Decorrentemente, possuía a cachaça uma sinonímia esmagadoramente superior a outra bebida. No Brasil, talvez alcance o meio milhar de denominações humorísticas, líricas, sublimando o recalque, consagrando o vício beberrão. Centenas e centenas de títulos dados pelos fabricantes ou ligados à zona de produção, cidade, vila, usina, tornam-se genéricos, usuais no linguajar das ruas e das feiras. Os recenseamentos folclóricos não podem acompanhar a novidade das improvisações. Todos os Estados, municípios, distritos, localidades, classes sociais, terão curiosidades verbais, batizadoras da cachaça (José Calasans, Cachaça, Moça Branca, 2ª ed., Salvador, Bahia, 1951).

Creio ainda que a cachaça conquistou ascensão aos níveis, antes indevassáveis, nos surtos da eloquência nacionalizante, precursora e consequente ao período da Independência, quando era patriotismo não beber produto das vinhas portuguesas. Na revolução pernambucana de 1917, o padre João Ribeiro, mentor tão legítimo que se suicidou na derrota, recusou o cálice de vinho francês que lhe oferecia Tollenare, e pediu, para o brinde, aguardente. Como todos sabem, o boicote terminou nas festas da coroação do Imperador D. Pedro I, 1º de dezembro de 1822.

A propaganda da cachaça partiu de baixo para cima e de dentro para fora. A Rua da Quitanda, na cidade de São Paulo, foi o Beco da Cachaça. Em 1867 Richard Burton encontrou uma Rua da Cachaça em São João del Rei, Minas Gerais. No Brasil, a mais antiga menção, para mim, encontro na 5ª das Cartas Chilenas redigidas em 1788-1789, segundo Afonso Arinos de Melo Franco, ou 1786-1787, na dedução de M. Rodrigues Lapa.

Outros mais sortimentos, que não fossem

Os queijos, a cachaça, o negro fumo.

Pois a cachaça ardente que o alegra,

Lhe tira as forças dos robustos membros.

Versos 58-59 e 325-326, denunciando difusão do nome em Ouro Preto ao findar do séc. XVIII. Seria mais comum no Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, regiões do fabrico.

O primeiro estrangeiro a registrá-la em texto venerando será o Príncipe de Wied-Neuwied, Viagem ao Brasil, II, Francfort-sobre-o-Meno, 1821, escrevendo Cachaza em 1816. “Encontra-se no Rio Taipe um engenho de açúcar e várias engenhocas, onde se fabrica aguardente. A qualidade mais comum no Brasil é a chamada “aguardente-de-cana”, a que é um pouco mais bem destilada se chama “aguardente-de-mel”, e a melhor de todas, vinda da Bahia, Cachaza. Trazem da Europa várias espécies de bebidas fortes, como por exemplo a “aguardente-do-reino”, que vem de Portugal, a “genebra” da Holanda, o “rhum”, etc. II, III. O segundo teria sido von Martius em 1818, Viagem pelo Brasil, II, III, grafando Cachassa: “Quanto à Cachassa são exportados de 10.000 a 11.000 pipas cada uma regulando umas 500 garrafas”, referindo-se à Bahia. Não pude verificar se essa suplência pertencera a Saint-Hilaire ou Hawe.

O Padre Perereca, Luis Gonçalves dos Santos (1767-1844), cujas Memórias alcançam fevereiro de 1821, só escreveu águas-ardentes. Cachaça cheirava a suor plebeu. O padre, como nenhum outro, foi o cronista-mor das festividades ao Príncipe-Regente e D. João VI no Rio de Janeiro.