6. NIVELADORA

A cachaça foi a revelação gostosa e catastrófica para negros africanos e amerabas brasileiros. Dissolvente dinástico, dispersador étnico, perturbador cultural. Graças ao álcool o mercado africano exportador da escravaria prolongou-se, resistindo às repressões, superando os obstáculos. A circulação interna do escravo negro na África veio às portas do séc. XX. Era a irresistível moeda por todo continente, verificaram Livingstone, Serpa Pinto Wissmann, Schweingfurty, o recente e admirável Albert Schweitzer. Ainda em 1885, Stanley confessava não ser possível relações e comércio no Congo without rum, sem aguardente. Foi explicável a salvação pela continuidade da massa demográfica, pelo apoio das populações indenes, sobretudo pela pregação e violência do proselitismo abstêmico muçulmano. A aguardente é o incentivo pelo qual fazem qualquer coisa, anotou Maria Graham, olhando um grupo no Recife de 1821. Os registros desolantes dos naturalistas que viajaram os sertões e mundo amazônico, dando cachaça em troca de trabalho normal. Os jesuítas vedavam a penetração da cachaça nos aldeamentos. No sul, propagando a erva-mate. No norte, preconizando as garapas. Quando liberaram o uso, o tupi desapareceu, diluído, dessorado, desfeito pela cachaça. Os saldos étnicos existentes pelo Nordeste não tinham, como os negros na África, o suporte maciço da multidão incontaminada e fraterna. Nenhuma restrição apareceu, depois de 1759, ao direito de embriagar-se até o brutismo inerme. No Rio Grande do Norte, como para toda a região, não resistiram a cem anos de liberdade bebedoura. Ainda é a suprema tentação para o silvícola, água-de-fogo, sacudindo o organismo como se houvesse deglutido uma tempestade. Superior às armas de repetição e às técnicas do massacre tribal nos processos do despovoamento para o caucho, seringa castanha. Álvaro Maia documenta o poder do álcool irresistível, fixando a conquista assombrosa e a fixação alucinante do homem no Amazonas numa série de contos que são depoimentos para a Sociologia, para o telurismo da presença humana na região.