6. A reabilitação profissional

A reabilitação profissional é serviço especial da Previdência Social75 e possui relação direta com os benefícios por incapacidade. É, nesse cenário, prestação oferecida especialmente aos segurados em benefício auxílio-doença, disponibilizado justamente para que encontrem melhores condições de retorno ao mercado de trabalho, em virtude da seriedade do quadro infortunístico desencadeado. Caso tenham inexitosa passagem pela reabilitação profissional, estando o segurado inviabilizado de desenvolver ou encerrar o programa ajustado às suas peculiaridades clínicas, outra alternativa não resta ao INSS senão conceder ao obreiro a aposentadoria por invalidez.

A passagem do segurado pelo Centro de Reabilitação Profissional do órgão previdenciário (CRP/INSS) é momento peculiar do acidentado dentro da estrutura administrativa da autarquia federal, razão pela qual devem ser efetuadas algumas observações pormenorizadas.

Reabilitação é o conjunto de procedimentos diagnósticos e terapêuticos aplicados aos indivíduos portadores de incapacidade, de etiologia e graus variados, transitória ou definitiva, que objetivam o restabelecimento da funcionalidade do indivíduo, no que diz respeito às suas capacidades físicas, psíquicas, sociais e profissionais, possibilitando-lhe a retomada de seus papéis na família e na sociedade.76

No âmbito previdenciário, a reabilitação profissional é serviço oferecido a todos os beneficiários do RGPS (segurados e até dependentes); podendo ser realizada no próprio ambiente de trabalho (a que estava o beneficiário vinculado antes da saída em benefício) ou mediante cursos/treinamentos formalizados pelo órgão previdenciário através de acordos/convênios com qualificadas instituições ou empresas públicas.

A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência tem entendido que o procedimento de reabilitação profissional a ser efetivado pelo INSS deverá assegurar-lhe, sendo de sua vontade, condições de permanência na sua região, não se podendo dele exigir o afastamento desta ou do seio familiar.77

Em caso de segurados que sofreram sérios acidentes de trabalho ou de qualquer natureza, a reabilitação configura-se em medida oportuna para que o obreiro possa retornar ao mercado de trabalho em função compatível com as suas limitações atuais. Trata-se de serviço que pode se encontrar diretamente vinculado aos benefícios por incapacidade, notadamente ao auxílio-doença. Ocorre que tão somente após certo tempo de gozo do aludido benefício provisório pelo segurado poderá o INSS concluir pela eventual necessidade de encaminhamento à reabilitação profissional antes que retorne ao mercado de trabalho.

É o que se pode deduzir da expressa disposição legal a respeito, contida no art. 62 da Lei n° 8.213/91, in verbis:

“O segurado em gozo de auxílio-doença, insuscetível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não recuperável, for aposentado por invalidez”.

Por sua vez, o art. 137 do Decreto n° 3.048/99, outro dispositivo relevante para a matéria, regula as funções básicas desenvolvidas no processo de reabilitação profissional de segurado:

“I – avaliação do potencial laborativo, II – orientação e acompanhamento da programação profissional, III – articulação com a comunidade, inclusive mediante a celebração de convênio para reabilitação física restrita a segurados que cumpriram os pressupostos de elegibilidade ao programa de reabilitação profissional, com vistas ao reingresso no mercado de trabalho, e IV – acompanhamento e pesquisa da fixação no mercado de trabalho”.78

O segurado deverá participar obrigatoriamente dos programas de reabilitação profissional, sob pena de a administração ficar autorizada a suspender o benefício provisório; tratando-se, conforme paradigma do TRF da 4ª Região, de hipótese mesmo de suspensão, e não de cancelamento, pois retornando o segurado a cumprir o tratamento prescrito, a prestação previdenciária deverá ser restabelecida.79

Por essa relativa complexidade do procedimento, percebe-se que o encaminhamento do segurado à reabilitação profissional não é uma situação corriqueira. A situação de praxe é a do segurado permanecer “encostado” no INSS por um período suficiente para se recuperar de sua convalescência, retornando as suas atividades habituais, através do que se conhece como “alta médica simples”.

Em casos excepcionais em que o mero afastamento do labor, mesmo por períodos longos, não é suficiente para que o segurado readquira a plenitude de sua força laborativa – hipóteses em que há indícios de cronificação da lesão que determinou o afastamento para benefício provisório, fazendo-se necessário que o obreiro se “adapte” aquele deficit funcional para readquirir alguma condição de trabalho –, pode-se daí sim falar em reabilitação profissional.

Porém, mesmo que se entenda perfeitamente a excepcionalidade do encaminhamento do obreiro ao CRP, tem-se evidente no Brasil que o INSS não vem cumprindo a contento a determinação legal,80 não existindo uma clara orientação para que nas perícias de rotina, prorrogadoras de benefício auxílio-doença, encaminhe-se à reabilitação profissional toda uma gama de segurados que se enquadram nas disposições do art. 62 da Lei n° 8.213/91 c/c art. 137 do Decreto n° 3.048/99.

Esse é mais um ponto em que o Judiciário normalmente atua substituindo o desempenho deficitário do órgão previdenciário, ao passo que o INSS, em bom número de casos, não adota as medidas cabíveis tempestivamente, determinando o encaminhamento de segurados ao CRP/INSS no momento oportuno – mesmo em casos em que o segurado permanece por um longuíssimo período em benefício (às vezes, por quatro, cinco ou mais anos), só fazendo tratamento clínico e/ou fisioterápico, sem então um devido encaminhamento técnico pela estrutura previdenciária.81

O correto encaminhamento administrativo, nos termos da lei, seria então a determinação que segurados em benefício auxílio-doença com problemas de incapacidade mais graves fossem encaminhados à reabilitação, antes da alta de benefício e consequente retorno ao mercado de trabalho. Nesse momento, qual seja, o de determinação de alta de benefício ao final da reabilitação, caberia ainda ao órgão previdenciário confirmar se o segurado possui invalidez parcial que o prejudique na concorrência de emprego, quando então poderia determinar o pagamento do benefício auxílio-acidente.

A passagem do trabalhador pelo CRP deve ser encerrada mediante apresentação, pelo setor competente do órgão previdenciário, de um “certificado (individual) de conclusão”, cuja cópia é encaminhada à empresa empregadora; devendo o médico do trabalho da empresa estar atento a esse documento, quando do preenchimento do Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) de retorno do empregado, para que, na prática, não haja piora ou recidiva do quadro clínico que determinou o afastamento originário.

Nesse documento (certificado) ficam registradas as atuais limitações funcionais do obreiro, sendo indicadas as atividades para as quais o obreiro estaria apto e as atividades para as quais estaria inapto; sem prejuízo do exercício, pelo trabalhador, de qualquer outra atividade para a qual se julgue capacitado ou venha posteriormente a se capacitar.82

Necessário, no entanto, o registro de que a colocação do segurado no mesmo emprego ou em outro para o qual ficar reabilitado não é obrigação da Previdência Social, cessando o processo de reabilitação profissional com a emissão do certificado individual.83

Toda a passagem pelo CRP deve restar devidamente documentada pelo INSS, sendo prévio ao aludido certificado de conclusão, as análises periódicas dos progressos do segurado e as avaliações do seu potencial laborativo, do qual se extrairá valioso relatório denominado “Ficha de Avaliação do Potencial Laborativo” (FAPL).

Como é fácil agora de se concluir, a passagem pelo CRP, em que confeccionado o FAPL e principalmente o certificado (individual) de conclusão trazem uma rede de informações que esclarecem a real situação de invalidez (parcial) do obreiro, servindo, posteriormente, como meio de prova judicial (contra o INSS e mesmo contra a empresa empregadora), para comprovar a significância da lesão incapacitante, mormente quando não há pagamento pelo INSS de contraprestação (benefício) relacionada à demonstração do deficit funcional.84

Por fim, de acordo com a parte final do transcrito art. 62 da Lei n° 8.213/91, ratifiquemos que é possível que a reabilitação profissional não seja devidamente encerrada, em razão das próprias limitações físicas e/ou psíquicas do segurado. Dito de outra forma: havia uma possibilidade e um interesse do retorno do obreiro ao mercado de trabalho (por parte do INSS e, muitas vezes, do próprio segurado), mas na prática a passagem pela reabilitação profissional indicou pela extrema dificuldade da missão.

Nesse caso, em que verificada tentativa inexitosa (interrompida) do segurado pelo CRP/INSS, obviamente não deve ser emitido certificado (individual) de conclusão e o órgão previdenciário, constatando não ser recuperável a lesão incapacitante, deve encaminhar o segurado para concessão da aposentadoria por invalidez.85

Notas

75 Nos termos do art. 90 da Lei n° 8.213/91, a reabilitação profissional é devida em caráter obrigatório aos segurados e, na medida das possibilidades do órgão da Previdência Social, aos seus dependentes; com efeito, o dispositivo quer-nos parecer que, sendo a Previdência Social um dos ramos da Seguridade Social, mas informado pelos critérios do seguro, ou seja, dependendo de contribuição, titulares de tais prestações são os segurados e seus dependentes, não outras pessoas portadoras de deficiência que fazem jus ao benefício assistencial (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 299).

76 BARETTA, Valdir Cezar; BARETTA JR., Valdir Cezar. Reabilitação profissional no CRP-Florianópolis. Extraído do Repositório UFSC: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/ 123456789/105001/REABILITA%C3%87%C3%83O%20PROFISSIONAL%20NO%20CRP-FPOLIS.pdf?sequence=1>. Acesso em 02.02.2014, p. 15 e ss.

77 Dentre alguns julgados, tratando especialmente do trabalhador rural, menção ao Incidente de Uniformização 200683025031778, Rel. Juíza Federal Maria Divina Vitória, D.J.U. 28.01.2009 (BERNARDO, Leandro Ferreira; FRACALOSSI, William. Direito previdenciário na visão dos tribunais. São Paulo: Método, 2009, p. 325).

78 BALERA, Wagner; MUSSI, Cristiane Miziara. Direito Previdenciário. 9. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 215.

79 Dentre alguns julgados, tratando da hipótese de abandono de programa de reabilitação profissional, menção ao julgado pela 6ª Turma, REO 97.04.68195-0/RS, Rel. Juiz Federal convocado Sebastião Muniz, D.J. 13.09.2000 (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 258).

80 CARNEIRO, Osvanor Gomes. O direito do segurado a reabilitação profissional. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11662>. Acesso em fev 2014.

81 APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. INSS. AUXILIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. LAUDO PERICIAL. Hipótese em que o nexo etiológico entre o acidente de trabalho e a lesão foi devidamente reconhecido pela Autarquia previdenciária. Por outro lado, a prova pericial evidenciou que o segurado esta incapacitado para executar a sua função laboral, a qual exige o emprego de força física. Considerando que a prova técnica demonstrou que o segurado encontra-se incapacitado para executar as suas atividades habituais de trabalho, em decorrência de um típico acidente laboral, imperativo reconhecer o direito do segurado ao restabelecimento do auxílio-doença acidentário, de modo que o benefício é devido até o momento em que o segurado seja submetido a processo de reabilitação profissional a cargo da Previdência Social e possa exercer atividade profissional compatível com as suas condições físicas, nos termos do art. 62, da Lei 8.213/1991 (...). (Apelação e Reexame Necessário nº 70035347798, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 21/07/2010).

82 VILELA VIANNA, Cláudia Salles. Previdência Social – custeio e benefícios. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 506/507.

83 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 531.

84 Outro aresto, mais afeito ao contexto, pode-se colher da jurisprudência do Tribunal gaúcho: “APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL. PRELIMINAR. MINISTÉRIO PÚBLICO. LAUDO PERICIAL. COMPLEMENTAÇÃO. DESNECESSIDADE. Na espécie, a prova técnica é robusta e consistente, especialmente porque não há nenhuma imprecisão no laudo pericial que justifique a complementação do trabalho técnico; pelo contrário, todos os pontos foram bem ponderados e se encontram devidamente apreciados. Assim, inexistem as divergências apontadas, não restando configurada nenhuma nulidade processual. AUXÍLIO-ACIDENTE. INSS. TENOSSINOVITE. LESÃO POR ESFORÇO REPETITIVO. NEXO CAUSAL E REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA DEMONSTRADOS. Hipótese dos autos em que restou demonstrado pela analise sistemática do conjunto probatório que a segurada sofre de doença adquirida no exercício da sua atividade de trabalho. Deste a eclosão da moléstia, restaram sequelas que reduziram a capacidade de trabalho da obreira, mormente porque a própria avaliação médica da Autarquia previdenciária entendeu que a segurada deveria passar por um por processo de reabilitação profissional, pois para a sua atividade habitual de bancária foi considerada inabilitada. No caso concreto, os elementos de prova dos autos apontam, sem dúvida, para a existência de sequelas decorrentes de doença profissional que reduzem a capacidade de trabalho da segurada. Benefício devido (...). TERMO INICIAL: Início do benefício a contar do dia seguinte à cessação do auxílio-doença acidentário anteriormente concedido. REJEITADA A PRELIMINAR DO MP, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO RÉU, PROVERAM O RECURSO DA AUTORA E, DE OFÍCIO, DETERMINARAM A APLICAÇÃO DA LEI Nº 11.960/2009. UNÂNIME. (Apelação Cível nº 70030798011, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 28/10/2009)”.

85 Segundo a jurisprudência pacífica dos Tribunais, a aposentadoria por invalidez é um benefício devido ao segurado que for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência; assim, a impossibilidade de reabilitação profissional aparece como verdadeiro pressuposto da aposentadoria por invalidez – nesses termos: STJ, 6ª Turma, RESP 621.331/PI, Rel. Min. Paulo Gallotti, D.J. 07.11.2005; STJ, 5ª Turma, RESP 226.094/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, D.J. 15.05.2000.