crime será qualificado se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave (ou gravíssima – CP, art. 129, §§ 1º e 2º) ou morte. A lesão corporal de natureza leve (CP, art. 129, caput) e a contravenção penal de vias de fato (Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais, art. 21) são absorvidas pelo delito em estudo. O resultado agravador há de ser provocado a título de culpa (crimes preterdolosos); se for produzido dolosamente, estará caracterizado o concurso material entre estupro de vulnerável simples (CP, art. 217-A) e a lesão corporal grave ou gravíssima (CP, art. 129, §§ 1º e 2º) ou homicídio (CP, art. 121). Incidirão as qualificadoras ainda que não se concretize a conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
■Estupro de vulnerável e erro de proibição – a questão da prostituição infantil: Em caso de prostituição infantil, incluindo o turismo sexual, deve haver punição pelo crime de estupro de vulnerável ou deve ser reconhecido erro de proibição, (art. 21 do CP), com o argumento de que desconheciam a ilicitude do fato, pois a criança ou adolescente já atuava no comércio sexual? Cremos ser obrigatório o reconhecimento do crime tipificado no art. 217-A do CP. O fato é típico e ilícito. O agente é culpável, não se podendo falar em ausência da potencial consciência da ilicitude. Com efeito, inúmeras são as campanhas de combate à prostituição infantil, veiculadas inclusive no exterior. Estas pessoas já se dirigem ao Brasil conscientes da ilegalidade das suas condutas e procuram agências especializadas na exploração da prostituição infantil, agem na clandestinidade, negociam com criminosos e se disfarçam de turistas bem intencionados, com a alegação de que contribuem para o desenvolvimento nacional. Assim, mesmo provenientes de outros países, têm a obrigação de conhecer a legislação brasileira. Não há falar em erro de proibição, inevitável ou evitável. A condenação é medida de rigor, sem qualquer diminuição da pena. Tais indivíduos devem ser severamente punidos, como medida retributiva e também para a prevenção de delitos deste jaez, seja por ele próprio (prevenção especial), seja em relação a outras pessoas, despontando como fator de inibição para potenciais criminosos (prevenção geral). Se não bastasse, o bem jurídico penalmente tutelado – dignidade sexual de pessoas vulneráveis – é indisponível, não se podendo falar em consentimento válido da vítima ou de seus representantes legais.
■Jurisprudência selecionada:
Art. 9º da Lei 8.072/1990 – revogação – estupro de vulnerável: “Com a superveniência da Lei nº 12.015/2009 restou revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível a sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP). Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP” (STJ, HC 131.987/RJ, rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, j. 19.11.2009). No mesmo sentido: STJ: AgRg no Ag 1.081.379/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, j. 13.10.2009; e HC 122.381/SC, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 1º.06.2010.
Corrupção de menores
Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Parágrafo único. (Vetado).
Classificação: Crime simples Crime comum Crime material ou causal Crime de forma livre Crime instantâneo Crime comissivo (regra) Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual Crime plurissubsistente (regra) |
Informações rápidas: Objeto material: pessoa menor de 14 anos de idade. A satisfação da lascívia há de limitar-se a atividades sexuais meramente contemplativas (contemplação passiva). Elemento subjetivo: dolo (elemento subjetivo específico – “satisfazer a lascívia de outrem”). Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente). Ação penal: pública incondicionada. |
■Introdução: O nomen iuris conferido pela Lei 12.015/2009 ao crime definido no art. 218 do CP não foi o mais acertado. Melhor teria sido a nomenclatura “mediação de menor vulnerável para satisfazer a lascívia de outrem”, por três razões: (a) a conduta típica consiste em intermediar a satisfação do desejo sexual de terceiro, mediante algum comportamento erótico de parte do menor de 14 anos; (b) similitude dos crimes previstos nos arts. 218 e 227 do Código Penal, este último com a denominação “mediação para satisfazer a lascívia de outrem”, diferenciando-se unicamente em relação à idade da vítima; e (c) evitar confusão com o crime tipificado no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, também criado pela Lei 12.015/2009.
■Objeto jurídico: É a dignidade sexual da pessoa menor de 14 anos, bem como o direito ao desenvolvimento sexual sadio, equilibrado e compatível com a sua idade.
■Objeto material: É a pessoa menor de 14 anos de idade que suporta a conduta criminosa.
■Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é “induzir”, ou seja, criar na mente de alguém a vontade de satisfazer a lascívia alheia, convencendo-a a agir desta forma. Lascívia é o desejo sexual, o erotismo, a luxúria. É indiscutível, portanto, a utilidade do art. 218 do Código Penal. A conduta deve atingir pessoa ou pessoas determinadas, pois o tipo penal contém a elementar “alguém”. Destarte, se o sujeito induzir pessoas indeterminadas, menores de 14 anos, a satisfazer a lascívia de outrem, estará caracterizado o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável, nos moldes do art. 218-B do Código Penal. Também será reconhecível o delito de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável quando a vítima receber alguma contraprestação, do agente ou de terceiro, em decorrência do seu comportamento.
■Sujeito ativo: A corrupção de menores é crime comum ou geral, podendo ser cometido por qualquer pessoa. O responsável pelo delito é conhecido como proxeneta.
– A questão relacionada à pessoa beneficiada pelo comportamento da vítima: O delito não pode ser atribuído ao terceiro beneficiado pelo comportamento da vítima, pois tem sua abrangência limitada àquele que induz o vulnerável a satisfazer a lascívia alheia. Esta é a sua nota característica: o proxeneta atua com a finalidade de satisfazer a lascívia de terceiro, e não o seu próprio desejo sexual. Se o terceiro vier a praticar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com o menor de 14 anos, a ele deverá ser imputado o delito de estupro de vulnerável, de natureza hedionda (art. 217-A do CP).
■Sujeito passivo: É a pessoa menor de 14 anos. A idade da vítima deve ser provada por documento hábil (art. 155, parágrafo único, do CPP). Se o ofendido apresentar idade igual ou superior a 18 anos, estará caracterizado o delito de mediação para satisfazer a lascívia de outrem, em sua modalidade fundamental (CP, art. 227, caput); se for maior de 14 e menor de 18 anos, incidirá a forma qualificada deste crime (CP, art. 227, § 1º, 1ª parte). Se a vítima possuir 14 anos de idade (se o delito for cometido na data exata do seu aniversário) estará caracterizado o crime de mediação para satisfazer a lascívia de outrem, em sua forma simples (CP, art. 227, caput).
■Elemento subjetivo: É o dolo, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico), consistente na intenção de satisfazer a lascívia de outrem. Não se admite a modalidade culposa.
■Consumação: Cuida-se de crime material ou causal: consuma-se com a realização, pelo menor de 14 anos, do ato destinado a satisfazer a lascívia de outrem. Não se reclama a efetiva satisfação do desejo sexual alheio.
■Tentativa: É possível, em face do caráter plurissubsistente do delito.
■Ação penal: É pública incondicionada (art. 225, parágrafo único, CP).
■Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios previstos na Lei 9.099/1995.
■Art. 218 do CP e art. 244-B do ECA – distinção: O art. 218 do CP, inserido no Capítulo II do Título VI da Parte Especial, figura entre os crimes contra a dignidade sexual, mais especificamente entre os delitos sexuais contra vulnerável. A vítima é a pessoa menor de 14 anos, e a conduta típica consiste em induzi-la a satisfazer a lascívia de outrem. Trata-se de crime material (ou causal), pois a consumação reclama algum comportamento da vítima destinado à satisfação do desejo sexual de terceira pessoa. Por sua vez, no crime definido no art. 244-B do ECA, pune-se a conduta daquele que pratica alguma infração penal – crime ou contravenção penal – na companhia de menor de 18 anos, deturpando ou contribuindo de qualquer modo para sua depravação moral e para a má formação da sua personalidade. O crime se verifica mesmo quando a criança ou adolescente já se encontra afetada em sua idoneidade moral, pois a conduta ilícita prejudica ainda mais seu desenvolvimento ético. Além disso, o art. 244-B do ECA contempla um crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado.
■Confronto entre corrupção de menores e estupro de vulnerável: A satisfação da lascívia há de limitar-se a atividades sexuais meramente contemplativas (contemplação passiva). Se o agente induzir alguém menor de 14 anos a ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com terceira pessoa, e isto se concretizar, deverá responder pelo crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), na condição de partícipe. Portanto, os crimes tipificados nos arts. 217-A e 218 do CP são distintos, cada qual com seu raio de incidência.
■Jurisprudência selecionada:
Art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente – crime formal: “O objeto jurídico tutelado pelo tipo que prevê o delito de corrupção de menores é a proteção da moralidade do menor e visa coibir a prática de delitos em que existe sua exploração. Assim, cuida-se de crime formal, o qual prescinde de prova da efetiva corrupção do menor” (STJ: HC 160.039/DF, rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, j. 18.10.2010). No mesmo sentido: STJ: AgRG no HC 150.019/DF, rel. Min. Haroldo Rodrigues – Desembargador convocado do TJCE, 6ª Turma, j. 28.09.2010.
Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente
Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Informações rápidas: Objeto material: menor de 14 anos que presencia a conjunção carnal ou outro ato libidinoso. O menor de 14 anos limita-se a presenciar a conjunção carnal ou outro ato libidinoso (não há envolvimento corporal do vulnerável com qualquer pessoa). Elemento subjetivo: dolo (elemento subjetivo específico – “a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem”). Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente). Ação penal: pública incondicionada. |
■Introdução: A Lei 12.015/2009, responsável pela inclusão no CP do art. 218-A, supriu uma grave lacuna anteriormente existente em nosso sistema penal. A antiga redação do art. 218 do Código Penal, ao definir o crime de corrupção de menores, punia a conduta daquele que corrompia ou facilitava a corrupção de pessoa maior de 14 anos e menor de 18 anos de idade, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo. O tipo penal não alcançava as vítimas menores de 14 anos, deixando sem proteção justamente as pessoas mais indefesas. O fato, portanto, era atípico, em razão da ausência de previsão legal tanto no Código Penal como na Lei 8.069/1990 (ECA), e também em qualquer outro diploma legislativo.
■Objeto jurídico: É a dignidade sexual da pessoa menor de 14 anos de idade, no tocante ao seu desenvolvimento sadio e equilibrado, bem como na sua íntegra formação moral.
■Objeto material: É o menor de 14 anos que presencia a conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
■Núcleos do tipo: a) praticar, na presença de alguém menor de 14 anos, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: o sujeito não induz o menor de 14 anos a presenciar a conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, mas sabe que sua relação sexual é assistida pela criança ou adolescente, e ainda assim prossegue, como forma de atender sua própria lascívia ou de terceiro; b) ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem – induzir tem o sentido de convencer ou persuadir alguém a fazer algo. O agente convence o menor de 14 anos a presenciar sua atividade sexual, pois isso lhe dá prazer erótico ou satisfaz a lascívia de terceiro. Conjunção carnal é a introdução, total ou parcial, do pênis na vagina. Ato libidinoso é qualquer ato capaz de atender aos anseios sexuais de determinada pessoa. Lascívia é o desejo ou volúpia sexual, a luxúria. Incrimina-se o voyeurismo às avessas. Cuida-se de tipo misto alternativo, crime de ação múltipla ou de conteúdo variado – se o agente praticar as duas condutas no tocante à mesma vítima, no mesmo contexto fático, estará caracterizado um único delito. A maior reprovabilidade da sua atuação deverá ser levada em conta pelo magistrado na dosimetria da pena-base (art. 59, caput, do CP).
■Desnecessidade da presença física do menor de 14 anos: Para a configuração do crime é dispensável a presença física do vulnerável no local em que se realiza a conjunção carnal ou o ato libidinoso. Basta seja a relação sexual presenciada, isto é, assistida pelo menor de 14 anos, o qual pode estar em lugar distante, mas acompanhando a tudo e sendo igualmente acompanhado com o auxílio de meios tecnológicos. Também é possível que o menor presencie relações sexuais ocorridas em local e tempo diversos, com a finalidade de satisfazer a lascívia de determinada pessoa.
■Ausência de envolvimento corporal do menor e estupro de vulnerável: O menor de 14 anos limita-se a presenciar a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, não existindo envolvimento corporal do vulnerável com qualquer pessoa. Se o agente induz o menor de 14 anos a ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso, com ele próprio ou com outra pessoa, estará caracterizado o crime de estupro de vulnerável, consumado ou tentado (CP, art. 217-A).
■Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral). É possível o concurso de pessoas.
■Sujeito passivo: É a pessoa menor de 14 anos, independentemente do seu sexo. O legislador não previu os demais vulneráveis como vítimas.
■Elemento subjetivo: É o dolo, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico), representado pela expressão “a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem”.
■Consumação: Cuida-se de crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se no momento em que o menor de 14 anos presencia a prática da conjunção carnal ou outro ato libidinoso, ainda que uma única vez. Não se exige o efetivo prejuízo à formação moral ou à dignidade sexual da criança ou do adolescente, nem a satisfação da lascívia da pessoa envolvida na relação sexual ou de outrem.
■Tentativa: É possível.
■Ação penal: É pública incondicionada (art. 225, parágrafo único, do CP).
■Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios elencados pela Lei 9.099/1995.
■Art. 218-A do CP e art. 241-D do ECA: O art. 241-D da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente não se confunde com o delito de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente. No art. 218-A do Código Penal, o agente se contenta com a simples presença do menor de 14 anos (criança ou adolescente) durante o ato sexual, pois isto satisfaz sua própria lascívia ou atende a lascívia de terceiro. Já no art. 241-D do ECA o sujeito busca a efetiva prática de ato libidinoso com a criança, sem previsão típica em relação ao adolescente. No entanto, se o ato libidinoso, aí se incluindo a conjunção carnal, vier a se concretizar, estará caracterizado o crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A).
Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável
Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
§ 2º Incorre nas mesmas penas:
I – quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;
II – o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.
§ 3º Na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.
Classificação: Crime simples Crime simples comum Crime material ou causal Crime de forma livre Crime instantâneo (“submeter”, “induzir”, “atrair” e “facilitar”) ou permanente (“impedir” e “dificultar”) Crime comissivo (regra) Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual Crime plurissubsistente (regra) |
Informações rápidas: O art. 218-B do CP determinou a revogação tácita do art. 244-A da Lei 8.069/1990. Elemento normativo do tipo: “exploração sexual”. Objeto material: pessoa menor de 18 anos ou portadora de doença ou enfermidade mental. Elemento subjetivo: dolo. Não admite modalidade culposa. Crime não transeunte (deixa vestígios materiais). Tentativa: admite (crime plurissubsistente). Ação penal: pública incondicionada. |
■Introdução: Trata-se de modalidade específica do crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual, tipificado no art. 228 do Código Penal. A diferença repousa na qualidade das vítimas: neste crime, são as pessoas com idade igual ou superior a 18 anos e mentalmente saudáveis; naquele delito, são os menores de 18 anos e as pessoas que, por enfermidade ou deficiência mental, não têm o necessário discernimento para a prática do ato sexual, embora maiores de idade. Em razão disso, o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável é sensivelmente mais grave. Prostituição é o comércio sexual exercido com habitualidade. A reiteração do comércio sexual é imprescindível – trata-se de atividade necessariamente habitual. A prostituição pressupõe o contato físico entre as pessoas envolvidas na atividade sexual. Contudo, o art. 218-B do CP alcança não somente o favorecimento da prostituição, mas também o favorecimento de qualquer outra forma de exploração sexual. A expressão “exploração sexual” representa, na esfera dos crimes contra a dignidade sexual, um autêntico elemento normativo do tipo, de índole cultural, devendo seu conceito ser obtido mediante a valoração do intérprete da lei penal. A exploração sexual não se confunde com a violência sexual nem com a satisfação sexual (livre busca do prazer erótico entre pessoas maiores de idade e com pleno discernimento para a prática do ato).
■Objeto jurídico: É a dignidade sexual do menor de 18 anos ou portador de doença ou enfermidade mental, bem como o direito ao desenvolvimento sexual saudável, equilibrado e compatível com sua idade ou condição pessoal.
■Objeto material: É a pessoa menor de 18 anos ou portadora de doença ou enfermidade mental sobre a qual recai a conduta criminosa.
■Núcleos do tipo: Submeter significa subjugar ou sujeitar alguém a determinado comportamento; induzir é dar a ideia ou inspirar; atrair equivale a aliciar ou seduzir; e facilitar, por sua vez, tem o sentido de simplificar o acesso, proporcionando os meios necessários. Os verbos ligam-se à prostituição ou outra forma de exploração sexual. Nessas hipóteses, a vítima ainda não se dedica ao mercado dos prazeres sexuais, e a conduta criminosa consiste em fazer com ela ingresse no ramo de tais práticas. Impedir significa vedar ou obstar, enquanto dificultar é tornar mais oneroso, criando obstáculos. Tais núcleos ligam-se ao abandono da prostituição ou outra forma de exploração sexual. Não se exige a efetiva prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com a vítima. Cuida-se de tipo misto alternativo, crime de ação múltipla ou de conteúdo variado: a realização de mais de um dos núcleos do tipo em relação à mesma vítima configura um único delito. A variedade de condutas deve ser sopesada pelo magistrado na dosimetria da pena-base, como circunstância judicial desfavorável (art. 59, caput, do CP).
■Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral).
■Sujeito passivo: É a pessoa menor de 18 anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para o ato. A pessoa já prostituída não pode ser vítima do delito em apreço no tocante aos núcleos “submeter”, “induzir”, “atrair” e “facilitar”, mas nada impede a caracterização do delito em relação aos núcleos “impedir” e “dificultar”.
■A pornografia infantil: A pornografia envolvendo crianças e adolescentes constitui crimes disciplinados pela Lei 8.069/1990 – ECA, em seus arts. 240, 241 e 241-A a 241-E. Nesses casos, não há prostituição ou exploração sexual, pois, caso contrário, seria aplicável o art. 218-B do Código Penal.
■Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa.
■Finalidade lucrativa e aplicação cumulativa da pena de multa: Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também a pena de multa. É o que se extrai do § 1º do art. 218-B do CP. Não se reclama a efetiva obtenção do lucro, bastando a intenção de recebê-lo.
■Consumação: Nos núcleos “submeter”, “induzir”, “atrair” e “facilitar”, a consumação se dá no momento em que a vítima passa a se dedicar com habitualidade ao exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual, ainda que não venha a atender pessoa interessada em seus serviços. O crime é instantâneo, pois sua consumação ocorre em um momento determinado, sem continuidade no tempo. Nas modalidades “impedir” e “dificultar” o delito se consuma no instante em que a vítima decide abandonar a prostituição ou outra forma de exploração sexual, mas o sujeito não permite ou torna mais onerosa a concretização da sua vontade. Nesses casos, o crime é permanente. Embora a prostituição seja o comércio sexual continuado, esta habitualidade se restringe ao comportamento da vítima – o agente não precisa reiteradamente favorecer a prostituição ou outra forma de exploração sexual. Em todas as hipóteses, o crime é material ou causal – a consumação requer o efetivo exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual pela vítima.
■Tentativa: É possível.
■Ação penal: É pública incondicionada (CP, art. 225, parágrafo único).
■Lei 9.099/1995: Cuida-se de crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios elencados pela Lei 9.099/1995.
■Figuras equiparadas (art. 218-B, § 2º):
–Inciso I: Incorrerá nas mesmas penas quem praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 e maior de 14 anos, desde que submetido, atraído ou induzido à prostituição ou outra forma de exploração sexual, bem como com a pessoa que tem a prostituição ou exploração sexual facilitada, obstada ou dificultada relativamente ao abandono. É fundamental tenha o agente conhecimento da idade da vítima submetida à prostituição ou outra forma de exploração sexual. Cuida-se de crime acessório, de fusão ou parasitário, pois pressupõe a prática do delito definido no caput do art. 218-B do CP. O tipo penal pune o cliente do proxeneta, ou pessoa com ele relacionada, desde que tenha ciência do favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual. O delito não incide para quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com pessoa com idade igual ou superior a 18 anos, mas portadora de enfermidade ou deficiência mental que acarreta a ausência de discernimento para o ato.
–Inciso II: Sofrerá as mesmas penas o proprietário, gerente ou responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo, isto é, no qual ocorra a prostituição ou outra forma de exploração sexual do menor de 18 e maior de 14 anos, ou então da pessoa portadora de enfermidade ou deficiência mental, sem o necessário discernimento para a prática do ato. Trata-se de forma qualificada do crime de casa de prostituição (art. 229 do CP). A pena mais elevada se justifica em face da vulnerabilidade da pessoa submetida à exploração sexual. É imprescindível tenha a vítima ingressado na prostituição ou na exploração sexual mediante a conduta criminosa de alguém. O proprietário, gerente ou responsável pelo local precisa ter conhecimento do favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual, evitando-se a responsabilidade penal objetiva.
■Efeito da condenação (art. 218-B, § 3º): A condenação definitiva do proprietário, gerente ou responsável pelo local em que se verifiquem as práticas atinentes ao favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável importa na cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento, sem prejuízo dos demais efeitos da condenação (arts. 91 e 92 do CP). Não se trata de efeito automático, devendo ser motivadamente declarado na sentença.
■Revogação tácita do art. 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente: O art. 218-B do CP, instituído pela Lei 12.015/2009, revogou tacitamente o crime anteriormente definido no art. 244-A da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Arts. 219 a 222. (Revogados).
■Revogação: Os arts. 219 a 222 do CP foram revogados pela Lei 11.106/2005. Com a extinção do crime de rapto, os arts. 221 e 222, também revogados, não tinham mais razão para existir.
■Continuidade típico-normativa do rapto violento: No tocante à conduta anteriormente descrita no art. 219 do CP – rapto violento –, não há falar em abolitio criminis, e sim em mera revogação formal. Com efeito, qualquer pessoa, e não somente as “mulheres honestas”, podem ser vítimas do crime de sequestro ou cárcere privado qualificado pela privação da liberdade com fins libidinosos, nos termos do art. 148, § 1º, V, do CP. Houve, portanto, o deslocamento da conduta criminosa para outro tipo penal, incidindo o princípio da continuidade típico normativa.
■Abolitio criminis do rapto consensual: O crime de rapto consensual, outrora descrito no art. 220 do CP, foi objeto de autêntica abolitio criminis. O tipo penal foi revogado formalmente, e também se operou a supressão material do fato criminoso, pois a conduta não encontra relevância penal em nenhum outro dispositivo legal.
Arts. 223 e 224. (Revogados).
■Revogação: Os arts. 223 e 224 do CP foram revogados pela Lei 12.015/2009.
Ação Penal
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.
■Natureza da ação penal: Com a edição da Lei 12.015/2009, implantou-se no art. 225, caput, uma regra geral no tocante aos crimes contra a liberdade sexual, definidos no Capítulo I do Título VI da Parte Especial do CP: a ação penal é pública condicionada à representação. O ofendido (ou seu representante legal) deve autorizar o Ministério Público, mediante representação (condição de procedibilidade) a oferecer denúncia. Submetem-se a esta regra o estupro, nas modalidades simples e qualificadas pela lesão corporal de natureza grave e pela morte (art. 213, caput, § 1º, 1ª parte, e § 2º); a violação sexual mediante fraude (art. 215); e o assédio sexual em sua modalidade fundamental (art. 216-A, caput). Quanto às polêmicas em relação à natureza da ação penal no estupro, ver comentários ao art. 213. De seu turno, a ação penal será pública incondicionada (parágrafo único do art. 225 do CP), nos crimes sexuais contra vulnerável, definidos no Capítulo II do Título VI da Parte Especial do Código Penal: estupro de vulnerável (art. 217-A); corrupção de menores (art. 218); satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A); e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B). Ainda a teor do art. 225, parágrafo único, do CP, a ação penal também será pública incondicionada nos crimes contra a liberdade sexual quando a vítima é menor de 18 anos, a saber: estupro qualificado pela idade da vítima, menor de 18 e maior de 14 anos (art. 213, § 1º, in fine); e assédio sexual circunstanciado (art. 216-A, § 2º). Com a entrada em vigor da Lei 12.015/2009, nenhum dos crimes contra a dignidade sexual admite diretamente a persecução penal mediante ação exclusivamente privada (art. 100, § 2º, do CP e art. 30 do CPP). Entretanto, subsiste a ação penal privada subsidiária, em decorrência da cláusula pétrea contida no art. 5º, LIX, da Constituição Federal.
■Jurisprudência selecionada:
Ação penal: “Até o advento da Lei 12.015/2009, os crimes definidos nos arts. 213 a 220 do Código Penal procediam-se mediante queixa, com as exceções dispostas nos §§ 1º e 2º da antiga redação do art. 225 do Código Penal, na Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, que previa a hipótese de ação penal pública incondicionada, para os casos em que se houvesse emprego de violência real, bem como nos casos em que resultassem em lesão corporal grave ou morte (art. 223), inserido no mesmo capítulo do art. 225, e não nos capítulos anteriores, aos quais o dispositivo remetia em sua redação original. Com o advento da Lei 12.015/2009, que alterou a redação do art. 225 do Código Penal, os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, mesmo com violência real (hipótese da Súmula 608/STF) ou com resultado lesão corporal grave ou morte (antes definidos no art. 223 do Código Penal e hoje definidos no art. 213, §§ 1º e 2º), passaram a se proceder mediante ação penal pública condicionada à representação, nos termos da nova redação do art. 225 do Código Penal, com exceção apenas para os casos de vítima menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável (parágrafo único do art. 225 do Código Penal)” (STJ: REsp 1.227.746/RS, rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, j. 02.08.2011).
Aumento de pena
Art. 226. A pena é aumentada:
I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela;
III – (Revogado).
■Introdução: O art. 226 do CP, com a redação conferida pela Lei 11.106/2005, contempla causas de aumento da pena aplicáveis aos crimes definidos nos Capítulos I e II do Título VI da Parte Especial do Código Penal (arts. 213 a 218-B). O aumento incidirá na terceira fase da dosimetria da pena privativa de liberdade, e pode elevá-la acima do máximo legalmente previsto. Se ocorrer mais de uma causa de aumento deverá ser observada a regra insculpida no art. 68, parágrafo único, do CP.
■Causas de aumento da pena em espécie:
–Inciso I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas: o tratamento penal mais severo se justifica pela maior facilidade para a prática do delito, bem como pela possibilidade de a vítima sofrer prejuízos mais extensos. O aumento da pena é cabível tanto na coautoria como na participação, incidindo para todos aqueles que concorrem de qualquer modo para a empreitada criminosa.
–Inciso II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela: as causas de aumento da pena relacionam-se com a qualidade do sujeito ativo, atinentes ao seu parentesco ou com sua posição de autoridade perante o ofendido. Não se restringem, portanto, ao poder familiar. O aumento justifica-se pelo fato de ser o delito cometido exatamente por quem tem o dever de proteção, educação e cuidado para com a vítima. A condição de ascendente pode advir do nascimento biológico ou da adoção (o art. 227, § 6º, da CF). Os irmãos podem ser bilaterais ou unilaterais. Preceptor é a pessoa incumbida de acompanhar e orientar a educação de uma criança ou adolescente. No tocante à expressão “ou por qualquer título tem autoridade sobre ela”, o agente tem com a vítima uma relação de direito (como o carcereiro em relação ao detento) ou de fato (criança abandonada que passa a noite na casa de quem a recolhe da rua).
■A vedação do bis in idem: As causas de aumento da pena previstas no art. 226 do CP somente serão aplicáveis quando não representarem elementares ou qualificadoras dos crimes contra a liberdade sexual ou dos crimes sexuais contra vulneráveis, em homenagem à proibição do bis in idem.
■Confronto entre os arts. 226 e 234-A do CP: O art. 234-A do CP elenca duas outras causas de aumento da pena aplicáveis aos crimes contra a dignidade sexual: o resultado gravidez ou a transmissão à vítima, pelo agente, de doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador. Tais majorantes incidem em relação a todos os crimes contra a dignidade sexual. A aplicabilidade do art. 226 do CP, no entanto, limita-se aos crimes previstos nos Capítulos I e II do Título VI da Parte Especial do CP – crimes contra a liberdade sexual e crimes sexuais contra vulnerável (arts. 213 a 218-B). No caso concreto, contudo, nada impede a incidência simultânea dos dois dispositivos, como na hipótese do estupro cometido por descendente, daí resultando a transmissão de doença sexualmente transmissível da qual sabia ser portador, devendo ser observado o disposto no parágrafo único do art. 68 do Código Penal.
■Jurisprudência selecionada:
Aumento da pena – gravidez – cabimento: “No caso, a gravidez da vítima, filha do paciente, não pode ser considerada fato inerente ao crime de estupro. Tal circunstância, por si só, justifica o aumento da pena-base em 6 meses, ante a gravidade das consequências – nascimento de pessoa, em razão de relação incestuosa, e que, segundo as instâncias ordinárias, era indesejada. A gravidez causada por estupro já foi considerada como motivo válido para o aumento da pena-base por esta Turma: HC 86.513/MT, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe de 22.09.2008. Apenas ad argumentandum, é circunstância válida para o aumento da pena-base o fato de o paciente conviver em ambiente familiar a vítima, tendo a prática delituosa ocorrido durante a ausência de sua esposa do lar. Não há bis in idem entre as primeira e terceira fases da dosimetria da pena no caso. Na majorante do art. 226, inciso II, do Código Penal, não se prevê somente condições referentes ao poder familiar; há também relativas ao poder patronal, por exemplo (‘ser o agente ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela’). Não se pode considerar, portanto, que a coabitação tenha sido prevista pelo legislador na causa de aumento em questão, que, repita-se, não prevê apenas condições referentes ao pátrio poder” (STJ, HC 137.719/MG, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 16.12.2010).
■Introdução: Neste Capítulo, o legislador poderia ter se limitado a utilizar a expressão “Do lenocínio”, terminologia que engloba todas as figuras criminosas relacionadas aos mediadores e aos aproveitadores da prostituição e da exploração sexual, incluindo o tráfico de pessoas com tal finalidade. O lenocínio consiste em prestar assistência à libidinagem de outrem ou dela tirar proveito. Difere-se dos demais crimes sexuais porque opera em torno da lascívia alheia. Esta é a nota comum entre os delitos definidos neste capítulo: os proxenetas (ou alcoviteiros), os rufiões e os traficantes de pessoas para fim de exploração sexual atuam em favor da libidinagem de outrem, ora como mediadores, fomentadores ou auxiliares, ora como aproveitadores. O lenocínio pode ser principal (mediação para satisfazer a lascívia de outrem – art. 227 do CP) ou acessório (conceito que engloba os demais crimes previstos neste capítulo). Embora não se reclame no lenocínio o ânimo lucrativo, a prática demonstra ser isto o que normalmente acontece, ensejando o chamado lenocínio mercenário ou questuário.
■Fundamento: Com o tratamento penal conferido nos arts. 227 a 231-A do CP, busca-se tutelar a dignidade sexual das pessoas e a moralidade pública, evitando a disseminação da prostituição e de outras formas de exploração sexual e, consequentemente, toda a depravação que gira ao seu redor.
Mediação para servir a lascívia de outrem
Art. 227. Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena – reclusão, de um a três anos.
§ 1º Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:
Pena – reclusão, de dois a cinco anos.
§ 2º Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena – reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
Classificação: Crime simples Crime comum Crime material ou causal Crime de forma livre Crime instantâneo Crime comissivo (regra) Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual Crime plurissubsistente (regra)
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Informações rápidas: Lenocínio principal (caput); lenocínio acessório (§ 3.º). Objeto material: pessoa induzida a satisfazer a lascívia de outrem. A conduta deve voltar-se a pessoa ou pessoas determinadas. Elemento subjetivo: dolo (elemento subjetivo específico – “satisfazer a lascívia de outrem”). Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente). Ação penal: pública incondicionada. |
■Objeto jurídico: É a dignidade e a liberdade sexual, bem como a moralidade pública, em seu aspecto sexual.
■Objeto material: É a pessoa induzida a satisfazer a lascívia de outrem.
■Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é “induzir”, no sentido de criar na mente de alguém a vontade de satisfazer a lascívia alheia, convencendo-a a agir desta forma. Lascívia é o desejo sexual, a luxúria. A satisfação da lascívia abrange qualquer atividade destinada a saciar a libido de uma pessoa, mediante a prática de atos sexuais, a mera contemplação passiva ou qualquer outra atividade direcionada ao prazer erótico. A conduta deve voltar-se a pessoa ou pessoas determinadas, pois o tipo penal contém a elementar “alguém”. Se o agente induzir pessoas indeterminadas a satisfazer a lascívia de outrem, a ele será imputado o crime previsto no art. 228 do Código Penal. Também estará caracterizado o delito de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual quando a vítima receber alguma contraprestação, do agente ou de terceiro, em decorrência do seu comportamento, o que não se verifica no crime tipificado no crime em análise.
■Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral). Se o agente for ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda da vítima, estará caracterizada a qualificadora prevista no art. 227, § 1º, in fine, do CP. A pessoa beneficiada pelo proxeneta, cuja lascívia é satisfeita pela vítima, não responde pelo delito na condição de coautor ou partícipe – a lei incrimina o comportamento de induzir alguém a satisfazer a lascívia de “outrem”, e não a própria. Poderá vir a ser responsabilizado por algum outro crime contra a dignidade sexual.
■Sujeito passivo: Pode ser qualquer pessoa, independentemente do sexo, e, mediatamente, a coletividade. No caso de vítima maior de 14 e menor de 18 anos de idade, incide a qualificadora definida no art. 227, § 1º, 1ª parte, do CP.
–A problemática inerente à vulnerabilidade da vítima: A conduta de induzir pessoa menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem implica o reconhecimento do crime de corrupção de menores, tipificado no art. 218 do CP.
–Exercício da prostituição e induzimento à satisfação da lascívia alheia: Não há crime quando uma pessoa prostituída é induzida a satisfazer a lascívia de outrem. Nesse caso, é dispensável o induzimento para a satisfação da lascívia alheia, pois quem exerce a prostituição já se dedica a esta finalidade.
■Elemento subjetivo: É o dolo, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico), consistente na intenção de satisfazer a lascívia de outrem. Não se admite a modalidade culposa.
■Consumação: Trata-se de crime material ou causal – estará consumado com a realização de algum ato sexual pela vítima, voltado à satisfação da lascívia de alguém. É também crime instantâneo – basta a realização de um único ato, dispensando-se a reiteração, pois a lei não reclama a habitualidade para o aperfeiçoamento do delito.
■Tentativa: É possível.
■Ação penal: É pública incondicionada.
■Lei 9.099/1995: Em sua modalidade fundamental a mediação para satisfazer a lascívia de outrem é crime de médio potencial ofensivo, sendo autorizada a suspensão condicional do processo, se presentes os demais requisitos elencados pelo art. 89 da Lei 9.099/1995. As figuras qualificadas são crimes de elevado potencial ofensivo, incompatíveis com os benefícios da referida lei.
■Figuras qualificadas (art. 227, §§ 1º e 2º): As qualificadoras do § 1º dizem respeito à idade da vítima e à qualidade do sujeito ativo. Tais circunstâncias devem ser provadas por documento hábil (art. 155, § 1º do CPP). Em relação ao crime praticado por ascendente, tutor ou curador, a condenação com trânsito em julgado acarreta a incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela (art. 92, II, do CP), desde que este efeito seja motivadamente declarado na sentença. As qualificadoras do § 2º dizem respeito a meios de execução que facilitam a prática do crime, pela coação ou pelo engano da vítima, e a ela causam maiores danos. Violência é o emprego de força física contra alguém, mediante lesão corporal ou vias de fato. A lei impõe o concurso material obrigatório entre a figura qualificada da mediação para servir a lascívia de outrem e o crime resultante da violência, somando-se as penas. As vias de fato são absorvidas, em face da sua subsidiariedade expressa (art. 21 do Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais). Grave ameaça é a promessa de mal injusto, grave e passível de realização. Fraude é o artifício ou ardil utilizado para ludibriar alguém. Se existir mais de uma qualificadora, o magistrado, ao aplicar a pena, deve utilizar o § 2º como qualificadora, em razão da sua maior gravidade, funcionando o § 1º como circunstância judicial desfavorável (art. 59, caput, do CP).
■A questão da instigação para satisfação da lascívia alheia e o art. 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente: O art. 227, caput, do CP pune a conduta de “induzir” alguém a satisfazer a lascívia de outrem. Destarte, não há falar neste delito quando o agente instiga uma pessoa, ou seja, reforça a vontade já existente de satisfazer a lascívia alheia. O fato, em princípio, é atípico. Se a vítima for criança (pessoa com menos de 12 anos de idade) e a instigação relacionar-se a ato libidinoso a ser realizado com o próprio instigador, estará caracterizado o crime de aliciamento de criança para fins libidinosos (art. 241-D da Lei 8.069/1990 – ECA).
■Fim de lucro e aplicação cumulativa da pena de multa: Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também a multa (art. 227, § 3º do Código Penal). Não se reclama a efetiva obtenção da vantagem, sendo suficiente a intenção de recebê-la.
■Mediação para servir a lascívia de outrem com o fim de lucro e rufianismo – distinção: No rufianismo, a pessoa explorada exerce a prostituição, e sua configuração reclama habitualidade, pois o agente tira proveito da prostituição alheia, participando diretamente dos seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça. Na mediação para servir a lascívia de outrem, a pessoa explorada não se prostitui, e o delito é instantâneo.
■Mediação para satisfazer a lascívia de outrem e realização de ato sexual consentido com pessoa menor de 18 e maior de 14 anos de idade: Apenas o proxeneta será responsabilizado pela mediação para servir a lascívia de outrem, em sua forma qualificada (CP, art. 227, § 1º, 1ª parte), em decorrência da idade da vítima. Não há crime para o terceiro que, com o consentimento válido da pessoa menor de 18 e maior de 14 anos de idade, com ela pratica o ato sexual.
Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
§ 2º Se o crime, é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
Classificação: Crime simples Crime comum Crime material ou causal Crime de forma livre Crime instantâneo (“induzir”, “atrair” e “facilitar”) ou permanente (“impedir” e “dificultar”) Crime comissivo (regra) Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual Crime plurissubsistente (regra)
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Informações rápidas: Prostituição: adoção do sistema abolicionista pelo CP. Elemento normativo do tipo: “exploração sexual” (não há emprego de violência ou grave ameaça contra a vítima). Objeto material: pessoa (homem ou mulher) levada ou mantida à prostituição ou outra forma de exploração sexual. Lenocínio mercenário ou questuário:§ 3.º. Elemento subjetivo: dolo. Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente). Ação penal: pública incondicionada. |
■Prostituição e exploração sexual – introdução: Prostituição é o comércio sexual exercido com habitualidade. Uma pessoa satisfaz ou tenta satisfazer a volúpia sexual alheia mediante o pagamento de determinado preço. A reiteração do comércio sexual é imprescindível. Não há falar em prostituição quando alguém, em uma única ou em poucas ocasiões, recebe vantagem econômica em troca do relacionamento sexual. A prostituição, por si só, não constitui crime ou contravenção penal. É atividade lícita, embora normalmente seja rotulada de imoral, importando para o Direito Penal a sua exploração e o seu estímulo. Quem se prostitui não realiza fato de importância penal, mas há crime para quem a favorece (CP, art. 228), contribui para sua manutenção, intermediando encontros amorosos (CP, art. 229), ou dela se aproveita materialmente (CP, art. 230). O CP brasileiro filiou-se ao sistema abolicionista, pelo qual não se pune quem exerce a prostituição, mas se responsabilizam criminalmente as pessoas que a estimulam, a exploram ou dela tiram proveitos econômicos. A prostituição reclama o contato físico entre as pessoas envolvidas na atividade sexual. Após a edição da Lei 12.015/2009, o art. 228 do CP passou a alcançar também o favorecimento de qualquer outra forma de exploração sexual – elemento normativo do tipo, de índole cultural, cujo conceito deve ser obtido mediante a valoração do intérprete da lei penal. Uma pessoa é explorada sexualmente quando vem a ser enganada para manter relação sexual, ou então nas situações em que permite a obtenção de vantagem econômica por terceira pessoa, em consequência da sua atividade sexual. A exploração sexual não se confunde com a violência sexual, nem com a satisfação sexual – livre busca do prazer erótico entre pessoas maiores de idade e com pleno discernimento para a prática do ato, fato que não interessa ao Direito Penal.
■Objeto jurídico: É a moralidade pública, em sua feição sexual.
■Objeto material: É a pessoa (homem ou mulher) levada ou mantida à prostituição ou outra forma de exploração sexual.
■Núcleos do tipo: O tipo penal contém cinco núcleos. Induzir é dar a ideia ou inspirar; atrair equivale a aliciar ou seduzir; e facilitar, por sua vez, tem o sentido de simplificar o acesso, proporcionando os meios necessários. Os verbos ligam-se à prostituição ou outra forma de exploração sexual. Nesses casos, a vítima ainda não se dedica ao mercado de préstimos sexuais, e a conduta criminosa consiste em fazer que ela ingresse no ramo de tais práticas. Impedir significa vedar ou obstar, enquanto dificultar é tornar mais oneroso, criando obstáculos. Tais núcleos vinculam-se ao abandono da prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou seja, a pessoa já se encontra no desempenho do comércio sexual. Trata-se de tipo misto alternativo, crime de ação múltipla ou de conteúdo variado – a realização de mais de um núcleo em relação à mesma vítima configura um único delito. A pluralidade de condutas deve ser sopesada pelo magistrado na dosimetria da pena-base (art. 59, caput, do CP).
■Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral). Se o agente for ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, estará caracterizada a qualificadora definida no § 1º do art. 228 do CP.
■Sujeito passivo: Qualquer pessoa, desde que com idade igual ou superior a 18 anos e dotada de discernimento para a prática do ato, bem como a coletividade. Vale lembrar que é impossível induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual quem já se dedica com habitualidade ao comércio sexual.
–Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável: Se a vítima for pessoa menor de 18 anos de idade ou que, por enfermidade ou doença mental, não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, incidirá o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B do CP). A situação de vulnerabilidade do ofendido acarreta o reconhecimento de delito mais grave. O conflito aparente de normas penais é solucionado pelo princípio da especialidade.
–A questão da pornografia infantil, de adultos e de vulneráveis: A pornografia envolvendo crianças e adolescentes constitui crimes disciplinados pela Lei 8.069/1990 (ECA), em seus arts. 240, 241 e 241-A a 241-E. O legislador pátrio ainda não incriminou a prostituição envolvendo pessoas maiores de idade e capazes. Se a vítima, embora maior de 18 anos, for vulnerável, incidirá algum dos delitos previstos nos arts. 217-A a 218-B do CP.
■Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa.
■Finalidade lucrativa e aplicação cumulativa da pena de multa: Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também a pena de multa (art. 228, § 3º do CP). Trata-se de mais uma hipótese de lenocínio mercenário ou questuário. Não se reclama a efetiva obtenção da vantagem econômica.
■Consumação: Nos núcleos “induzir”, “atrair” e “facilitar”, a consumação se dá no momento em que alguém passa a se dedicar com habitualidade ao exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual, ainda que não venha a atender nenhuma pessoa interessada em seus serviços. O crime é instantâneo. Nas modalidades “impedir” e “dificultar”, o delito atinge a consumação no instante em que a vítima decide abandonar a prostituição ou outra forma de exploração sexual, mas o sujeito não permite ou torna mais onerosa a concretização da sua vontade.5 Nesses casos, o crime é permanente, pois sua consumação se protrai no tempo, perdurando durante todo o período em que subsistirem os entraves proporcionados pela conduta ilícita. Embora a prostituição seja o comércio continuado de préstimos sexuais, esta habitualidade se limita ao comportamento do ofendido – o agente não precisa reiteradamente favorecer a prostituição ou outra forma de exploração sexual. Em todas as hipóteses, o crime é material ou causal, pois a consumação requer o efetivo exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual pela vítima.
■Tentativa: É possível, em face do caráter plurissubsistente do delito.
■Ação penal: É pública incondicionada.
■Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, não comportando a aplicação dos benefícios contidos na Lei 9.099/1995.
■Figuras qualificadas (art. 228, §§ 1º e 2º): Se a conduta criminosa enquadrar-se em mais de uma qualificadora, o julgador, ao fixar a pena, deve utilizar o § 2º como qualificadora, em face da sua maior gravidade, subsistindo o § 1º como circunstância judicial desfavorável (art. 59, caput, do CP).
–Art. 228, § 1º: As qualificadoras deste parágrafo relacionam-se com a qualidade do sujeito ativo e tais circunstâncias devem ser provadas por documento hábil (art. 155, § 1º, do CPP). Preceptor é a pessoa incumbida de acompanhar e orientar a educação de uma criança ou adolescente. No tocante ao delito cometido por ascendente, tutor ou curador, a condenação definitiva importa na incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela (art. 92, II, do CP), desde que este efeito seja motivadamente declarado na sentença. A expressão “ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”, indicativa do dever de agir para evitar o resultado (CP, art. 13, § 2º, a e b), deixa nítida a possibilidade de ser o crime praticado mediante omissão, inclusive autorizando a aplicação da forma qualificada.
–Art. 228, § 2º: Violência é o emprego de força física contra alguém, mediante lesão corporal ou vias de fato. A lei impõe o concurso material obrigatório entre a figura qualificada e o delito originário da violência, somando-se as penas. As vias de fato são absorvidas, em decorrência da sua subsidiariedade expressa (art. 21 do Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais). Grave ameaça é a promessa de mal injusto, grave e passível de realização. Fraude é o artifício ou ardil utilizado para ludibriar alguém. Estes meios de execução facilitam a prática do crime, pela coação ou pelo engano da vítima, e a ela causam maiores danos, justificando o tratamento penal mais severo.
■Jurisprudência selecionada:
Caracterização do delito: “Aquele que facilita, dando condições favoráveis à continuação ou ao desenvolvimento da prostituição, pratica o crime de favorecimento da prostituição” (STJ: HC 94.168/MG, rel. Min. Jane Silva – Desembargadora convocada do TJMG, 6ª Turma, j. 1º.04.2008).
Casa de prostituição
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:
Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
Classificação: Crime simples Crime comum Crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado Crime vago Crime de forma livre Crime comissivo (regra) Crime habitual Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual Crime plurissubsistente (regra)
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Informações rápidas: Objeto material: estabelecimento em que ocorre a exploração sexual, com ou sem intenção de lucro. A manutenção do estabelecimento por conta própria ou de terceiro independe da mediação direta do proprietário ou gerente. Elemento subjetivo: dolo (elemento subjetivo específico – intenção de manter o estabelecimento para exploração sexual). Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente – diverg). Ação penal: pública incondicionada. |
■Introdução: As casas de prostituição desempenham suas atividades em diversas cidades. O Estado, na maioria das vezes, faz vista grossa. Nada obstante a omissão estatal, com a consequente conivência da sociedade, não há falar em atipicidade material em face do princípio da adequação social. E muito menos em revogação da lei, como corolário do seu desuso. A lei penal só perde sua força sancionadora pelo advento de outra lei que a revogue. A indiferença social não é excludente da ilicitude ou mesmo da culpabilidade, razão pela qual não pode elidir o crime definido no art. 229 do Código Penal. A edição da Lei 12.015/2009, conferindo a atual redação do art. 229 do CP, demonstra a preocupação do legislador em incriminar essa conduta. Se o Estado não confere à lei sua efetiva aplicação, o problema não é de atipicidade, e sim de ineficiência dos órgãos responsáveis pela persecução penal. É indiscutível, porém, que a desídia do Estado e a pretensa aceitação pela sociedade abrem largo caminho para o instituto do erro de proibição (art. 21 do CP). A situação fática, que definirá a evitabilidade ou inevitabilidade do erro, poderá demonstrar que o sujeito, como corolário da realidade em que se encontrava, acreditava ser lícita a manutenção de estabelecimento para exploração sexual.
■Objeto jurídico: É a moralidade pública, no campo sexual, bem como os valores de integridade da sociedade.
■Objeto material: É o estabelecimento em que ocorre a exploração sexual, com ou sem intenção de lucro. Com a edição da Lei 12.015/2009, o campo de incidência do art. 229 do CP foi sensivelmente aumentado. A nomenclatura “manutenção de estabelecimento para exploração sexual” se revela mais técnica e adequada.
■Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é manter, ou seja, sustentar ou conservar estabelecimento em que ocorra exploração sexual. O verbo utilizado indica habitualidade, que pode ser comprovada por qualquer meio, não se exigindo a instauração de sindicância prévia pela Administração Pública, pela Polícia ou pelo Poder Judiciário. A manutenção do estabelecimento pode se dar por conta própria ou de terceiro. A falta de conhecimento da finalidade ilícita do estabelecimento para o qual alguém contribui na manutenção conduz à atipicidade do fato, em face da ausência do dolo. Em qualquer hipótese – manutenção do estabelecimento por conta própria ou de terceiro –, prescinde-se da mediação direta do proprietário ou gerente. O proprietário do estabelecimento pode delegar a administração a outrem, o que não afasta sua responsabilidade pelo crime. De igual modo, o gerente pode administrar os negócios no próprio local ou à distância.
■Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral). Trata-se do proxeneta – pessoa que mantém locais destinados a encontros libidinosos, ou funciona como mediador para a satisfação da lascívia de terceiros, o sujeito que atua como intermediário em relações sexuais alheias.
■Sujeito passivo: É a coletividade (crime vago). A pessoa maior de idade e capaz que se prostitui não é vítima, pois a prostituição, por si só, é irrelevante para o Direito Penal – sua opção em enveredar pela vida sexual desregrada também ofende a moralidade sexual, razão pela qual não pode ser ofendida pelo seu próprio comportamento.
–A prostituição de pessoas menores de 18 anos de idade: A conduta de manter local destinado à prostituição de pessoas menores de 18 anos e maiores de 14 anos de idade implica o reconhecimento do crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B, § 2º, II, do CP). Também responderá por este delito o cliente que praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso com as pessoas compreendidas na mencionada faixa etária (CP, art. 218-B, § 2º, I). Se existir no local a efetiva prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual de pessoa em situação de vulnerabilidade, estará caracterizado o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP).
■Elemento subjetivo: É o dolo, acrescido de um especial fim de agir, consistente na intenção de manter o estabelecimento para exploração sexual. A natureza habitual do delito está indissociavelmente ligada a este elemento subjetivo específico. O animus lucrandi é irrelevante para fins de tipicidade, devendo ser utilizado pelo magistrado na dosimetria da pena-base, nos termos do art. 59, caput, do CP. Não se admite a modalidade culposa.
■Consumação: A casa de prostituição é crime habitual, consumando-se com a efetiva manutenção do estabelecimento em que ocorra a exploração sexual, demonstrada pela reiteração de atos indicativos desta finalidade. Prescinde-se da prática de qualquer ato sexual. É também crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado, pois consuma-se com a prática da conduta legalmente descrita, independentemente da superveniência do resultado naturalístico, consistente na efetiva lesão da moralidade pública em seu aspecto sexual.
■Tentativa: É possível.
■Ação penal: É pública incondicionada.
■Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios elencados pela Lei 9.099/1995.
■Motéis, casas de massagem, saunas, drives in, boates, casas de relaxamento, hotéis de alta rotatividade e estabelecimentos análogos: Em princípio, a manutenção de tais estabelecimentos não configura o delito, pois não se destinam à exploração sexual. Se no caso concreto restar demonstrado que a denominação utilizada no estabelecimento destinava-se unicamente a acobertar sua verdadeira finalidade, consistente na exploração sexual, estará configurado o crime em estudo.
■Casa de prostituição, habitualidade e prisão em flagrante: A natureza habitual do crime de casa de prostituição não impede a prisão em flagrante do seu responsável.
■Jurisprudência selecionada:
Objetividade jurídica – princípio da adequação social – manutenção do tipo penal: “No crime de manter casa de prostituição, imputado aos pacientes, os bens jurídicos protegidos são a moralidade sexual e os bons costumes, valores de elevada importância social a serem resguardados pelo Direito Penal, não havendo que se falar em aplicação do princípio da fragmentariedade. Quanto à aplicação do princípio da adequação social, esse, por si só, não tem o condão de revogar tipos penais. Nos termos do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (com alteração da Lei n. 12.376/2010), ‘não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue’. Mesmo que a conduta imputada aos pacientes fizesse parte dos costumes ou fosse socialmente aceita, isso não seria suficiente para revogar a lei penal em vigor. Não compete ao órgão julgador descriminalizar conduta tipificada formal e materialmente pela legislação penal” (STF: HC 104.467/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, j. 08.02.2011).
Tolerância pela sociedade e desuso – tipicidade: “Esta Corte firmou compreensão de que a tolerância pela sociedade ou o desuso não geram a atipicidade da conduta relativa à pratica do crime do artigo 229 do Código Penal” (STJ: AgRg no REsp 1.167.646/RS, rel. Min. Haroldo Rodrigues – Desembargador convocado do TJMG –, 6ª Turma, j. 27.04.2010). No mesmo sentido: STJ: HC 108.891/MG, rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, j. 19.02.2009.
Vigência da lei penal: “O art. 229 do CPB tipifica a conduta do recorrido, ora submetida a julgamento, como sendo penalmente ilícita e a eventual leniência social ou mesmo das autoridades públicas e policiais não descriminaliza a conduta delituosa. A Lei Penal só perde sua força sancionadora pelo advento de outra Lei Penal que a revogue; a indiferença social não é excludente da ilicitude ou mesmo da culpabilidade, razão pela qual não pode ela elidir a disposição legal” (STJ: REsp 820.406/ RS, rel. originário Min. Arnaldo Esteves Lima, rel. p/ acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, j. 05.03.2009).
Rufianismo
Art. 230. Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 2º Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência.
Classificação: Crime simples Crime comum Crime material ou causal Crime de forma livre Crime comissivo (regra) Crime habitual Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual Crime plurissubsistente (regra) |
Informações rápidas: Objeto material: pessoa prostituída e explorada pelo rufião ou pela cafetina. “Tirar proveito”: o rufião explora dinheiro ou bens da pessoa prostituída, e não seu corpo (exige-se a habitualidade). Rufianismo ativo – cafetão; rufianismo passivo – gigolô. Elemento subjetivo: dolo (elemento subjetivo específico – intenção de, habitualmente, tirar proveito da prostituição alheia). Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente). Ação penal: pública incondicionada. |
■Introdução: Com a incriminação do rufianismo, a lei busca impedir a exploração das pessoas prostituídas. Embora a prostituição em si mesma não seja ilícita, o Código Penal não tolera a atividade daqueles que vivem à custa de quem se prostitui. O rufianismo consiste na conduta de aproveitar-se da prostituição alheia. O sujeito explora materialmente quem exerce a prostituição e, consequentemente, fomenta o comércio sexual, em oposição à moralidade pública que deve ser preservada, inclusive no âmbito sexual.
■Objeto jurídico: É a moralidade pública, em sua conotação sexual.
■Objeto material: É a pessoa prostituída e explorada pelo rufião ou pela cafetina.
■Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é “tirar” proveito, extrair vantagem econômica ou aproveitar-se materialmente da prostituição alheia. Não é imprescindível seja do agente a iniciativa da atividade – o crime subsiste na hipótese de oferecimento espontâneo da prostituta para ser explorada em sua renda. É indiferente se o rufião possui outras fontes de receita pecuniária, uma vez que não se exige sua dedicação exclusiva ao aproveitamento do comércio carnal de outrem. Exige-se a habitualidade, pois a finalidade da lei é punir o comportamento de quem faz da exploração da prostituição alheia seu modo de vida. O crime pode ser concretizado pelas seguintes maneiras:
a)tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros (rufianismo ativo) – o sujeito, chamado de cafetão, forma uma autêntica “sociedade empresarial” com a pessoa prostituída. Não há crime quando o agente reparte os lucros oriundos de outras atividades, a exemplo do aluguel de um imóvel percebido mensalmente pela prostituta, pois o tipo penal contém a elementar “diretamente”;
b)tirar proveito da prostituição alheia, fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça (rufianismo passivo) – o agente, conhecido como gigolô, não participa diretamente dos lucros advindos da prostituição, mas é sustentado por quem a exerce, aproveitando-se dos valores decorrentes do comércio sexual. O sustento não precisa ser obrigatoriamente em dinheiro. Como o tipo penal utiliza a expressão “no todo ou em parte”, não é preciso que o rufião subsista unicamente à custa da pessoa prostituída.
■Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral). Se o agente for ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou pessoa que tenha assumido, por lei ou outra forma, a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, incidirá a qualificadora delineada na parte final do § 1º do art. 230 do CP.
■Distinção entre rufião e proxeneta: Rufião, também conhecido como gigolô (rufianismo passivo) ou cafetão (rufianismo ativo), é a pessoa que vive da prostituição alheia. Proxeneta é o intermediário de encontros sexuais de terceiros, bem como aquele que mantém espaços reservados para tanto, auferindo ou não vantagem econômica. A diferença subsiste inclusive no tocante ao proxenitismo lucrativo, disciplinado no art. 228, § 3º, do CP. Com efeito, neste crime o sujeito obtém o lucro e se afasta (crime instantâneo), enquanto no rufianismo há percepção de lucros de forma continuada (crime habitual).
■Sujeito passivo: É a pessoa que exerce a prostituição, explorada pela conduta criminosa, independentemente do seu sexo. Se a vítima for pessoa menor de 18 e maior de 14 anos, o crime será qualificado (art. 230, § 1º, primeira parte, do CP). O fundamento do tratamento penal mais severo reside nos males causados à pessoa em fase de desenvolvimento físico, moral e psicológico.
–A questão da vulnerabilidade da vítima e art. 218-B, § 1º, do CP: se a vítima for pessoa vulnerável, estará caracterizado o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B do CP, com aplicação cumulativa da pena de multa, nos termos do § 1º, em face da indisfarçável intenção de obter vantagem econômica).
■Elemento subjetivo: É o dolo, acrescido de um especial fim de agir, consistente da intenção de, habitualmente, tirar proveito da prostituição alheia (inerente à natureza habitual do rufianismo). Não se admite a modalidade culposa.
■Consumação: O rufianismo é crime material ou causal: consuma-se com o efetivo proveito obtido pelo agente em decorrência da prostituição alheia. Exige-se a habitualidade, razão pela qual o aproveitamento deve ser duradouro, mas não necessariamente eterno, descartando-se as vantagens eventuais.
■Tentativa: É possível.
■Ação penal: É pública incondicionada.
■Lei 9.099/1995: Em sua modalidade fundamental (caput), o rufianismo é crime de médio potencial ofensivo – cabe a suspensão condicional do processo, se presentes os demais requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995. Nas formas qualificadas (§§ 1º e 2º), o rufianismo constitui-se em crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios elencados na Lei 9.099/1995.
■Figuras qualificadas (art. 230, §§ 1º e 2º): As qualificadoras do § 1º estão relacionadas à idade da vítima e à qualidade do sujeito ativo. Tais circunstâncias devem ser provadas por documento hábil (art. 155, § 1º, do CPP). Em relação ao crime praticado por ascendente, tutor ou curador, a condenação definitiva importa na incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela (art. 92, II, do CP), desde que este efeito seja motivadamente declarado na sentença, pois cuida-se de crime doloso, punido com reclusão e cometido contra filho, tutelado ou curatelado. Preceptor é a pessoa incumbida de acompanhar e orientar a educação de uma criança ou adolescente. A fórmula final – “se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância” – é indicativa do dever de agir (art. 13, § 2º, do CP), e deve ser interpretada extensivamente. De acordo com o § 2º, o crime será qualificado se houver uso de violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima. A lei impõe o concurso material obrigatório entre o rufianismo qualificado e o crime resultante da violência. As vias de fato são absorvidas pelo rufianismo (art. 21 do Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais). Grave ameaça é a promessa de mal injusto, grave e passível de realização. Fraude é o artifício ou ardil utilizado para ludibriar alguém. Finalmente, o legislador se valeu da interpretação analógica (ou intra legem). Se a conduta criminosa enquadrar-se em mais de uma qualificadora, o juiz deve utilizar a mais grave como qualificadora, e a remanescente como circunstância judicial desfavorável (art. 59, caput, do CP).
■Rufianismo e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual: Se o sujeito induz ou atrai alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, e habitualmente tira proveito desta atividade, deve ser responsabilizado pelos crimes de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (CP, art. 228) e de rufianismo (CP, art. 230), em concurso material. O STJ, contudo, já decidiu em sentido contrário, em época anterior à edição da Lei 12.015/2009, mas com motivação válida para os dias atuais.
■Jurisprudência selecionada:
Rufianismo – absorção do favorecimento da prostituição: “Menor, trabalhando para o paciente, com a função de fazer programas com homens e mulheres, com ele dividia o dinheiro auferido, sendo, então, patente a sua condição de sócio oculto do incapaz que, na dicção de Nélson Hungria, funcionava como sócio de indústria. Nestas circunstâncias, não obstante o angariamento de clientes a indicar, in thesi, o favorecimento à prostituição, este delito foi absorvido pelo de rufianismo, pela preponderância do indevido proveito, consubstanciado na participação nos lucros. Em suma, o menor exercia a prostituição e o paciente dela tirava proveito direto, numa espécie de sociedade” (STJ: HC 8.914/MG, rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, j. 16.11.1999).
Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual
Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2º A pena é aumentada da metade se:
I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Informações rápidas: Objeto material: pessoa levada ao exterior ou trazida ao Brasil para o fim de exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual. Consentimento do ofendido: é irrelevante pois o jurídico protegido é indisponível e ligado à coletividade em geral. Elemento subjetivo: dolo (elemento subjetivo específico – intenção do agente de colaborar com a prostituição ou outra forma de exploração sexual da pessoa que faz entrar ou sair do país). Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente). Ação penal: pública incondicionada. Competência: Justiça Federal. |
■Introdução: O “tráfico de pessoas” é apontado como uma das atividades criminosas mais lucrativas do mundo, fazendo milhões de vítimas e movimentando bilhões de dólares por ano, segundo dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Atualmente, este crime está relacionado a outras práticas criminosas e de violações aos direitos humanos, servindo não apenas à exploração de mão de obra escrava. Estimativas do UNODC indicam que a exploração sexual é a forma de tráfico de pessoas com maior frequência (79%), seguida do trabalho forçado (18%), atingindo, especialmente, crianças, adolescentes e mulheres. O tráfico de pessoas não é um problema só dos países de origem das vítimas, mas também dos de trânsito e de destino, que devem coibir, principalmente, o consumo de produtos deste crime. É preciso que a comunidade internacional esteja comprometida com a melhoria das condições socioeconômicas dos grupos sociais mais vulneráveis, uma vez que não pode haver enfrentamento ao tráfico de pessoas sem desenvolvimento social.6 No art. 231 do CP, o legislador volta sua atenção ao tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual, mediante o exercício da prostituição ou de outra atividade análoga.
■Objeto jurídico: É a moralidade sexual reinante na sociedade, bem como a dignidade sexual da pessoa submetida ao tráfico internacional para o fim de exploração sexual.
■Objeto material: É a pessoa levada ao exterior ou trazida ao Brasil para o fim de exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual.
■Núcleos do tipo: O tipo penal contempla dois núcleos: promover (dar causa, fazer algo, tornar possível) e facilitar (simplificar, auxiliar alguém a superar obstáculos), ambos relacionados à entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou à saída para exercer tais atividades no estrangeiro. No núcleo “promover”, o interesse precípuo é do lenão (pessoa que vive do comércio da prostituição ou outra forma de exploração sexual), e a vítima encontra-se em situação de passividade. No verbo “facilitar” o interesse maior é o da pessoa traficada, que se socorre do auxílio do empresário do sexo. Seu comportamento é ativo, pois ela já tinha a vontade de exercer a prostituição, mas acaba explorada pelo sujeito em troca da facilitação para a entrada ou saída do País. A entrada e a saída do território nacional podem realizar-se tanto de modo regular como irregular – em qualquer das hipóteses o delito estará configurado.
■Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral). A pena será aumentada de metade se o agente encontrar-se em qualquer das situações descritas no art. 231, § 2º, III, do CP.
■Sujeito passivo: Qualquer pessoa, e também a coletividade ferida em sua moralidade no âmbito sexual. O consentimento do ofendido é irrelevante, pois o bem jurídico protegido é indisponível e ligado à coletividade em geral. Se figurarem como vítimas os menores de 18 anos de idade e portadores de doenças ou enfermidades mentais, a pena será aumentada da metade. Logo, a modalidade fundamental do crime (CP, art. 231, caput) é reservada para as demais pessoas, com idade igual ou superior a 18 anos e mentalmente sãs, quando submetidas ao tráfico internacional para fim de exploração sexual. O Decreto 5.017/2004, responsável pela promulgação do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, dispõe expressamente nesse sentido.
■Elemento subjetivo: É o dolo, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico), consistente na intenção do agente de colaborar com a prostituição ou outra forma de exploração sexual da pessoa que faz entrar ou sair do País. Não se admite a modalidade culposa.
■Crime cometido com o fim de obter vantagem econômica e aplicação cumulativa da pena de multa (art. 231, § 3º): Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também a pena de multa. Não se exige a efetiva obtenção do lucro.
■Consumação: Cuida-se de crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se com a entrada no território nacional, ou com a saída dele, da pessoa que irá exercer a prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual. O efetivo exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual funciona como exaurimento, a ser considerado na dosimetria da pena base (art. 59, caput, do CP). Basta o tráfico de uma única pessoa. O crime é instantâneo, e prescinde da habitualidade.
■Tentativa: É possível.
■Ação penal: É pública incondicionada, em todas as modalidades do delito.
■Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios contidos na Lei 9.099/1995.
■Figuras equiparadas (art. 231, § 1º): O dispositivo legal em análise busca alcançar todas as demais pessoas, diversas do traficante, relacionadas ao tráfico internacional para fim de exploração sexual. Por essa razão, a lei previu diversos núcleos, com o escopo de abarcar qualquer ligação ao tráfico que possa surgir no caso concreto. Agenciar é atuar como empresário, representar alguém;7 aliciar equivale a recrutar ou atrair; comprar, no crime em apreço, significa adquirir a pessoa traficada; transportar é levar de um local para outro; transferir é deslocar, mudar de local; e alojar é abrigar, hospedar ou acomodar alguém em determinado local. Nos três últimos núcleos somente se admite o dolo direto, pois a lei utiliza a expressão “tendo conhecimento dessa condição”.
■Causas de aumento da pena (art. 231, § 2º): A pena será aumentada:
a)se a vítima for menor de 18 anos (criança ou adolescente, nos termos do art. 2º, caput, da Lei 8.069/1990). A idade do ofendido deve ser provada por documento hábil (art. 155, § 1º do CPP);
b)se a vítima, por enfermidade ou doença mental, não tiver o necessário discernimento para a prática do ato;
c)se o agente for ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância (não se aumenta a pena na hipótese de crime praticado por descendente, embora a lei tenha exasperado a situação do enteado). Preceptor é a pessoa incumbida de acompanhar e orientar a educação de uma criança ou adolescente. A fórmula final “se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”, é indicativa do dever de agir (art. 13, § 2º, do CP). Na hipótese de crime praticado por ascendente, tutor ou curador, a condenação com trânsito em julgado implica a incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela (art. 92, II, do CP), desde que este efeito seja motivadamente declarado na sentença, pois o delito é doloso, punido com reclusão e cometido contra filho, tutelado ou curatelado;
d)se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude – violência é o emprego de força física contra a vítima, mediante lesão corporal ou vias de fato; grave ameaça é a promessa de mal injusto, grave e passível de realização; fraude é o artifício ou ardil destinado a ludibriar a vítima. Tais meios de execução facilitam a empreitada criminosa, pois subjugam ou enganam a vítima, reduzindo sua possibilidade de resistência. Esta causa de aumento de pena deixa nítido que, no caput, o consentimento do ofendido não exclui o delito, caracterizando-o em sua modalidade fundamental.
■Competência: O Brasil é signatário da Convenção para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, aprovada pelo Decreto Legislativo 06/1958 e promulgada pelo Decreto 46.981/1950. Além disso, o tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual é crime à distância, pois sua execução tem início em território nacional, e o resultado ocorre ou ao menos deveria ocorrer em país diverso, ou vice-versa. Destarte, é competente a Justiça Federal, com fundamento do art. 109, V, da Constituição Federal.
■Jurisprudência selecionada:
Competência: “Ainda que assim não fosse, há que se destacar que da reduzida documentação anexada ao presente mandamus, tem-se que o crime de rufianismo imputado à paciente seria conexo ao delito de tráfico internacional de pessoas, a ela também atribuído, e cuja competência é da Justiça Federal, o que afasta a mácula aventada na impetração” (STJ: HC 208.421/BA, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 09.11.2011).
Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual
Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2º A pena é aumentada da metade se:
I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
■Tráfico interno e tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual: O crime de tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual em muito se assemelha ao tráfico internacional para igual finalidade, tipificado no art. 231. Assim, convém analisar unicamente as diferenças entre tais crimes. Em relação aos demais pontos, ver comentários ao art. 231 do CP. As diferenças repousam na pena cominada, na área de aplicação do delito e na competência.
■Pena: A pena do tráfico interno também é de reclusão, de dois a seis anos, porém inferior à do tráfico internacional, de três a oito anos. O tratamento penal mais severo deste último se justifica pelos maiores riscos ocasionados à vítima, levada em regra sem parentes ou conhecidos a outro país, normalmente com cultura e idioma distintos, bem como na elevada dificuldade em retornar ao seu local de origem. Em ambos os casos, há previsão de aplicação cumulativa da pena de multa quando o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica.
■Área de incidência: A área de incidência de cada um dos tipos penais igualmente varia. A lei contemplou tratamento diverso em decorrência da diferença geográfica. No tráfico internacional, a pessoa precisa entrar ou sair do Brasil; no tráfico interno, por seu turno, o deslocamento se verifica no território nacional, entre cidades, pertencentes ou não ao mesmo Estado, ou entre alguma cidade e o Distrito Federal.
■Competência: O tráfico interno é de competência da Justiça Estadual, ao contrário do tráfico internacional, inserido entre os crimes de competência da Justiça Federal (CF, art. 109, V).
Art. 232. (Revogado).
■Revogação: O art. 232 do CP foi expressamente revogado pela Lei 12.015/2009.
Ato obsceno
Art. 233. Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Classificação: Crime simples Crime comum Crime de mera conduta ou de simples atividade Crime de perigo abstrato Crime de forma livre Crime comissivo (regra) Crime vago Crime instantâneo Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual Crime plurissubsistente (regra) |
Informações rápidas: Objeto material: pessoa ou o grupo de pessoas contra as quais se dirige o ato obsceno (ou coletividade, o destinatário for indeterminado). Elemento normativo do tipo: ato obsceno. Elemento subjetivo: dolo. Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente – diverg). Ação penal: pública incondicionada.
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■Objeto jurídico: É o pudor público.
■Objeto material: É a pessoa ou o grupo de pessoas contra as quais se dirige o ato obsceno, ou então a coletividade, nas situações em que o ato não tem como destinatária uma pessoa determinada.
■Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é praticar, no sentido de realizar ou executar ato obsceno. Ato obsceno é o ato dotado de sexualidade, idôneo a ferir o sentimento médio de pudor de determinada sociedade em dado momento histórico. Não precisa voltar-se à satisfação da lascívia de alguém, bastando sua conotação sexual. A expressão “ato obsceno” representa autêntico elemento normativo do tipo – sua compreensão reclama um juízo de valor, a ser aferido em compasso com o princípio da adequação social. Exige-se uma conduta positiva, um fazer, uma expressão corporal. A mera verbalização de palavras obscenas, com carga sexual, caracteriza a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (art. 61 do Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais).
■Local do ato obsceno: Somente se verifica o delito quando o ato obsceno é praticado em algum dos seguintes locais expressamente indicados no tipo penal: (a) Lugar público (lugar público por natureza) é aquele a que todas as pessoas têm acesso irrestrito; (b) Lugar aberto ao público (lugar relativamente público ou lugar público por destino) é aquele no qual qualquer pessoa pode ingressar, ainda que deva se sujeitar a determinadas condições, tais como revista pessoal ou pagamento de valores. Equipara-se ao lugar aberto ao público o local particular, quando utilizado pelas pessoas em geral, mesmo sem o consentimento do seu proprietário (lugar eventualmente público ou lugar público por acidente); e (c) Lugar exposto ao público é o local privado, mas acessível à vista de quem quer que seja. Não admite a acessibilidade física das pessoas em geral, mas permite a acessibilidade visual. O reconhecimento de um lugar como exposto ao público reclama a possibilidade de ser visto de outro local público. Se o ato for praticado em local privado, passível de ser visto unicamente de lugar de igual natureza, não há falar em ato obsceno, podendo caracterizar a contravenção penal de perturbação da tranquilidade (art. 65 do Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais). Em relação aos três lugares a lei não exige seja o ato efetivamente visto, bastando a possibilidade de ver-se.
■Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral).
■Sujeito passivo: É a coletividade (crime vago) e, em plano secundário, a pessoa que eventualmente tenha presenciado o ato.
■Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa.
■Consumação: Consuma-se com a prática do ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público, ainda que não seja presenciado por qualquer pessoa, desde que pudesse sê-lo (crime de mera conduta ou de simples atividade). O delito também estará consumado quando quem assistiu ao ato não se sentiu ofendido, pois o bem jurídico tutelado é o pudor da coletividade. É também crime de perigo abstrato, pois a lei presume e se contenta com a probabilidade de ofensa ao pudor público em decorrência da conduta criminosa.
■Tentativa: É cabível, em face da natureza plurissubsistente do delito.
■Ação penal: É pública incondicionada.
■Lei 9.099/1995: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, de competência do Juizado Especial Criminal e compatível com a transação penal e o rito sumaríssimo, em sintonia com as disposições da Lei 9.099/1995.
■Concurso de crimes: Se, no mesmo contexto fático, o sujeito realiza diversos atos obscenos, estará configurado um único crime. Se as condutas forem cometidas em locais e em momentos distintos, a ele deverão ser imputados vários crimes, em concurso material ou em continuidade delitiva, se presentes os demais requisitos exigidos pelo art. 71, caput, do CP. Também é possível o concurso com algum outro delito.
■A questão relativa à liberdade de expressão: O pudor público varia no tempo e seu conceito deve ser interpretado com base nos valores reinantes em cada sociedade. Muitas vezes, atos em tese considerados obscenos são indicativos da liberdade de expressão, notadamente nos dias atuais (exemplo: passeatas de pessoas nuas em reivindicação a determinados direitos). Em outras situações, a manifestação da indecência, da deselegância e da falta de educação não pode ensejar a atuação do Direito Penal, reservada para casos extremos, em obediência ao princípio da subsidiariedade (ultima ratio).
■A questão do beijo em local público: O exagero desmedido em beijos voluptuosos em determinados locais públicos pode, excepcionalmente, caracterizar ato obsceno, inclusive constrangendo as pessoas em razão do ataque ao pudor coletivo.
■Ato obsceno e contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (art. 61, Decreto-Lei 3.688/1941): A diferença entre a contravenção penal e o crime de ato obsceno é de grau (quantitativa). As condutas mais ofensivas ao pudor público configuram o delito, enquanto as mais brandas ensejam a importunação ofensiva ao pudor. O ato obsceno reclama a prática de um ato, um comportamento positivo atentatório ao pudor público, pois o tipo penal contém a expressão “praticar ato obsceno”. Na contravenção penal bastam palavras ou gestos capazes de molestar alguém, e a lei se limita a falar em “importunar alguém”, o que denota seu caráter residual, aplicando-se às hipóteses em que não ocorra a prática de ato obsceno.
■Jurisprudência selecionada:
Falta de educação – ato obsceno – distinção: “Se o gesto deseducado do vereador, na Câmara, em meio a desentendimento, é hoje em dia, algo que dificilmente poderia ofender o sentimento médio de pudor, não há que se falar de ato obsceno. A exteriorização do pensar, em meio a atrito, no exercício da atividade, faz incidir a inviolabilidade prevista na Carta Magna. O evento não poderia ter adentrado à esfera penal” (STJ: HC 7.332/SP, rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, j. 18.02.1999).
Liberdade de expressão – fato atípico: “Ato obsceno (art. 233 do Código Penal). Simulação de masturbação e exibição das nádegas, após o término de peça teatral, em reação a vaias do público. Discussão sobre a caracterização da ofensa ao pudor público. Não se pode olvidar o contexto em se verificou o ato incriminado. O exame objetivo do caso concreto demonstra que a discussão está integralmente inserida no contexto da liberdade de expressão, ainda que inadequada e deseducada. A sociedade moderna dispõe de mecanismos próprios e adequados, como a própria crítica, para esse tipo de situação, dispensando-se o enquadramento penal” (STF: HC 83.996/RJ, rel. originário Min. Carlos Velloso, rel. para acórdão Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 17.08.2004).
Escrito ou objeto obsceno
Art. 234. Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:
I – vende, distribui ou expõe à venda ou ao público qualquer dos objetos referidos neste artigo;
II – realiza, em lugar público ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição cinematográfica de caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo caráter; e
III – realiza, em lugar público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição ou recitação de caráter obsceno.
Classificação: Crime simples Crime comum Crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado Crime de perigo abstrato Crime de forma livre Crime comissivo (regra) Crime vago Crime instantâneo (“fazer”, “importar”, “exportar” e “adquirir”) ou permanente (“ter sob sua guarda”) Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual Crime plurissubsistente (regra) |
Informações rápidas: Princípio da adequação social: possibilidade de incidência ante a ausência de tipicidade material dos comportamentos incriminados. Objeto material: coisas materiais, corpóreas revestidas de conotação sexual e atentatórias ao pudor público. Elemento subjetivo: dolo (elemento subjetivo específico – “para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública”). Não admite modalidade culposa. Tentativa: admite (crime plurissubsistente). Ação penal: pública incondicionada. |
■Introdução: O crime de escrito ou objeto obsceno é figura típica ultrapassada e em total desuso, de parte da população e também do Estado. Exemplificativamente, revistas com capas pornográficas, jornais com fotos eróticas e filmes com conotação sexual são rotineiramente exibidos em bancas e lojas. É sabido que os costumes e a falta de utilização de uma lei não autorizam sua revogação. O legislador já deveria ter observado o pensamento da coletividade no tocante a crimes desta natureza, mas, enquanto não age, resta ao intérprete invocar o princípio da adequação social, concluindo pela ausência de tipicidade material dos comportamentos incriminados.
■Objeto jurídico: É o pudor público.
■Objeto material: É o escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno, ou seja, revestido de conotação sexual e atentatório ao pudor público.
■Núcleos do tipo: Fazer é fabricar, criar, elaborar; importar consiste em efetuar a entrada de algo no território nacional; exportar significa tirar alguma coisa do nosso país; adquirir é obter a propriedade de um bem, a título oneroso ou gratuito; e ter sob sua guarda é possuir a coisa em depósito, para utilização imediata ou futura. Cuida-se de tipo misto alternativo, crime de ação múltipla ou de conteúdo variado: a realização de mais de um dos núcleos do tipo, no tocante ao mesmo objeto material e no mesmo contexto fático, caracteriza um único delito.
■Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral).
■Sujeito passivo: É a coletividade (crime vago), atacada em seu pudor, e, mediatamente, a pessoa atingida pelo escrito ou objeto obsceno.
■Elemento subjetivo: É o dolo, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico), representado pela expressão “para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública”. Não se admite a modalidade culposa.
■Consumação: Cuida-se de crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se com a realização de qualquer das condutas legalmente descritas, independentemente da produção do resultado naturalístico. Trata-se de crime de perigo abstrato, pois a lei presume a probabilidade de ofensa ao pudor público, e dispensa a sua efetiva lesão.
■Tentativa: É possível.
■Ação penal: É pública incondicionada.
■Lei 9.099/1995: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, de competência do Juizado Especial Criminal e compatível com a transação penal e o rito sumaríssimo, em sintonia com as disposições da Lei 9.099/1995.
■Figuras equiparadas: O inciso I diz respeito à comercialização do escrito ou objeto obsceno. No inciso II, a lei se volta à representação teatral, à exibição cinematográfica ou qualquer outro espetáculo de caráter obsceno. Representação teatral é a interpretação para o público, mediante cenas, de história fictícia ou verídica. Exibição cinematográfica é a mostra de película produzida para o cinema. O legislador se vale da interpretação analógica (ou intra legem), ao utilizar a expressão “qualquer outro obstáculo”, referindo-se a eventos similares, mas diversos da representação teatral e da exibição cinematográfica. Todos devem possuir caráter obsceno, ou seja, atentatórios à moralidade publica na esfera sexual. O inciso III tem como foco a audição (atividade de fazer ouvir) ou recitação (a leitura de um texto em alto e claro som) de caráter obsceno.
■Escrito ou objeto obsceno e Estatuto da Criança e do Adolescente: A Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – prevê em seus arts. 240, 241, 241-A, 241-B e 241-C, todos com a redação determinada pela Lei 11.829/2008, condutas similares às delineadas no art. 234 do CP, mas envolvendo pessoas menores de 18 anos de idade. Em face do envolvimento de pessoas ainda em fase de formação (física, intelectual e moral), e mais vulneráveis às atividades ilícitas, não se pode tolerar comportamentos deste jaez, criminosos e extremamente covardes. Nesse ponto, o legislador agiu acertadamente ao cominar penas severas e adequadas à gravidade dos delitos.
■Jurisprudência selecionada:
Princípio da adequação social – afastamento: “O princípio da adequação social não pode ser usado como neutralizador, in genere, da norma inserta no art. 234 do Código Penal. Verificado, in casu, que a recorrente vendeu a duas crianças revista com conteúdo pornográfico, não há se falar em atipicidade da conduta, afastando-se, por conseguinte, o pretendido trancamento da ação penal” (STJ: RHC 15.093/SP, Rel. Min. Félix Fischer, 5ª Turma, j. 12.06.2006).
■Aplicação: As regras contidas nos arts. 234-A e 234-B do CP, introduzidas pela Lei 12.015/2009, são aplicáveis a todos os crimes contra a dignidade sexual.
Aumento de pena
Art. 234-A. Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada:
I – (Vetado);
II – (Vetado);
III – de metade, se do crime resultar gravidez;
IV – de um sexto até a metade, se o agente transmite à vitima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador.
■Natureza jurídica: O art. 234-A do CP versa sobre causas de aumento da pena relacionadas aos crimes contra a dignidade sexual. Incidem, portanto, na terceira e derradeira etapa da fixação da pena privativa de liberdade, podendo elevá-la acima do máximo legalmente previsto.
■A gravidez como resultado do crime (art. 234-A, III): A pena será aumentada de metade se do crime resultar gravidez. Exige-se a realização de exame pericial, destinado a provar a gravidez e sua relação de causalidade com a conduta criminosa. A preocupação do legislador tem em mira principalmente o estupro (CP, art. 213) e o estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), embora a gravidez também possa ser fruto de outros delitos, a exemplo da violação sexual mediante fraude (CP, art. 215). A gravidez como produto do estupro é tão grave que a lei admite, nesse caso, a prática do aborto (aborto sentimental ou humanitário – art. 128, II, do CP).
■Obrigatoriedade do aumento e equívoco legislativo: O inc. III do art. 234-A do Código Penal deixa nítida a obrigatoriedade do aumento da pena quando resultar gravidez. O legislador agiu de boa-fé, mas sua ingenuidade enseja a verificação de situações injustas e desproporcionais. Com efeito, o aumento é acertado quando a gravidez resultar do estupro envolvendo pessoas desconhecidas. Os danos ocasionados à mulher e a autorização legal para o aborto, inserindo a vítima em difícil dilema (abortar ou não abortar), fundamentam o tratamento penal mais severo. Além disso, se a criança vier a nascer, provavelmente não terá contato algum com seu genitor. Contudo, outras hipóteses podem ocorrer. Inicialmente, é possível, após a prática do estupro e a constatação da gravidez, o casamento entre a vítima e o estuprador. No entanto, não para por aí. No estupro de vulnerável, com o consentimento nulo da vítima (exemplo: relação sexual entre um homem e sua vizinha portadora de doença mental), resultando a gravidez, nada impede a constituição de família, inclusive com a demonstração do amor verdadeiro entre homem e mulher. O estupro de vulnerável se processa mediante ação penal pública incondicionada (CP, art. 225, parágrafo único). E o estupro, via de regra, é crime de ação penal pública condicionada (CP, art. 225, caput), e normalmente a representação será ofertada antes da constatação da gravidez. Nesses casos, a lei impõe o aumento da pena pela metade. Seria mais acertado, contudo, se a exasperação tivesse sido prevista como faculdade, transferindo seu exame à prudente análise do magistrado na situação concreta.
■Crime praticado pela mulher e gravidez: Se o delito for praticado por uma mulher, e vindo esta a engravidar em decorrência do seu ato, aplica-se a causa de aumento da pena contida no art. 234-A, III, do CP? A resposta é negativa. O objetivo da lei é alcançar somente as situações, mais frequentes, em que a mulher aparece como vítima do estupro. Como corolário do princípio da alteridade, a pena não pode ser aumentada quando a própria autora surge como prejudicada pelo crime. Também não será admitido o aborto (o art. 128, II, do CP igualmente se destina à proteção da mulher que for vítima de crime contra a dignidade sexual).
■Transmissão de doença sexualmente transmissível (art. 234-A, IV): Se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, a pena será aumentada de um sexto até a metade. A doença deve ser efetivamente transmitida, sendo imprescindível o exame pericial para comprovar a transmissão e sua respectiva causa. Doenças sexualmente transmissíveis são as moléstias transmitidas por vírus, bactérias, fungos ou protozoários, normalmente pela via sexual, embora algumas delas sejam passíveis de transmissão por outros meios, como é o caso da transfusão de sangue. É indiferente seja a doença suscetível de cura pela medicina. A incidência da causa de aumento da pena depende da presença do dolo direto ou eventual.
■O aumento da pena e o crime de perigo de contágio venéreo: Antes da entrada em vigor da Lei 12.015/2009, se do crime sexual resultava a contaminação da vítima pela doença sexualmente transmissível, o agente era responsabilizado pelo crime sexual e pelo perigo de contágio venéreo (art. 130 do CP, em concurso formal). Atualmente deve o sujeito ser responsabilizado pelo crime contra a dignidade sexual, aumentando-se a pena de um sexto até metade (art. 234-A, III, do CP). O delito de perigo de contágio venéreo é absorvido pela majorante, afastando-se o bis in idem.
■Gravidez, doença sexualmente transmissível e uso de preservativo ou método contraceptivo: Se ocorrer o resultado agravador, a pena há de ser aumentada, ainda que o sujeito tenha tomado cautelas que se mostraram ineficazes para evitar a gravidez ou a doença sexualmente transmissível, como a utilização de preservativo, ou qualquer outro método contraceptivo. Basta o dolo de praticar o crime contra a dignidade sexual.
■Jurisprudência selecionada:
Gravidez – aumento da pena: “No caso, a gravidez da vítima, filha do paciente, não pode ser considerada fato inerente ao crime de estupro. Tal circunstância, por si só, justifica o aumento da pena-base em 6 meses, ante a gravidade das consequências – nascimento de pessoa, em razão de relação incestuosa, e que, segundo as instâncias ordinárias, era indesejada. A gravidez causada por estupro já foi considerada como motivo válido para o aumento da pena-base por esta Turma: HC 86.513/MT, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe de 22.09.2008. Apenas ad argumentandum, é circunstância válida para o aumento da pena-base o fato de o paciente conviver em ambiente familiar a vítima, tendo a prática delituosa ocorrido durante a ausência de sua esposa do lar. Não há bis in idem entre as primeira e terceira fases da dosimetria da pena no caso. Na majorante do art. 226, inciso II, do Código Penal, não se prevê somente condições referentes ao poder familiar; há também relativas ao poder patronal, por exemplo (‘ser o agente ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela’). Não se pode considerar, portanto, que a coabitação tenha sido prevista pelo legislador na causa de aumento em questão, que, repita-se, não prevê apenas condições referentes ao pátrio poder” (STJ: HC 137.719/MG, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 16.12.2010).
Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça.
■Fundamento constitucional: Nos processos em geral, incluindo os de natureza penal, vigora o princípio da publicidade plena. Os atos processuais, em regra, são públicos, pois todas as pessoas são titulares do direito à informação. No entanto, em hipóteses excepcionais a Constituição Federal autoriza a publicidade restrita, limitando o acesso aos atos processuais a determinadas pessoas, normalmente as partes e seus procuradores (art. 5º, LX e art. 93, IX, da Lei Suprema). Nos crimes contra a dignidade sexual é indiscutível a relação entre o segredo de justiça e o direito à intimidade da vítima, pois muitas vezes o prejuízo causado pela publicidade chega a ser mais gravoso do que o próprio delito. Assim, andou bem o legislador ao traçar a norma contida no art. 234-B do CP, a qual se encontra em sintonia com a sistemática consagrada na CF. Portanto, somente o juiz, o Ministério Público, a defesa, o réu e os auxiliares da Justiça terão acesso aos autos. Veja-se, por oportuno, que o art. 234-B do CP encontra-se na mesma direção do art. 201, § 6º, do CPP: “O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação”. O segredo de justiça deve imperar durante todo o trâmite da ação penal, inclusive na fase recursal.
■Necessidade de segredo de justiça na fase investigatória: A lei assegurou o segredo de justiça exclusivamente durante a ação penal, mas, para que a norma seja eficaz, é fundamental a extensão do segredo de justiça à fase investigatória.
Art. 234-C. (Vetado).
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1STJ: HC 144.870/DF, rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, j. 09.02.2010.
2A dignidade da pessoa humana representa um conjunto de garantias positivas e negativas. Garantias negativas no sentido de que o ser humano não pode ser objeto de discriminações e humilhações, e positivas relativamente à garantia de pleno desenvolvimento das suas capacidades individuais (PEREZ LUÑO, Antonio Henrique. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. Madrid: Tecnos, 2003. p. 319).
3NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 10. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 916.
4PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 8. ed. São Paulo: RT, 2010. v. 2, p. 604.
5No verbo “dificultar”, o crime estará consumado mesmo que a vítima supere os obstáculos e consiga abandonar a prostituição ou outra forma de exploração sexual.
6Estas informações foram obtidas extraídas do sítio eletrônico do Ministério da Justiça, no item Segurança Pública – Tráfico de Pessoas, acesso em 15 de julho de 2012.
7O núcleo “intermediar”, existente antes da entrada em vigor da Lei 12.105/2009, foi substituído pelo verbo “agenciar”. Portanto, a conduta do intermediário agora se amolda ao § 1º do art. 231 do Código Penal. Não há falar, portanto, em abolitio criminis em relação ao comportamento de “intermediar”, e sim em mera modificação formal. O fato continua revestido de tipicidade penal.