Há uma tradição de que a cachaça misturada com pólvora provoca a coragem. Fora estímulo belicoso nas guerras do Império.
O poeta pernambucano Ascenso Ferreira, no poema “Branquinha” (1939), recordou:
Contam os veteranos do Paraguay
que rasgavam no dente o cartucho,
misturavam pólvora com aguardente,
passavam a mistura no bucho
e depois iam brigar...
Meu pai, antigo oficial do Batalhão de Segurança, dizia-me haver essa fama entre as “praças”, mas nunca vira beber. Comandara patrulhas no sertão, perseguindo cangaceiros, oportunidade para aplicar-se o incentivo. O capitão honorário do Exército Joaquim Freire informava-me que a mistura era comumente ingerida durante a fase tumultuosa do governo do marechal Floriano Peixoto (1891-1894), no Rio de Janeiro, e onde houvesse luta, notadamente nos combates na revolta da Armada. E que a mistela datava da guerra do Paraguai ou mesmo Cisplatina. O major Antônio Augusto de Athaide (1855-1935) confirmava o uso da cachaça com pólvora na campanha de Canudos (1897). O general João da Fonseca Varela (1850-1931), veterano do Paraguai, vira muitas vezes preparar e beber, antes da batalha. Era mais comum na tropa de infantaria. Os lanceiros do general Osório gostavam desse excitante.
Desde o séc. XVII divulgara-se pela Europa, ao correr da “Guerra dos Trinta Anos”, o costume dos lansquenetes de Wallenstein e dos mosqueteiros de Tilly beberem vinho com pólvora, alarde disfarçador da carência alimentar. Em novembro de 1640, a nau em que viajava para o Brasil Joan Nieuhof foi atacada por dois corsários turcos: “Pude, então, observar que o navio maior havia recebido um tiro em cheio, à meia-nau, que o obrigara a se manter a distância, a fim de poder reparar as avarias. Isso me deu certa folga, que aproveitei para levantar o ânimo da tripulação não só verbalmente mas, também, com boa dose de vinho a que os marujos misturavam pólvora. Fiz o mesmo para os estimular” (Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil, 3).
Não encontro registro nos minuciosos cronistas da guerra contra o holandês (1645-1654). Divulgar-se-ia posteriormente. A cachaça substituira o vinho.