17. SAIDEIRA

Honi Soit Qui Mal y Pense.

Moto da Ordem da Jarreteira, 1348.

Esse Prelúdio da Cachaça em sua redação inicial, um terço do existente, divulgou-se na Revista de Etnografia, vol. VI, tomo 1, janeiro de 1966, órgão do Museu de Etnografia e História, de que era diretor o Sr. Fernando de Castro Pires de Lima, na cidade do Porto em Portugal.

De leitores da Revista e separatas distribuídas recebi as sugestões mais tentadoras e calorosas para a ampliação da pesquisa, não apenas no ângulo folclórico mas sociológico, etnográfico, histórico do assunto. A humildade rústica do motivo, pela vulgaridade cotidiana, constituía “presença” inegável não somente na literatura oral mas elemento de influência e modificação de culturas tradicionais entre povos remotos e terras distantes.

Na sequência de sua popularidade, é citação em Sá de Miranda na segunda metade do séc. XVI, imagem na eloquência de Rui Barbosa, na primeira metade do séc. XX. Quatrocentos anos de valorização literária, medindo-se entre os dois mestres do idioma, numa extensão de quatro séculos.

Não fiz a História mas a jornada da cachaça no tempo, ignorada de Gil Vicente e de Miguel Cervantes Saavedra, possuidores da linguagem em Portugal e Espanha. Não a deparei nos Romanceiros e Cancioneiros velhos, novelas picarescas ou nas vivas páginas dos Arciprestes, de Hita e Talavera. Nem nos inesquecíveis serões nos solares amigos da Galícia, Minho e Beira. Nas cidades e nas granjas. Existirá em Portugal como El-Rei D. Sebastião, inlocalizável e vivo.

Constata-se que a banalização da cachaça foi o segredo-motor de sua sobrevivência. Ficou com o povo, não mais numa quinta fidalga do Minho, e essa força obscura garantiu-lhe a contemporaneidade funcional. Não lhe estudei o complexo folclore, as aplicações da terapêutica supersticiosa, os ritos da consumação plebeia.

Fiz unicamente o leve diagrama do seu percurso secular.

Pelo Nordeste brasileiro, a Saideira é o derradeiro gole, o último copo, o brinde terminal da despedida jubilosa.

Essa é a Saideira, amigos!

Cidade do Natal,

RN, Brasil,

maio de 1967.