TÍTULO VII
DOS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA

Fundamento constitucional: O fundamento dos crimes contra a família encontra-se no art. 226, caput, da Constituição Federal. A razão da preocupação constitucional é louvável, pois não se discute que a pessoa humana se forma no seio familiar. O sentimento familiar é força potente de moralidade, trabalho e sacrifício, e por isso deve ser não apenas respeitado e favorecido, mas energicamente protegido, inclusive pelo Direito Penal. Nesse sentido, a instituição da família desponta como bem jurídico nitidamente comunitário e imprescindível ao desenvolvimento humano. A previsão de crimes contra a família não exclui a proteção da instituição familiar por outros ramos do ordenamento jurídico, especialmente pelo Direito Civil, o que demonstra a manifestação do princípio da fragmentariedade, também conhecido como caráter fragmentário do Direito Penal.

Capítulo I
DOS CRIMES CONTRA O CASAMENTO

Fundamento: Os §§ 1º, 2º e 6º do art. 226 da CF fazem menção ao casamento, demonstrando a importância desta instituição e, consequentemente, conferindo legitimidade à previsão legal dos crimes definidos nos arts. 235 a 239 do Código Penal. A defesa do matrimônio tem como finalidade a tutela de interesses públicos e sociais, razão pela qual não pode ser olvidada pelo Estado.

União estável e analogia: A união estável, nada obstante a regra traçada pelo art. 226, § 3º, da Constituição Federal, não é alcançada pela proteção assegurada pelo Código Penal ao casamento, em face da inadmissibilidade da analogia in malam partem no campo das normas penais incriminadoras.

Bigamia

Art. 235. Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:

Pena – reclusão, de dois a seis anos.

§ 1º Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos.

§ 2º Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.

Informações rápidas:

O tipo abrange a poligamia.

Objeto material: casamento (entre homem e mulher). Separação judicial ou extrajudicial. União estável não pode ser utilizada como pressuposto do crime.

Pressupõe matrimônio válido anterior (pessoa solteira, viúva ou divorciada que sabe do impedimento do outro contraente – exceção pluralística à teoria monista).

Admite participação.

Elemento subjetivo: dolo (não admite modalidade culposa).

Tentativa: admite (há divergência).

Ação penal: pública incondicionada.

Introdução: Bigamia é a convolação de novas núpcias por pessoa casada. Pode ser interna (o novo casamento de pessoa já casada ocorre no mesmo país) e internacional (o matrimônio é realizado em país diverso). Neste último caso, fala-se ainda em bigamia internacional dupla se o matrimônio é considerado bígamo e criminoso por ambos os países, a exemplo do que acontece entre Brasil e Paraguai. O art. 1.521, VI, do CC proíbe expressamente a bigamia, preocupando-se com a proteção do casamento e da estrutura familiar. É indiscutível que o art. 235 do CP também alcança a poligamia – trata-se de interpretação extensiva da lei penal, interpretando-a com razoabilidade para buscar sua real finalidade e a perfeita compreensão do seu conteúdo. Na verdade, a contração de três ou mais casamentos importa no reconhecimento de vários crimes, em continuidade delitiva (se presentes os requisitos exigidos pelo art. 71, caput, do CP), ou residualmente em concurso material (CP, art. 69).

Objeto jurídico: O bem jurídico penalmente protegido é a família, em sintonia com as regras contidas no art. 226 da CF, especialmente no que diz respeito ao caráter monogâmico do matrimônio.1

Objeto material: É o casamento que se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados (CC, art. 1.514).

Núcleo do tipo: O núcleo do tipo penal é “contrair”, ou seja, ajustar, convolar, formalizar novas núpcias. Trata-se de crime de forma vinculada – somente pode ser praticado mediante a contração de um segundo casamento, o qual depende do cumprimento de diversas formalidades estabelecidas pela lei civil. A existência de matrimônio válido anterior, compreendido como aquele que preenche os requisitos indicados pela lei civil (CC, arts. 1.511 e seguintes), é pressuposto para configuração do crime de bigamia. É possível o reconhecimento do delito até a declaração da nulidade ou anulabilidade do primeiro casamento (art. 235 do CP, a contrario sensu). A separação judicial também não impede a caracterização do delito, pois a legislação brasileira reclama, para a dissolução do vínculo matrimonial, a morte de um dos cônjuges ou então o divórcio, aplicando-se a presunção legal quanto ao ausente (CC, art. 1.571, § 1º). A união estável não pode ser utilizada como pressuposto do crime de bigamia – se alguém mantém união estável, possuindo anterior casamento válido, não estará configurado o crime em análise. De igual modo, não há falar em bigamia se anteriormente o sujeito havia se casado unicamente no âmbito religioso, sem atender aos mandamentos elencados nos arts. 1.515 e 1.516, § 1º, do CC.

Sujeito ativo: Somente a mulher ou o homem que, já sendo casado, contrai novo casamento (crime próprio ou especial). A bigamia classifica-se como crime plurissubjetivo, plurilateral ou de concurso necessário, pois o tipo penal exige a presença de duas pessoas, um homem e uma mulher (CC, art. 1.517), para o aperfeiçoamento do delito. Cuida-se de crime bilateral ou de encontro (o tipo penal reclama a presença de duas pessoas, cujas condutas tendem a se encontrar). Um dos cônjuges pode inclusive ser inimputável ou ignorar o impedimento do seu consorte. A pessoa solteira, viúva ou divorciada que, sabendo do impedimento do outro contraente, com este convola núpcias responderá pela figura privilegiada definida no § 1º do art. 235 do CP – trata-se de exceção pluralista à teoria monista no concurso de pessoas, (art. 29, caput, do CP). Admite-se a participação, em todas as suas modalidades (induzimento, instigação e auxílio), nos crimes descritos no caput e no § 1º do art. 235 do CP.

Sujeito passivo: É o Estado, em face do seu interesse na preservação das instituições familiares, e, mediatamente, o cônjuge inocente.

Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa. O desconhecimento do agente acerca do impedimento para o casamento caracteriza erro de tipo (CP, art. 20), acarretando na atipicidade do fato. A dúvida do agente no tocante ao seu estado civil configura o delito, a título de dolo eventual.

Consumação: O crime é material ou causal: consuma-se com a efetiva celebração do segundo matrimônio (CC, art. 1.514). Trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes.

Tentativa: É possível (crime plurissubsistente).

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios contidos na Lei 9.099/1995.

Bigamia, falsidade e conflito aparente de leis penais: Ao cometer o crime de bigamia, o agente pratica também o delito de falsidade ideológica (CP, art. 299), pois insere declaração falsa (estado civil diverso do verdadeiro) em documento público (declaração do estado civil exigida pelo CC – fase de habilitação para o casamento), com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. O falso desponta como crime-meio e é absorvido. O conflito aparente de leis penais é solucionado pelo princípio da consunção. Se não restar concretizado o início da execução da bigamia, a falsidade ideológica haverá de ser punida de forma autônoma.

Bigamia e termo inicial da prescrição da pretensão punitiva: Nos termos do art. 111, IV, do CP, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr, no crime de bigamia, da data em que o fato se tornou conhecido. O conhecimento do fato, exigido pela lei, refere-se à autoridade pública que tenha poderes para apurar, processar ou punir o responsável pelo delito, aí se incluindo o Delegado de Polícia, o membro do Ministério Público e o órgão do Poder Judiciário.

Bigamia privilegiada (art. 235, § 1º): No crime de bigamia o legislador, mais uma vez, rompeu com a teoria unitária ou monista, adotada como regra no tocante ao concurso de pessoas (art. 29, caput, do CP). A pessoa não casada que, ciente do impedimento alheio, contrai casamento com pessoa casada, comete o crime tipificado no § 1º do dispositivo em estudo e receberá pena privativa de liberdade mais branda do que a pessoa casada que contrai novo casamento. O magistrado pode optar entre duas alternativas: penas de reclusão ou de detenção, levando em conta as circunstâncias judiciais ou inominadas elencadas pelo art. 59, caput, do CP. O crime somente pode ser praticado a título de dolo direto (a lei utiliza a expressão “conhecendo esta circunstância”). A bigamia privilegiada é crime de médio potencial ofensivo, sendo cabível a suspensão condicional do processo, desde que presentes os demais requisitos elencados no art. 89 da Lei 9.099/1995.

Causa de exclusão da tipicidade (art. 235, § 2º, do CP): Se o primeiro casamento, existente à época do crime, vier a ser anulado, o novo matrimônio não caracterizará o delito em análise. Nessa hipótese, o sujeito possui vínculo matrimonial com uma só pessoa. A declaração de nulidade do primeiro casamento tem eficácia ex tunc, retroagindo à data da celebração do matrimônio, revelando que o agente não era casado quando veio a contrair o “segundo” casamento, afastando o delito de bigamia. O mesmo raciocínio se aplica quanto à anulação do segundo matrimônio, desde que ocorra por motivo diverso da bigamia. O dispositivo também abrange o casamento considerado “nulo” pela legislação civil. As causas de nulidade e anulabilidade do matrimônio encontram-se previstas nos arts. 1.548 e 1.550 do CC. O questionamento em ação cível acerca do estado civil do agente constitui, no âmbito penal, questão prejudicial heterogênea, de natureza obrigatória (art. 92 do CP).

Jurisprudência selecionada:

Bigamia – termo inicial da prescrição: “Bigamia. Prescrição. Data inicial do prazo. Jurisprudência assentada sobre que o prazo começa a correr a partir da notitia criminis levada ao conhecimento da autoridade pública” (STJ: RHC 7.206/RJ, rel. Min. José Dantas, 5ª Turma, j. 28.04.1998).

Bigamia e falsidade ideológica – princípio da consunção: “O delito de bigamia exige para se consumar a precedente falsidade, isto é: a declaração falsa, no processo preliminar de habilitação do segundo casamento, de que inexiste impedimento legal. Constituindo-se a falsidade ideológica (crime-meio) etapa da realização da prática do crime de bigamia (crime-fim), não há concurso do crime entre estes delitos. Assim, declarada anteriormente a atipicidade da conduta do crime de bigamia pela Corte de origem, não há como, na espécie, subsistir a figura delitiva da falsidade ideológica, em razão do princípio da consunção” (STJ: HC 39.583/MS, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 08.03.2005).

Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento

Art. 236. Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único. A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento.

Classificação:

Crime simples

Crime comum

Crime material ou causal

Crime de dano

Crime de forma vinculada

Crime comissivo (regra)

Crime instantâneo de efeitos permanentes

Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual

Crime plurissubsistente (regra)

Informações rápidas:

Objeto material: casamento. Lei penal em branco homogênea (ex. CC)

Elemento subjetivo: dolo (não admite modalidade culposa).

Tentativa: admite (diverg.).

Ação penal: privada personalíssima (única hipótese no Brasil).

 

 

Objeto jurídico: O bem jurídico protegido é a família, no tocante ao casamento e às suas consequências. O vício de vontade na celebração do casamento pode conduzir à sua nulidade (CC, art. 1.548, I) ou anulabilidade (CC, art. 1.550, III). Em hipóteses mais graves, como no induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento, optou o legislador também por conferir caráter penal ao comportamento ilícito.

Objeto material: É o casamento.

Núcleo do tipo: É “contrair”, ou seja, ajustar, convolar, formalizar núpcias, induzindo a erro essencial o outro cônjuge ou ocultando a existência de impedimento legal à realização do matrimônio. Trata-se de lei penal em branco homogênea – é preciso buscar em outra lei as hipóteses de erro essencial e dos impedimentos matrimoniais. Em relação à conduta de contrair casamento, induzindo a erro essencial o outro contraente, o que acarreta sua anulabilidade (CC, art. 1.550, III), invoca-se o art. 1.557 do CC. Por sua vez, o art. 1.521 do Código Civil estabelece os impedimentos matrimoniais, que funcionam como causas de nulidade (CC, art. 1.548, II). Portanto, se o agente induz o outro contraente a erro essencial, em quaisquer das formas previstas no art. 1.557 do CC, ou deste oculta quaisquer dos impedimentos legais, salvo o previsto no art. 1.521, VI, do CC, e o casamento se realiza, a ele será imputado o crime em estudo.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral). O delito pode ser cometido por ambos os contraentes, na situação em que simultaneamente um engana o outro no tocante a determinado impedimento, desconhecido do outro consorte.

Sujeito passivo: É o Estado e, mediatamente, o cônjuge enganado.

Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação: O crime é material ou causal: consuma-se com o casamento, que se aperfeiçoa no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados (CC, art. 1.514).

Tentativa: Cuida-se de crime condicionado à anulação ou declaração de nulidade do casamento, circunstância impeditiva do conatus. Destarte, a sentença civil de nulidade ou anulação do casamento tem a natureza jurídica de condição de procedibilidade da ação penal.2 Há entendimentos no sentido de que a sentença civil representaria autêntica condição objetiva de punibilidade.3

Ação penal e seus reflexos: O crime em análise é de ação penal privada personalíssima. O termo inicial do prazo decadencial previsto no art. 38 do CPP é a data do trânsito em julgado da sentença anulatória do casamento, pois só então é possível o oferecimento de queixa pelo contraente enganado. De igual modo, a prescrição da pretensão punitiva relativa ao crime tipificado no art. 236 do CP somente se inicia a partir do trânsito em julgado da sentença anulatória do casamento, pois é partir daí que o Estado pode finalmente exercitar seu poder-dever de punir o responsável pela prática do delito.

Lei 9.099/1995: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, compatível com a transação penal e com o rito sumaríssimo, nos termos da Lei 9.099/1995.

Distinção entre induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento e conhecimento prévio de impedimento: A nota marcante do crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento é o emprego de meio fraudulento. O parágrafo único do art. 236 do CP usa a expressão contraente enganado. É de se notar que a ocultação de impedimento não pode ser simplesmente omissiva, exigindo, antes, uma ação que esconda o impedimento. O art. 237 do CP se refere aos impedimentos que causam a nulidade do casamento e pune quem mesmo assim se casa, diante da ignorância do outro contraente, considerando como conduta típica o simples silêncio do agente (omissão passiva).

Conhecimento prévio de impedimento

Art. 237. Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta:

Pena – detenção, de três meses a um ano.

Classificação:

Crime simples

Crime comum

Crime material ou causal

Crime de dano

Crime de forma vinculada

Crime comissivo (regra)

Crime instantâneo de efeitos permanentes Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual

Crime plurissubsistente (regra)

Informações rápidas:

Objeto material: casamento.

Lei penal em branco homogênea (art. 1.521 do CC).

Crime tacitamente subsidiário em relação ao art. 236 do CP.

Elemento subjetivo: dolo direto (não admite modalidade culposa).

Tentativa: admite (crime plurissubsistente).

Ação penal: pública incondicionada.

Objeto jurídico: O bem jurídico penalmente tutelado é a família.

Objeto material: É o casamento.

Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é “contrair”, ajustar, convolar, formalizar núpcias, ciente da existência de impedimento ao casamento, capaz de acarretar a declaração de sua nulidade. Trata-se mais uma vez de lei penal em branco homogênea, pois os impedimentos matrimoniais são indicados pelo art. 1.521 do CC. Se o agente tem conhecimento da existência do impedimento – salvo no tocante ao previsto no art. 1.521, VI, do CC (hipótese que caracteriza o crime de bigamia) –, e ainda assim convola matrimônio, a ele será imputado o crime em análise, tacitamente subsidiário em relação ao delito tipificado no art. 236 do CP. Não há fraude para enganar o outro contraente. Basta não declarar o impedimento matrimonial, despontando como suficiente a simples omissão.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral). Se ambos os contraentes têm conhecimento do impedimento, serão considerados coautores do delito.

Sujeito passivo: É o Estado, em face do seu interesse na preservação das instituições familiares e na regularidade dos casamentos, e, mediatamente, o outro contraente, desde que desconheça o impedimento matrimonial.

Elemento subjetivo: É o dolo direto, representado pela expressão “conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta”. Não se exige nenhuma finalidade específica, e também não se admite a modalidade culposa.

Consumação: O crime é material ou causal: consuma-se com o casamento, que se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados (CC, art. 1.514).

Tentativa: É possível (ver comentários ao art. 235 do CP).

Ação penal: A ação penal é pública incondicionada. Ao contrário do que se verifica no delito tipificado no art. 236 do CP, prescinde-se da prévia decretação de nulidade do casamento por sentença com trânsito em julgado. O Ministério Público pode, com fulcro no art. 1.549 do CC, ajuizar ação civil para decretação de nulidade do casamento, antes ou simultaneamente ao oferecimento da ação penal.

Lei 9.099/1995: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, compatível com a transação penal e com o rito sumaríssimo, nos moldes da Lei 9.099/1995.

Simulação de autoridade para celebração de casamento

Art. 238. Atribuir-se falsamente autoridade para celebração de casamento: Pena – detenção, de um a três anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Classificação:

Crime simples

Crime comum

Crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado

Crime de dano

Crime de forma livre

Crime comissivo (regra)

Crime instantâneo

Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual

Crime plurissubsistente (regra)

Informações rápidas:

Objeto material: casamento.

Crime subsidiário.

Elemento subjetivo: dolo (não admite modalidade culposa).

Tentativa: admite (crime plurissubsistente).

Ação penal: pública incondicionada.

 

 

 

 

 

Objeto jurídico: O bem jurídico penalmente tutelado é a família e, em plano secundário, a regularidade do exercício de função pública relevante, qual seja, juiz de casamentos (juiz de paz).

Objeto material: É o casamento.

Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é “atribuir-se”, ou seja, imputar a si, falsamente, a qualidade de autoridade para celebração de casamentos. A palavra “falsamente”, indicativa de situação em descompasso com a realidade, funciona como elemento normativo do tipo.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral).

Sujeito passivo: É o Estado e, mediatamente, as pessoas enganadas pela conduta criminosa.

Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Se o agente equivocadamente acredita ter autoridade para celebrar casamentos, exclui-se o dolo em razão do erro de tipo (CP, art. 20), resultando na atipicidade do fato. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação: O crime é formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se com a atribuição de autoridade pelo agente, prescindindo-se da celebração de qualquer casamento.

Tentativa: É possível.

Ação penal: A ação penal é pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de médio potencial ofensivo, compatível com a suspensão condicional do processo, desde que presentes os demais requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995.

Subsidiariedade expressa: O crime em estudo é expressamente subsidiário.

Simulação de casamento

Art. 239. Simular casamento mediante engano de outra pessoa:

Pena – detenção, de um a três anos, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

Classificação:

Crime simples

Crime comum

Crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado

Crime de dano

Crime de forma livre

Crime comissivo (regra)

Crime instantâneo

Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual

Crime plurissubsistente (regra)

Informações rápidas:

Objeto material: casamento.

Crime subsidiário.

Elemento subjetivo: dolo (não admite modalidade culposa).

Tentativa: admite (crime plurissubsistente).

Ação penal: pública incondicionada.

 

 

 

 

Objeto jurídico: O bem jurídico penalmente protegido é a família, especialmente no que diz respeito à regularidade do casamento.

Objeto material: É o casamento.

Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é “simular”, no sentido de fingir a celebração do matrimônio, mediante o engano de outra pessoa. O engano consiste em elemento normativo do tipo. Embora parte da doutrina entenda deva ser o engano voltado à pessoa do outro contraente, o art. 239 do CP não faz esta distinção – estará caracterizado o delito quando qualquer pessoa interessada no matrimônio for enganada pela simulação. É imprescindível a utilização de meio fraudulento para ludibriar alguém.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral). É possível a participação de terceiros.

Sujeito passivo: É o Estado, em decorrência do seu interesse na integridade do matrimônio, e, mediatamente, a pessoa enganada pela simulação de casamento.

Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação: O crime é formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se com a simulação de qualquer ato relacionado à celebração do matrimônio, pouco importando se o agente conseguiu alcançar a falsa declaração de casado com outra pessoa.

Tentativa: É possível.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Cuida-se de crime de médio potencial ofensivo, compatível com a suspensão condicional do processo, se presentes os demais requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995.

Subsidiariedade expressa: A simulação de casamento é crime expressamente subsidiário.

Adultério

Art. 240. (Revogado).

Revogação: O crime de adultério foi revogado pela Lei 11.106/2005. Operou-se a abolitio criminis da conduta outrora tipificada pelo art. 240 do CP – houve a revogação formal do dispositivo legal e a supressão material do fato criminoso, pois não existe atualmente nenhum outro tipo penal incriminando o adultério. Atualmente, portanto, o adultério produz efeitos somente na esfera civil (CC, arts. 1.572 e 1.573, I), como causa autorizadora da separação judicial por violação aos deveres do casamento. Vale destacar que, com a revogação do crime de adultério, o delito tipificado pelo art. 236 do CP – induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento – passou a ser o único exemplo de ação penal privada personalíssima subsistente em nosso ordenamento jurídico.

Capítulo II
DOS CRIMES CONTRA O ESTADO DE FILIAÇÃO

Introdução: Diversos delitos previstos neste capítulo despontam como verdadeiras falsidades, motivo pelo qual algumas vozes doutrinárias sustentam que deveriam figurar no Título X da Parte Especial do Código Penal, entre os crimes contra a fé pública. O legislador pátrio, entretanto, preferiu alocá-los no Capítulo II do Título VII da Parte Especial do Código Penal, entre os crimes contra a família. Trata-se de critério de classificação no qual se deu prevalência ao bem jurídico atinente à estrutura jurídica da família, protegendo-a expressamente no setor do estado de filiação.

Registro de nascimento inexistente

Art. 241. Promover no registro civil a inscrição de nascimento inexistente: Pena – reclusão, de dois a seis anos.

Classificação:

Crime pluriofensivo

Crime comum

Crime material ou causal

Crime de dano

Crime de forma livre

Crime comissivo (regra)

Crime instantâneo de efeitos permanentes Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual

Crime plurissubsistente (regra)

Informações rápidas:

Objeto material: o registro civil. Modalidade específica de falsidade ideológica (princ. da especialidade).

Elemento subjetivo: dolo (não admite modalidade culposa).

Tentativa: admite (crime plurissubsistente).

Ação penal: pública incondicionada.

 

 

 

Objeto jurídico: O bem jurídico penalmente tutelado é o estado de filiação, como medida protetora da instituição familiar. Mediatamente também se protege a regularidade do sistema de registro civil, pois os atos nele inscritos gozam de fé pública (vide art. 50 da Lei 6.015/1973 – Lei de Registros Públicos).

Objeto material: É o registro civil no qual foi inscrito o nascimento inexistente.

Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é “promover” (postular, provocar, requerer) o registro de parto inexistente. Considera-se inexistente o nascimento quando, de fato, não ocorreu, ou então o feto foi expelido morto. Há, portanto, declaração falsa de nascimento de um ser humano. Trata-se de modalidade específica de falsidade ideológica (CP, art. 299). O conflito aparente de leis penais é solucionado pelo princípio da especialidade.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral). É possível o concurso de pessoas, tanto na modalidade coautoria como na participação.

Sujeito passivo: É o Estado e, mediatamente, as pessoas lesadas pelo falso registro de nascimento.

Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação: O crime é material ou causal: consuma-se com a efetiva inscrição no registro civil do nascimento inexistente.

Tentativa: É cabível.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, afastando a incidência dos benefícios previstos na Lei 9.099/1995.

Registro de nascimento inexistente e prescrição: O termo inicial da prescrição da pretensão punitiva, no campo do crime de registro de nascimento inexistente, possui regra específica. A prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido (art. 111, IV, do CP), e não a partir da consumação do delito.

Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recémnascido

Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:

Pena – reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo único. Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:

Pena – detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.

Classificação:

Crimes simples

Crimes próprio (núcleo “dar”) e comuns (demais condutas típicas)

Crimes materiais ou causais

Crimes de dano

Crimes de forma livre

Crimes comissivos (regra)

Crimes instantâneos ou permanente (núcleo “ocultar”)

Crimes unissubjetivos, unilaterais ou de concurso eventual

Crimes plurissubsistentes (regra)

Informações rápidas:

Objeto material: registro civil ou o recém-nascido.

Tipo penal misto cumulativo e alternativo.

Elemento subjetivo: dolo independentemente de qualquer finalidade específica para as condutas “dar” e “registrar”; e específico para as condutas “ocultar” e “substituir”. Em todos os casos não se admite modalidade culposa.

Tentativa: é possível em todas as modalidades.

Ação penal: pública incondicionada.

Objeto jurídico: É o estado de filiação, a instituição familiar e a regularidade do registro civil.

Objeto material: O objeto material pode ser o registro ou então o recém-nascido, dependendo da conduta criminosa praticada.

Núcleos do tipo: O tipo penal contém quatro condutas distintas:

a)“Dar parto alheio como próprio” – O núcleo do tipo é “dar”, no sentido de atribuir para si a maternidade de filho alheio. Não é necessário o registro civil, que conduz à figura subsequente. O comportamento criminoso é necessariamente acompanhado de uma simulação de gravidez, com o propósito de considerar como seu o parto de outra mulher. Não há crime na situação contrária (dar parto próprio como alheio);

b)“Registrar como seu o filho de outrem” – O núcleo do tipo é “registrar”, ou seja, fazer constar do registro civil uma filiação inexistente, em prejuízo da identidade da criança e também de outros eventuais herdeiros (conhecido como “adoção à brasileira”). O conflito aparente de leis penais entre os arts. 242 (“registrar como seu filho de outrem”) e 299, caput, do CP (“fazer inserir declaração falsa com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”) é solucionado com a utilização do princípio da especialidade – o art. 242 do CP contém elementos especializantes, não contemplados no tipo penal inerente ao falso. Na “adoção à brasileira” pode incidir o instituto do erro de proibição (art. 21 do CP);

c)“Ocultar recém-nascido, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil” – O núcleo do tipo é “ocultar”, que equivale a esconder o recém-nascido, evitando seu registro e alijando-o dos direitos inerentes ao seu estado civil. O tipo penal não se refere ao natimorto, pois não tem estado civil; e

d)“Substituir recém-nascido, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil” – O núcleo do tipo é “substituir”, no sentido de trocar um recém-nascido por outro, provocando alteração ou supressão no estado civil dos neonatos, que passam a integrar família diversa da biológica. Não se exige a inscrição do recém-nascido no registro civil.

Tipo misto cumulativo e alternativo: O art. 242 do Código Penal é um tipo penal misto cumulativo e alternativo. Há quatro condutas diversas: as duas primeiras são cumulativas entre si e também com alguma das duas últimas legalmente descritas. Consequentemente, ao agente serão imputados todos os crimes correspondentes ao número de condutas cometidas, se incidir na primeira, na segunda e na terceira (ou quarta). Mas as duas últimas condutas apresentam relação de alternatividade – se o agente realizar ambos os núcleos do tipo, no tocante ao mesmo objeto material, responderá por um único delito.

Sujeito ativo: Na conduta “dar parto alheio como próprio”, o crime é próprio ou especial, pois somente pode ser cometido por mulher. Admite-se coautoria e participação, inclusive de parte da mãe biológica. Nas demais condutas típicas, o crime é comum ou geral, podendo ser praticado por qualquer pessoa.

Sujeito passivo: É o Estado, interessado na regularidade da família, e, mediatamente, a pessoa prejudicada pela conduta criminosa.

Elemento subjetivo: Nas duas primeiras condutas é o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Nas duas últimas modalidades do delito também é o dolo, mas acrescido de um especial fim de agir, consistente na intenção de suprimir ou alterar direito inerente ao estado civil. Não se admite, em nenhuma hipótese, a figura culposa.

Consumação: O crime de parto suposto (“dar parto alheio como próprio”) consuma-se com a suposição do parto, ou, na hipótese de gravidez real, com a troca da criança que nasceu morta por outra. Não basta a mera simulação da gravidez ou a falsa atribuição de maternidade no tocante a alguma criança. Na segunda conduta típica, a consumação se dá com a inscrição no registro do filho alheio como próprio. Nas duas últimas hipóteses, a consumação reclama a prática de ato que efetivamente importe na supressão ou alteração do estado civil do neonato. Não basta, portanto, sua simples ocultação ou substituição. Na forma “ocultar” o crime é permanente, subsistindo a consumação do delito durante todo o período em que se esconde o recém-nascido. O art. 242 do CP contempla crimes materiais ou causais, em todas as suas modalidades.

Tentativa: É possível, em todas as condutas típicas.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, insuscetível de aplicação dos benefícios disciplinados pela Lei 9.099/1995.

Figura privilegiada e perdão judicial (art. 242, parágrafo único): O parágrafo único traz uma infração penal de menor potencial ofensivo, compatível com a transação penal e com o rito sumaríssimo, nos moldes da Lei 9.099/1995. O dispositivo legal é aplicável somente às duas primeiras modalidades do delito. Há incompatibilidade lógica entre o motivo de reconhecida nobreza e as condutas de “ocultar recém-nascido ou substituí-lo”, especialmente quando levada em consideração a finalidade específica de “suprimir ou alterar direito inerente ao estado civil”. Motivo de reconhecida nobreza é o que revela caridade, altruísmo, enfim, a boa-fé e a generosidade de alguém. O juiz tem duas opções: a mais favorável, que é conceder o perdão judicial (causa extintiva da punibilidade – CP, art. 107, IX), ou aplicar a pena diminuída. A escolha fica reservada ao caso concreto, e deve ser baseada em diversos parâmetros, especialmente nas condições pessoais do réu.

Prescrição da pretensão punitiva: O termo inicial da prescrição da pretensão punitiva é a data em que o fato se tornou conhecido (CP, art. 111, IV).

Legislação penal especial: O art. 229 da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – prevê crime específico para os agentes de saúde que facilitarem a ocorrência das figuras penais em estudo.

Sonegação de estado de filiação

Art. 243. Deixar em asilo de expostos ou outra instituição de assistência filho próprio ou alheio, ocultando-lhe a filiação ou atribuindo-lhe outra, com o fim de prejudicar direito inerente ao estado civil:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Classificação:

Crime simples

Crime comum

Crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado

Crime de dano

Crime de forma livre

Crime comissivo (regra)

Crime instantâneo de efeitos permanentes

Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual Crime plurissubsistente (regra)

Informações rápidas:

Objeto material: criança ou adolescente (filho próprio ou alheio).

Elemento subjetivo: dolo específico (não admite modalidade culposa).

Tentativa: admite (crime plurissubsistente).

Ação penal: pública incondicionada.

 

 

 

 

 

Objeto jurídico: É o estado de filiação.

Objeto material: É a criança ou adolescente (filho próprio ou alheio) deixado em asilo de expostos ou outra instituição de assistência.

Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é “deixar”, no sentido de abandonar o menor de idade em asilo de expostos ou outra instituição de assistência, ocultando-lhe a filiação ou atribuindo-lhe outra, com o fim de prejudicar direito inerente ao estado civil. Asilo de expostos é o orfanato ou local que abriga crianças abandonadas. Instituição de assistência, por sua vez, tem caráter residual, podendo ser qualquer tipo de creche ou abrigo. A conduta de deixar criança em local diverso do asilo de expostos ou instituição de assistência configura, dependendo do caso concreto, os crimes de abandono de incapaz (CP, art. 133) ou de exposição ou abandono de recém-nascido (CP, art. 134), e não o crime em análise.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum ou geral).

Sujeito passivo: É o Estado e, mediatamente, a criança ou adolescente abandonado e prejudicado em seus direitos inerentes ao estado de filiação.

Elemento subjetivo: É o dolo, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico), consistente na intenção de prejudicar direito inerente ao estado civil do filho próprio ou alheio abandonado. Não se caracteriza o delito na hipótese em que o agente abandona a criança ou adolescente por outro motivo qualquer, tal como a ausência de condições financeiras para sustentá-lo.

Consumação: O crime é formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se com o abandono da criança ou adolescente em asilo de expostos ou instituição de assistência, com a consequente ocultação ou alteração do estado de filiação, ainda que não se alcance a finalidade específica de prejudicar direito inerente ao estado civil.

Tentativa: É possível.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de médio potencial ofensivo, compatível com a suspensão condicional do processo, desde que presentes os demais requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995.

Sonegação de estado de filiação e supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido – diferenças: Os crimes de sonegação de estado de filiação (CP, art. 241) e de supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido (CP, art. 242, in fine), diferenciam-se por traços bem definidos. No crime de sonegação de estado de filiação, a conduta pode recair sobre qualquer criança ou adolescente, enquanto no delito definido na parte final do art. 242 do CP a vítima há de ser necessariamente um recém-nascido; b) Na hipótese do art. 243, a criança ou adolescente precisa ser abandonada em asilo de expostos ou instituição de assistência, ao passo que no art. 242, in fine, a ocultação do recém-nascido pode ocorrer em qualquer local; e c) No art. 243, a finalidade da lei é punir o abandono da criança ou adolescente, enquanto no art. 242, parte final, a meta da lei é atribuir responsabilidade penal àquele que busca suprimir ou alterar direito inerente ao estado civil do recém-nascido.

Capítulo III
DOS CRIMES CONTRA A ASSISTÊNCIA FAMILIAR

Fundamento: No presente capítulo a tarefa do Código Penal é disciplinar a manutenção da família, punindo ações mais graves que a desagregam e a dissolvem. A assistência familiar é a sua preocupação não somente sob o aspecto material, mas também moral, como se extrai dos arts. 245 a 247. A intervenção do Direito Penal legitima-se em razão da violação aos princípios fundamentais que devem nortear a família e o desrespeito aos institutos do Direito Civil correspondentes.

Abandono material

Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.

Classificação:

Crime simples

Crime próprio

Crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado

Crime de perigo concreto

Crime permanente

Crime de forma livre

Crime omissivo próprio ou puro

Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual

Crime unissubsistente

Informações rápidas:

Objeto material: renda, pensão ou outro auxílio.

Não há falar em abandono material no âmbito da união estável (vedação ao emprego da analogia in malam partem).

Tipo misto cumulativo e alternativo. Elemento subjetivo: dolo (não admite modalidade culposa).

Tentativa: não é possível (exceção: figura equiparada – parágrafo único).

Ação penal: pública incondicionada.

Objeto jurídico: O bem jurídico penalmente tutelado é a assistência familiar, relativamente ao direito à vida e à dignidade no âmbito da família, especialmente na esfera da estrita necessidade material reciprocamente devida entre seus membros (alimentos, habitação, vestuários, remédios etc.).

Objeto material: É a renda, pensão ou outro auxílio.

Núcleos do tipo:

1)Deixar, sem justa causa, de prover os recursos necessários à subsistência do cônjuge, do filho menor de 18 anos ou inapto para o trabalho, ou do ascendente inválido ou maior de 60 anos – Deixar de prover a subsistência significa não fornecer os meios indispensáveis à sobrevivência das pessoas apontadas no tipo penal. O conceito de “subsistência” é mais restrito do que o de “alimentos”, na forma prevista na legislação civil (art. 1.694 do CC), englobando tão somente as necessidades básicas. Apesar de o art. 226, § 3º, da CF reconhecer a união estável como entidade familiar, e do previsto no art. 1.724 do CC, tendo em vista que o tipo penal fala em deixar de prover a subsistência do cônjuge, não há falar em abandono material, relativamente a essa modalidade criminosa, quando um dos conviventes deixa, sem justa causa, de prover à subsistência do outro, já que não se admite a analogia in malam partem no Direito Penal;

2)Faltar ao pagamento da pensão alimentícia fixada judicialmente – Faltar ao pagamento consiste em não honrar uma obrigação. Deve haver decisão judicial homologando acordo, fixando ou majorando os alimentos devidos, qualquer que seja sua natureza, e o agente, sem justa causa, falta com seu pagamento. É necessário que o agente deixe transcorrer in albis o prazo estipulado em juízo para o pagamento. Antes do decurso desse ínterim, somente é possível reconhecer o delito em sua primeira modalidade. Nessa espécie de abandono material é possível a imputação do crime ao convivente que, sem justa causa, falta ao pagamento da pensão alimentícia judicialmente fixada em prol do outro convivente; e

3)Deixar de socorrer, sem justa causa, ascendente ou descendente gravemente enfermo – Deixar de socorrer é negar proteção e assistência. Enfermidade grave é a séria alteração ou perturbação da saúde, física ou mental.4 Sua comprovação reclama análise médica da vítima no caso concreto. Nessa modalidade criminosa, a lei excluiu o cônjuge da proteção penal, abarcando somente os ascendentes e descendentes. Se o agente deixar de socorrer o cônjuge, tal conduta se amoldará na primeira espécie do delito.

Tipo penal misto cumulativo e alternativo: As duas primeiras condutas são alternativas, e a prática de ambas contra a mesma vítima caracteriza um único crime. Ao agente serão imputados vários crimes se as condutas se relacionarem com vítimas diversas. A terceira conduta é autônoma e cumulativa com as duas anteriores, autorizando a conclusão no sentido de que o cometimento da primeira ou segunda condutas, somada à última, acarreta a punição do agente por dois crimes, em concurso material (CP, art. 69, caput).

Elemento normativo do tipo: O elemento normativo é representado pela expressão “sem justa causa”, que funciona como elemento negativo do tipo. Presente a justa causa para a falta de assistência material, o fato será atípico. O art. 733, § 1º, do CPC permite a escusa legítima do devedor quanto à obrigação alimentícia.

Sujeito ativo: Somente as pessoas expressamente indicadas no art. 244 do CP (crime próprio ou especial).

Sujeito passivo: São os cônjuges, o filho menor de 18 anos ou inapto para o trabalho, qualquer que seja sua idade, o ascendente inválido, independentemente da sua idade, ou maior de 60 anos, se dependente de assistência material, bem como qualquer descendente ou ascendente gravemente enfermo, pouco importando o grau de parentesco na linha reta.

Descendente ou ascendente enfermo e ordem preferencial da obrigação alimentícia: Na última modalidade criminosa contida no dispositivo em comento, discute-se se a configuração do crime de abandono material guarda relação com a ordem preferencial da obrigação alimentícia, indicada pelos arts. 1.696 a 1.698 do CC. Há duas concepções doutrinárias sobre o assunto. Para uma primeira posição, o art. 244 do CP deve ser interpretado em consonância com as disposições do CC. Nesse contexto, um ascendente (ou descendente) remoto somente pode ser responsabilizado criminalmente quando o parente mais próximo demonstrar impossibilidade total de prestar a assistência material. De outro lado, sustenta-se que a ordem estabelecida no CC não interfere no campo do art. 244 do CP, em face da autonomia entre o Direito Civil e o Direito Penal, bem como da finalidade almejada por cada um dos ramos do Direito. Com efeito, enquanto a tarefa do Direito Civil é compelir um membro da família a auxiliar seu parente, a missão do Direito Penal é punir aquele que revela descaso com o dever de solidariedade existente entre os integrantes do mesmo núcleo familiar. É a posição que adotamos.

Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação: O crime é formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se no momento em que o agente deixa, dolosamente e sem justa causa, de assegurar os recursos necessários ou falta ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada, ou quando deixa de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo. Não se exige, entretanto, o efetivo prejuízo à vítima. Prevalece o entendimento no sentido de que o crime de abandono material subsiste na hipótese em que a subsistência, pagamento de pensão ou socorro sejam garantidos por terceira pessoa. Trata-se de crime de perigo concreto, pois a consumação reclama a comprovação da exposição da vítima a uma situação de probabilidade de dano à sua integridade física ou psíquica.

Tentativa: Não se admite o conatus, pois o crime é omissivo próprio ou puro, e consequentemente unissubsistente, impossibilitando o fracionamento do iter criminis. De fato, ou o sujeito ativo dolosamente deixa, sem justa causa, de prover à subsistência do seu dependente, e o crime estará consumado, ou então o faz corretamente, e o fato será atípico.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de crime de médio potencial ofensivo, compatível com a suspensão condicional do processo, desde que presentes os demais requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995.

Pena de multa: O magistrado deve, ao aplicar a pena de multa inerente ao crime de abandono material, fazer incidir o sistema do dia-multa (art. 49 do CP). O fundamento desse raciocínio encontra-se no art. 2º da Lei 7.209/1984.

Figura equiparada (art. 244, parágrafo único): Frustrar é iludir ou enganar; ilidir (o legislador errou na grafia, pois deveria ter utilizado o verbo “elidir”) equivale a eliminar ou afastar. Os núcleos estão vinculados à pessoa solvente, isto é, capaz de pagar pensão alimentícia, mas que de qualquer modo deixa de cumprir com sua obrigação (crime de forma livre). O sujeito ativo do crime é o devedor de alimentos e o sujeito passivo é o credor correspondente. A figura equiparada referiu-se expressamente à pessoa que, para livrar-se da obrigação alimentícia, abandona injustificadamente seu emprego ou função, normalmente porque a pensão alimentícia era descontada pelo empregador, para buscar o trabalho informal. Nessa hipótese o abandono material admite a tentativa em face do caráter plurissubsistente do delito, permitindo o fracionamento do iter criminis.

Natureza jurídica da prisão civil por inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia: O art. 5º, LXVII, da CF autoriza a prisão civil por dívida na hipótese de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. O art. 733 do CPC está em sintonia com a regra constitucional. Esta modalidade de prisão civil em nada se relaciona com a pena atribuída ao responsável pela prática do crime tipificado no art. 244 do CP. A prisão civil não tem caráter punitivo, embora o § 2º do art. 733 do CPC equivocadamente utilize esse termo. Representa meio coercitivo para obrigar o devedor ao cumprimento da obrigação alimentar, tanto que será imediatamente revogada com o pagamento da prestação alimentícia (CPC, art. 733, § 3º). Consequentemente, se o débito alimentar for pago, resultando na revogação da prisão civil, esta situação não interfere na caracterização do crime de abandono material, cuja consumação ocorreu no momento do não pagamento doloso e injustificado dos alimentos.

Prisão civil e detração penal: A prisão civil pode ser utilizada a título de detração penal, com fundamento no art. 42 do CP? Rogério Greco sustenta a admissibilidade da detração penal, por se tratar de medida favorável ao réu.5 Com o merecido respeito, não concordamos com essa posição. O tempo de prisão civil não pode ser computado na pena privativa de liberdade atinente à condenação pelo crime de abandono material, pelos seguintes motivos: (a) o art. 42 do CP permite a detração penal somente em relação ao tempo de prisão provisória, não mencionando a prisão civil; (b) a CF é clara ao definir a natureza da prisão civil, que por esta razão não pode ser usada no âmbito penal; e (c) finalmente, os objetivos almejados pela prisão civil e pela prisão enquanto pena são completamente distintos. A primeira visa compelir o devedor a quitar prestações alimentícias já vencidas; a segunda se destina a punir o responsável pelo abandono material, além de prevenir a prática de outros crimes. Com efeito, o pagamento da dívida não afasta o delito, que se aperfeiçoou no momento em que o agente, sem justa causa, deixou dolosamente de prover a subsistência da pessoa necessitada. O raciocínio diverso poderia tornar inócuo o crime tipificado no art. 244 do Código Penal. Basta pensar na situação do devedor de alimentos que, preso civilmente, cumprisse toda a sanção sem quitar o débito. Como a pena do delito é sensivelmente branda, além de ser normalmente fixada no patamar mínimo, muitas vezes a prisão civil importaria na impossibilidade de execução da sanção penal, esvaziando o crime de abandono material.

Jurisprudência selecionada:

Caráter procrastinatório da ação civil: “O ingresso em juízo para demonstrar a impossibilidade de cumprir a obrigação de alimentos, por si só, não afasta o crime de abandono material. O delito pode ocorrer, comprovado que o acesso à via judicial era manifestamente procrastinatório, visando a adiar o pagamento” (STJ: RHC 727/SC, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª Turma, j. 25.06.1991).

Elemento subjetivo: “Não basta, para o delito do art. 244 do Código Penal, dizer que o não pagamento de pensão o foi sem justa causa, se não demonstrado isso com elementos concretos dos autos, pois, do contrário, toda e qualquer inadimplência alimentícia será crime e não é essa a intenção da Lei Penal” (HC 141.069/RS, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 5ª Turma, j. 22.08.2011, noticiado no Informativo 481).

Existência do crime: “O não pagamento de alimentos constitui, no direito brasileiro, o crime de abandono material (CP, art. 244)” (STF: Ext 807, rel. Min. Nelson Jobim, Plenário, j. 13.06.2001).

Entrega de filho menor a pessoa inidônea

Art. 245. Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo:

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

§ 1º A pena é de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, se o agente pratica delito para obter lucro, ou se o menor é enviado para o exterior.

§ 2º Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo moral ou material, auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro.

Classificação:

Crime simples

Crime próprio

Crime material ou causal

Crime de perigo concreto

Crime de forma livre

Crime comissivo (regra)

Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual

Crime plurissubsistente (regra)

Informações rápidas:

Objeto material: filho menor de 18 anos.

Elemento subjetivo: dolo, direto (“saiba”) ou eventual (“deva saber”). Não admite modalidade culposa.

Tentativa: admite (crime plurissubsistente).

Ação penal: pública incondicionada.

Revogação tácita dos §§ 1.º e 2.º pelo ECA.

 

 

Objeto jurídico: É a assistência familiar, relativamente aos cuidados a serem dispensados pelos pais aos filhos menores.

Objeto material: É o filho menor de 18 anos de idade.

Núcleo do tipo: É entregar, ou seja, deixar o filho menor de 18 anos de idade aos cuidados de pessoa que o agente sabia ou devia saber ser inidônea para tanto (indivíduo apto a lhe proporcionar perigo moral ou material, colocando em risco a íntegra formação da sua personalidade e seu normal desenvolvimento físico e psicológico).

Sujeito ativo: O crime é próprio ou especial – somente pode ser cometido pelos pais do menor de 18 anos de idade. Em face da vedação do emprego da analogia in malam partem no Direito Penal, os tutores ou guardiães não podem figurar como sujeito ativo do delito em análise.

Sujeito passivo: É o filho menor de 18 anos de idade, ou seja, criança ou adolescente. É indiferente a origem do filho, se o parentesco é biológico ou civil (art. 227, § 6º, da CF).

Elemento subjetivo: É o dolo, direto (representado pela palavra “saiba”) ou eventual (indicado na expressão “deva saber”), independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa. Há entendimentos no sentido de que a expressão “deva saber” é indicativa de anômala previsão de figura culposa.6 Esse raciocínio não pode ser acolhido, por dois fundamentos contundentes: (a) a forma culposa de um crime depende de previsão legal expressa (CP, art. 18, parágrafo único). É o que se convencionou chamar de princípio da excepcionalidade do crime culposo; e (b) se o “deva saber” realmente correspondesse à modalidade culposa do delito, estaria consagrado um absurdo legislativo, pois o crime de entrega de filho menor a pessoa idônea comportaria a mesma pena para crimes dolosos e culposos, de distinta gravidade, ferindo gravemente o princípio da proporcionalidade.

Consumação: Cuida-se de crime material ou causal: consuma-se com a efetiva entrega do filho menor de 18 anos de idade a pessoa cuja companhia lhe acarrete perigo. Esse é o resultado naturalístico indicado no tipo penal. Conclui-se, portanto, que se trata de crime de perigo concreto, pois é imprescindível a efetiva comprovação da situação de perigo material ou moral à vítima. Existem entendimentos em contrário, defendendo a natureza de crime de perigo abstrato. Além disso, a entrega de filho menor a pessoa inidônea constitui-se em crime instantâneo – não se exige a permanência da criança ou do adolescente na companhia da pessoa inadequada por longo período.

Tentativa: É possível.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Em sua modalidade fundamental (CP, art. 245, caput), a entrega de filho menor a pessoa inidônea é infração penal de menor potencial ofensivo, comportando a transação penal e o rito sumaríssimo, nos moldes da Lei 9.099/1995.

Figuras qualificadas: As modalidades qualificadas do crime de entrega de filho menor a pessoa inidônea, previstas no art. 245, § 1º, in fine, e § 2º, foram tacitamente revogadas pelos arts. 238 e 239 da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Subsiste apenas a qualificadora inerente ao fim de lucro, contida no art. 245, § 1º, 1ª parte, do CP, que não se confunde com o fim de lucro apontado no art. 239 da Lei 8.069/1990. O fim de lucro consiste na finalidade específica buscada pelo agente, consistente na obtenção de vantagem econômica, a qual pressupõe o dolo, mas também o extravasa (elemento subjetivo específico), com a ressalva de que o lucro não precisa ser realmente alcançado no caso concreto para a caracterização do delito. A pena mais grave é justificada pela torpeza do agente, capaz de utilizar o filho menor de 18 anos, colocando-o em posição de perigo moral ou material, unicamente para o fim de alcançar alguma vantagem econômica. Na forma qualificada o crime classifica-se como de médio potencial ofensivo, admitindo a suspensão condicional do processo, desde que presentes os demais requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995.

Abandono intelectual

Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:

Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

Classificação:

Crime simples

Crime próprio

Crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado

Crime de perigo abstrato

Crime de forma livre

Crime omissivo próprio ou puro

Crime permanente

Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual

Crime unissubsistente

 

Informações rápidas:

Objeto material: instrução primária do filho em idade escolar.

Ensino domiciliar ou homeschooling: caracteriza abandono intelectual (cf. STJ).

Crime bipróprio (sujeito ativo e sujeito passivo).

Lei penal em branco de fundo constitucional.

Elemento subjetivo: dolo (não admite modalidade culposa).

Tentativa: não admite (crime unissubsistente).

Ação penal: pública incondicionada.

Objeto jurídico: É a assistência familiar, no que diz respeito ao direito de acesso ao ensino obrigatório do filho em idade escolar. A educação é direito de todos e dever do Estado e da família (CF, art. 205). O Estado, portanto, deve proporcionar a todos o acesso gratuito ao ensino obrigatório (CF, art. 208, § 1º) e aos pais compete o dever de assistir, criar e conferir educação aos seus filhos (CF, arts. 227 e 229).

Objeto material: É a instrução primária do filho em idade escolar.

Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é deixar de prover, ou seja, omitir-se, não efetuar a matrícula do filho em idade escolar no estabelecimento de ensino de instrução primária, ou então impedir que este frequente o estabelecimento de ensino fundamental. Trata-se de crime omissivo próprio ou puro.

Elemento normativo do tipo: É representado pela expressão sem justa causa. O fato será atípico nas situações em que houver justificativa para a ausência de matrícula ou frequência do filho em idade escolar na instituição de ensino. Na hipótese em que os pais não se encontram casados, compete àquele que não detém a guarda do filho menor verificar se o outro está garantindo seu acesso ao ensino primário, uma vez que reúne condições de postular providências judiciais para garantir que tais disposições constitucionais e legais sejam cumpridas, sob pena de responsabilização civil e criminal.

A questão do homeschooling: Discute-se se os pais, seja por questões de segurança, seja pela baixa qualidade da educação ofertada pelo Estado, podem oferecer o chamado “ensino domiciliar” aos seus filhos menores de idade, prática conhecida como homeschooling na Europa e nos Estados Unidos. Para Damásio E. de Jesus, o fato seria atípico, uma vez que haveria a educação domiciliar da criança ou do adolescente e restaria ausente a lesividade da conduta.7 De outro lado, há entendimentos no sentido de que a legislação brasileira não prevê o ensino domiciliar, de modo que não se estaria a resguardar os interesses do filho menor de idade caso se permitisse aos pais propiciar a educação dos filhos da maneira que bem entenderem.

Sujeito ativo: Somente pode ser cometido pelos pais cujo filho esteja em idade escolar e carente de instrução primária (crime próprio ou especial). Como não se admite a analogia in malam partem no campo das leis penais incriminadoras, os tutores ou qualquer outra espécie de responsável legal pela guarda da criança ou adolescente não podem figurar como sujeito ativo do delito.

Sujeito passivo: O abandono intelectual é crime bipróprio – próprio quanto aos sujeitos ativo e passivo. A vítima é o filho dependente de instrução primária e em idade escolar.

Instrução primária: Não há unanimidade em relação ao alcance da expressão “instrução primária” para concluir com segurança qual é a “idade escolar”, na forma do art. 246 do CP. Há quem entenda que instrução primária equivale ao ensino fundamental, nos moldes do art. 32, caput, da Lei 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Consequentemente, idade escolar é a que vai dos 6 até os 14 anos de idade. Outros defendem ser instrução primária aquela inerente às pessoas com idade entre 4 a 17 anos, como se extrai do art. 208, I, da CF, posição mais adequada e consentânea com os mandamentos do texto constitucional.

Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa, como na hipótese dos pais que negligentemente se esquecem de promover a matrícula do filho em idade escolar no estabelecimento de ensino.

Consumação: O crime é formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se no momento em que os pais, dolosamente, deixam de efetuar a matrícula do filho em idade escolar em estabelecimento de ensino, ou seja, encerrado o prazo para matrícula, os genitores permanecem inertes. Ou então quando, por decisão dos pais, o filho em idade escolar definitivamente para de frequentar o estabelecimento de ensino (deve haver habitualidade quanto à ausência do filho menor, não caracterizando o delito a simples falta ocasional). A consumação prescinde da comprovação de efetivo prejuízo à criança ou adolescente.

Tentativa: Não é cabível (crime omissivo próprio ou puro).

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: A pena cominada ao crime de abandono intelectual é excessivamente baixa, mormente quando se leva em conta o prejuízo a ser causado, no presente e principalmente no futuro, à criança ou adolescente, em decorrência da falta de instrução primária. Essa opção legislativa, em nossa opinião, ofende o princípio da proporcionalidade, ao fomentar a proteção insuficiente do direito fundamental à educação escolar (CF, arts. 205 e seguintes). Em que pese esta crítica, o abandono intelectual é infração penal de menor potencial ofensivo, sujeitando-se à transação penal e ao rito sumaríssimo, em conformidade com as disposições da Lei 9.099/1995.

Jurisprudência selecionada:

Ensino domiciliar –homeschooling: “Inexiste previsão constitucional e legal, como reconhecido pelos impetrantes, que autorizem os pais ministrarem aos filhos as disciplinas do ensino fundamental, no recesso do lar, sem controle do poder público mormente quanto à frequência no estabelecimento de ensino e ao total de horas letivas indispensáveis à aprovação do aluno” (STJ: MS 7.407/DF, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 1ª Seção, j. 24.04.2002).

Art. 247. Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância:

I – frequente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida;

II – frequente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual natureza;

III – resida ou trabalhe em casa de prostituição;

IV – mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública:

Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.

Classificação:

Crime simples

Crime próprio

Crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado

Crime de perigo concreto

Crime de forma livre

Crime comissivo ou omissivo próprio ou puro

Crime habitual (“frequentar”), permanente (“conviver” e “residir”) ou instantâneo (“participar” ou “mendigar”)

Crime unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual

Crime unissubsistente (quando omissivo) ou plurissubsistente (se comissivo)

Informações rápidas:

Objeto material: menor de 18 anos de idade sujeito ao poder familiar, guarda ou vigilância do seu responsável.

Crime de condutas conjugadas.

Elemento subjetivo: dolo (finalidade específica para inciso IV). Não admite modalidade culposa.

Tentativa: possível na hipótese de crime comissivo e não possível no omissivo.

Ação penal: pública incondicionada.

 

 

 

Introdução: O legislador não conferiu rubrica marginal ao crime em análise, mas a doutrina é unânime ao atribuir a esse delito a denominação “abandono moral”, porque todas as condutas legalmente descritas são contrárias à formação moral do menor de 18 anos de idade, revelando o descaso daqueles que deveriam zelar pela sua educação e pela sua integridade.

Objeto jurídico: É a assistência familiar, relativamente à educação e à formação moral da criança e do adolescente.

Objeto material: É a pessoa menor de 18 anos de idade, e por esta razão sujeita ao poder familiar, à guarda ou à vigilância do seu responsável.

Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é permitir, que pode ser concretizado tanto por ação (crime comissivo) como por omissão (crime omissivo próprio ou puro), e equivale a propiciar, consentir, deixar que o menor de 18 anos de idade realize qualquer dos comportamentos previstos no tipo penal.

Inciso I – Permitir que frequente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida: Casa de jogo é o local em se pratica jogo de azar ou no qual se efetuam apostas. A atividade exercida há de ser ilícita e proibida pelo Estado. Casa mal-afamada é a de má reputação perante a coletividade em que se encontra instalada. Pessoa viciosa é a que apresenta algum vício em atividade inadequada. Pessoa de má vida é a que revela comportamentos imorais.

Inciso II – Permitir que frequente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual natureza: Espetáculo capaz de perverter ou ofender o pudor é a representação teatral ou a exibição de cinema ou programa de televisão idôneos a corromper a criança ou adolescente, em face de sua depravação moral, a exemplo dos shows pornográficos. O art. 240 da Lei 8.069/1990 contempla crime específico aplicável àquele que “produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente”, cuja pena é de reclusão, de quatro a oito anos, e multa.

Inciso III – Permitir que resida ou trabalhe em casa de prostituição: Casa de prostituição é o local, urbano ou rural, destinado ao comércio envolvendo relações sexuais. Em razão da incriminação desta conduta, o filho da meretriz não pode residir com ela no prostíbulo, bem como um menor de 18 anos de idade não pode trabalhar em estabelecimento desta natureza.

Inciso IV – Permitir que mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública: Mendigo é aquele que pede esmola para viver, como no caso das pessoas que imploram por dinheiro aos motoristas de automóveis nos semáforos das cidades. Comiseração pública é o sentimento de compaixão causado nas demais pessoas. O art. 60 do Decreto-lei 3.688/1941, outrora responsável pela tipificação da contravenção penal de mendicância, foi revogado pela Lei 11.983/2009.

Elementos normativos: É importante destacar, relativamente a todos os incisos do dispositivo ora analisado, que o legislador se utilizou de diversos elementos normativos, dependentes de juízo de valor para identificação do alcance e conteúdo de cada um deles, sendo imprescindível a valoração do magistrado na ação penal submetida à sua apreciação.

A questão inerente ao concurso de crimes: O art. 247 do CP não se constitui em tipo misto cumulativo. Sua descrição típica contém um único núcleo (permitir), que se associa a diversas condutas. Cuida-se de crime de condutas conjugadas, pois, se o agente cometer mais de uma delas, ainda que contra a mesma vítima, responderá pela pluralidade de crimes, em concurso material ou formal impróprio (ou imperfeito), dependendo do caso concreto.

Sujeito ativo: É o titular do poder familiar ou a pessoa de qualquer modo responsável pela guarda ou vigilância da criança ou adolescente, a exemplo do diretor da escola em que o menor estuda (crime próprio ou especial).

Sujeito passivo: É o menor de 18 anos de idade submetido ao poder familiar ou confiado à guarda ou vigilância de alguém.

Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica, nas condutas descritas nos incisos I a III. No inciso IV se exige, além do dolo, um especial fim de agir (elemento subjetivo específico), representado pela expressão “para excitar a comiseração pública”, ou seja, a compaixão ou piedade causada perante a coletividade. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação: Nas modalidades “frequentar casa de jogo ou mal-afamada” e “frequentar espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor”, o crime reclama habitualidade – é imprescindível a reiteração de atos para revelar a intenção de prejudicar a índole moral do menor. Nas espécies “conviver com pessoa viciosa ou de má vida” e “residir ou trabalhar em casa de prostituição”, exige-se a permanência do menor de 18 anos por tempo juridicamente relevante (capaz de colocar em risco sua formação moral) no local ou junto à pessoa apontada pelo tipo penal (crime permanente). Nas situações em que a criança ou adolescente “participa de representação capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor” ou “mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública”, é suficiente a permissão do sujeito ativo quanto à conduta do menor para a consumação do delito (crime instantâneo). Em todas as suas espécies, o crime é formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se com a prática de cada uma das condutas descritas, pouco importando se acarretou efetivamente a má formação moral da criança ou adolescente. Trata-se, também, de crime de perigo concreto, pois exige comprovação da real exposição do menor a situação de probabilidade de dano à sua formação moral. Vale destacar, entretanto, a existência de entendimentos em sentido contrário. É o caso de Luiz Regis Prado, que enquadra o abandono moral entre os crimes de perigo abstrato.8

Tentativa: É possível, nas hipóteses de crime comissivo, mas não será cabível nas modalidades omissivas do delito. A natureza de crime omissivo próprio (ou puro) e, consequentemente, unissubsistente, afasta a incidência do conatus.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, sujeitando-se à transação penal e ao rito sumaríssimo, nos termos da Lei 9.099/1995.

Abandono moral e entrega de filho menor a pessoa inidônea – distinção: O crime definido no art. 245 consiste na forma ativa do abandono moral, na qual o agente entrega o menor de 18 anos a pessoa inidônea; por sua vez, o art. 247 representa a forma passiva do delito, pois o sujeito se limita a permitir o contato entre a criança ou adolescente e a pessoa de índole inadequada.

Capítulo IV
DOS CRIMES CONTRA O PÁTRIO PODER, TUTELA OU CURATELA

Introdução: Nos arts. 248 e 249, o Código Penal enuncia fatos constitutivos de crimes contra o pátrio poder, a tutela e a curatela, protegendo mais uma vez a organização da família, base de toda a sociedade. Pátrio poder, atualmente disciplinado a título de poder familiar (CC, arts. 1.630 e seguintes), é o complexo de direitos e deveres atribuídos ao pai e à mãe, em igualdade de condições, em relação aos filhos menores. É comum ser chamado de “poder-dever familiar”, pois visa mais o benefício dos filhos do que o poder inerente aos genitores. Sua finalidade precípua é a criação, a educação e a formação dos filhos menores. Tutela é o poder conferido por lei a alguém para proteger a pessoa menor de 18 anos de idade e administrar seus bens, cujos pais já faleceram ou foram judicialmente declarados ausentes, ou então decaíram do poder familiar (CC, arts. 1.728 e seguintes). Curatela é o encargo público imposto pela lei a alguém para proteger determinada pessoa e administrar seus bens. Sujeitam-se à curatela as pessoas enumeradas no art. 1.767 do CC. Para o integral desempenho dos seus relevantes misteres, os pais, tutores e curadores necessitam da proteção da lei, assegurando-lhes condições indispensáveis para que possam agir no interesse do filho menor, do pupilo ou do interdito. É esse o bem jurídico que aqui se tem em vista. Cogita-se da proteção de direitos dos titulares do poder familiar, da tutela e da curatela, e, concomitantemente, dos interesses das pessoas a eles sujeitas.9

Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes

Art. 248. Induzir menor de dezoito anos, ou interdito, a fugir do lugar em que se acha por determinação de quem sobre ele exerce autoridade, em virtude de lei ou de ordem judicial; confiar a outrem sem ordem do pai, do tutor ou do curador algum menor de dezoito anos ou interdito, ou deixar, sem justa causa, de entregá-lo a quem legitimamente o reclame:

Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Informações rápidas:

Objeto material: menor de 18 anos de idade ou interditado judicialmente.

Tipo penal misto cumulativo e alternativo.

Elemento subjetivo: dolo (não admite modalidade culposa).

Tentativa: admite (exceção: sonegação de incapazes – crime unissubsistente).

Ação penal: pública incondicionada.

 

 

 

 

 

Objeto jurídico: O dispositivo contempla três crimes distintos: (a) induzimento a fuga; (b) entrega arbitrária; e (c) sonegação de incapazes. Estes crimes têm como escopo a proteção do poder familiar, da tutela e da curatela.

Objeto material: É a pessoa menor de 18 anos de idade ou interditada judicialmente.

Núcleos dos tipos penais: Vejamos cada um dos delitos separadamente:

a)No delito de induzimento a fuga, o núcleo do tipo é induzir, ou seja, fazer nascer na mente do menor de 18 anos de idade ou interdito a vontade de fugir do lugar em que se acha por determinação de quem sobre ele exerce autoridade, em virtude de lei ou decisão judicial. A indução deve ter como finalidade a fuga a ser realizada pelo próprio menor de idade ou interdito – se o induzimento destinar-se a convencer a vítima a acompanhar o agente, estará caracterizado o crime de subtração de incapazes (art. 249 do CP);

b)No crime de entrega arbitrária, o núcleo do tipo é confiar, no sentido de entregar a outrem, sem ordem dos pais, do tutor ou do curador, a pessoa menor de 18 anos de idade ou interditada judicialmente. Há um elemento normativo do tipo: “sem ordem do pai, tutor ou curador”. Presente a autorização de tais pessoas, o fato será atípico;

c)Na sonegação de incapazes o núcleo do tipo é deixar, que equivale a se recusar a entregar o menor de 18 anos ou interdito a quem legitimamente o reclame, comportando-se desta forma sem justa causa. Cuida-se de crime omissivo próprio ou puro. Nota-se, nesse último delito, a presença de dois elementos normativos no tipo penal: “sem justa causa” e “legitimamente”. Destarte, se houver justa causa para a recusa na entrega ou se a pessoa o reclamar de modo ilegítimo, não se poderá reconhecer o crime em apreço.

Tipo penal misto alternativo e cumulativo: O art. 248 do CP contempla um tipo penal misto cumulativo e alternativo – a conduta inicial (induzir menor ou interdito a fugir) pode ser associada à segunda, que é alternativa (confiar a outrem ou deixar de entregá-lo), caracterizando dois delitos, em concurso material.

Sujeito ativo: Os crimes são comuns ou gerais, pois podem ser praticados por qualquer pessoa.

Sujeito passivo: São os pais, tutores ou curadores e, mediatamente, a pessoa menor de 18 anos de idade ou judicialmente interditada.10

Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação: No tocante ao induzimento à fuga, a doutrina majoritária entende tratar-se de crime material ou causal, que somente se consuma com a efetiva fuga do menor ou interdito do lugar em que se achava por determinação de quem sobre ele exerce autoridade, em virtude de lei ou ordem judicial. Em nossa opinião, o induzimento à fuga é crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se com o simples induzimento à fuga, desde que idôneo ao convencimento, pois a lei não condicionou a pena à fuga concreta do menor de 18 anos de idade ou interdito. A entrega arbitrária é crime material ou causal, operando-se a consumação no momento em que se concretiza a entrega do menor de 18 anos ou interdito a terceira pessoa, sem autorização do pai, tutor ou curador. Finalmente, a sonegação de incapazes é crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado – consuma-se no instante em que o agente deixa, sem justa causa, de entregar o menor ou interdito a quem legitimamente o reclame.

Tentativa: É possível, salvo na sonegação de incapazes (crime omissivo próprio ou puro).

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Os três delitos constituem-se em infrações penais de menor potencial ofensivo, compatíveis com a transação penal e com o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.

Subtração de incapazes

Art. 249. Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial:

Pena – detenção, de dois meses a dois anos, se o fato não constitui elemento de outro crime.

§ 1º O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito não o exime de pena, se destituído ou temporariamente privado do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda.

§ 2º No caso de restituição do menor ou do interdito, se este não sofreu maus-tratos ou privações, o juiz pode deixar de aplicar pena.

Informações rápidas:

Objeto material: menor de 18 anos de idade ou interditado judicialmente.

Guarda de fato: não caracteriza o delito.

Norma penal explicativa:§ 1.º.

Perdão judicial: § 2.º.

Crime subsidiário.

Elemento subjetivo: dolo (não admite modalidade culposa).

Tentativa: admite (crime plurissubsistente).

Ação penal: pública incondicionada.

Objeto jurídico: O bem jurídico penalmente protegido é o poder familiar, a tutela ou curatela, como medidas inerentes à instituição familiar.

Objeto material: É a pessoa menor de 18 anos de idade ou judicialmente interditada. O art. 249 do CP não alcança todos os incapazes para os atos da vida civil (CC, arts. 3º e 4º), mas apenas aqueles expressamente indicados no tipo penal, pois não se admite a analogia in malam partem no tocante às leis penais incriminadoras.

Núcleo do tipo: É subtrair, no sentido de retirar o menor de 18 anos de idade ou interdito de quem detém sua guarda, que pode emanar da lei ou de decisão judicial. A subtração do menor de 18 anos de idade ou interdito de quem possui sua guarda de fato não caracteriza o delito, em razão da ausência das elementares “em virtude de lei ou de ordem judicial”. Eventual consentimento do menor de idade ou interdito é juridicamente irrelevante, pois, em decorrência do seu perfil subjetivo, presume-se sua incapacidade para anuir à conduta típica. O art. 228 da CF e o art. 27 do CP consideram inimputáveis os menores de 18 anos de idade, os quais também são absolutamente incapazes para os atos da vida civil (art. 3º, I, do CC). Cuida-se de crime de forma livre, admitindo qualquer meio de execução, a exemplo da fraude, da grave ameaça e da violência à pessoa. Nos dois últimos casos, deverão ser imputados ao agente a subtração de incapazes e o crime resultante da violência ou da grave ameaça, em concurso formal impróprio ou imperfeito (art. 70, caput, parte final, do CP).

Sujeito ativo: O crime é comum ou geral – pode ser praticado por qualquer pessoa, inclusive pelos pais, tutores ou curadores, se tiverem sido destituídos ou se encontrarem temporariamente privados do poder familiar, tutela, curatela ou guarda (art. 249, § 1º, do CP). O pai ou mãe separado judicialmente, não destituído do poder familiar, não pode ser responsabilizado pelo crime em estudo na hipótese em que retém o filho menor de idade por prazo superior ao judicialmente convencionado, mas eventualmente pelo delito do art. 359 do CP.11

Sujeito passivo: É o detentor da guarda do menor de 18 anos de idade ou interdito e, mediatamente, o próprio incapaz (menor de 18 anos de idade ou interdito). Não será vítima do crime de subtração de incapazes o maior de 18 anos de idade, assim como a pessoa portadora de enfermidade ou deficiência mental que ainda não foi interditada judicialmente.

Elemento subjetivo: É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação: O crime é material ou causal: consuma-se no momento em que o menor de 18 anos de idade ou interdito é retirado da esfera de vigilância da pessoa que detinha sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial. O crime estará consumado ainda que o menor de 18 anos ou interdito apresente resistência à conduta legalmente descrita.

Tentativa: É possível.

Ação penal: É pública incondicionada.

Lei 9.099/1995: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, sujeitando-se à transação penal e ao rito sumaríssimo, nos moldes da Lei 9.099/1995.

Subsidiariedade expressa: O preceito secundário do art. 249, caput, do CP evidencia a natureza expressamente subsidiária do crime de subtração de incapazes, cuja pena é de detenção, de dois meses a dois anos, “se o fato não constitui elemento de outro crime”.

Perdão judicial (art. 249, § 2º): O juiz poderá deixar de aplicar a pena se o menor ou interdito for restituído, não tendo sofrido maus-tratos ou privações. Trata-se de causa extintiva da punibilidade (art. 107, IX, do CP), a ser reconhecida em sentença com natureza jurídica de declaratória da extinção da punibilidade, nos moldes da Súmula 18 do STJ.

Legislação penal especial – o art. 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente: Há conflito aparente de normas entre o dispositivo em estudo e o art. 237 da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. A solução se dá por meio do princípio da especialidade, pois o art. 237 do ECA contém elementos especializantes, representados pela finalidade específica almejada pelo agente (“com o fim de colocação em lar substituto”). Não se pode ignorar, igualmente, o princípio da subsidiariedade, pois o art. 249 do CP somente se aplica se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

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1COLACCI, Marino Aldo. Il delitto di bigamia. Napoli: Jovene, 1958. p. 16.

2Com igual conclusão: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 85.

3Nesse sentido: MAGALHÃES NORONHA, E.. Direito penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. v. 3, p. 310.

4FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Parte especial. São Paulo: José Bushatsky, 1959. v. 3, p. 598.

5GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 7. ed. Niterói: Impetus, 2010. v. III, p. 686.

6Cf. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 3, p. 211.

7JESUS, Damásio E. de. Educação domiciliar constitui crime? Jornal Carta Forense, 1º abr. 2010.

8PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 8. ed. São Paulo: RT, 2010. v. 2, p. 726.

9Cf. MAGALHÃES NORONHA, E. Direito penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. v. 3, p. 346.

10Para E. Magalhães Noronha, o pródigo não pode ser sujeito passivo do delito, pois se submete à “curatela especial, que diz respeito somente a seus bens, sendo sua pessoa livre. Exceção feita da esfera econômica, pode ele dirigir-se a seu talante” (Direito penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. v. 3, p. 346).

11Cf. PENTEADO, Jaques de Camargo. A família e a justiça penal. São Paulo: RT, 1998. p. 81.