7. Módulo sobre acidentes de trabalho

Já antecipamos que quando um trabalhador se afasta das suas atividades laborais, percebendo primeiramente um benefício por incapacidade provisória do sistema, a sua opção natural, quando viável, é alcançar a benesse de natureza acidentária, diante de algumas vantagens como a estabilidade provisória e o direito ao depósito do Fundo de Garantia pelo período de recuperação da convalescença. Ainda poderíamos mencionar que o benefício acidentário autoriza com maior propriedade a discussão da responsabilidade do empregador no evento infortunístico, em demanda trabalhista de reparação de danos. E mesmo podemos mencionar, com base na prática do foro, que psicologicamente o trabalhador se sente mais fortalecido, inclusive perante a família, ao justificar a sua ausência do mercado de trabalho em razão de uma incapacidade proveniente do ambiente do trabalho do que em razão de um quadro de natureza fisiológica, degenerativa, pessoal enfim.

Não estamos aqui evidentemente referindo que o trabalhador deve buscar o benefício de natureza acidentária a qualquer custo, independentemente do real problema de saúde que o afeta. Há de se ter elementos probatórios para tanto. E a configuração do chamado “nexo causal” ou “nexo etiológico”86 – o estabelecimento da relação direta entre a atividade laboral e o quadro infortunístico – muitas vezes é complexa e envolve profunda análise do problema.

Especialmente os quadros psíquicos vêm se revelando muito difíceis de configuração do nexo causal, sendo comum que mesmo os médicos particulares dos trabalhadores atestem com maior tranquilidade a extensão da incapacidade, mas resistam ao determinar com precisão a origem dessa incapacidade. Eis a razão que justifica o estudo mais detido dos acidentes de trabalho em momento próprio, já que a configuração do nexo causal é questão delicada, refletindo em inúmeros indeferimentos de benefício acidentário tanto na via administrativa, como na via judicial.87

Os acidentes de trabalho e a proteção à saúde dos trabalhadores são objeto de legislação específica, de natureza trabalhista e previdenciária.88 A definição de acidente de trabalho e toda a extensão de seu conceito, incluindo especialmente os acidentes típicos, as doenças ocupacionais (profissionais ou do trabalho) e os acidentes de trajeto estão na Lei nº 8.213/91, que é a Lei de Benefícios da Previdência Social. Esta lei é que também vai trazer as principais prestações pecuniárias pagas pelo sistema de Seguridade Social, nas chamadas ações acidentárias, e também o período de garantia de emprego do empregado que recebeu benefício previdenciário por acidente de trabalho.89

A caracterização de acidente do trabalho na legislação brasileira começa pela definição de acidente típico no art. 19 da Lei nº 8.213/91, in verbis:

“Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.

Acidente típico é o que provoca lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. O Decreto nº 3.048/99, que regulamenta a Lei nº 8.213/91, refere-se a evento de qualquer natureza ou causa, de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa. É necessário, de qualquer forma, que este evento tenha nexo causal com a atividade laborativa bem definido, ou seja, o acidente deve decorrer de um risco específico relacionado com o trabalho, e não o risco geral que qualquer indivíduo possui, no dia a dia, de sofrer um acidente comum.90

As doenças ocupacionais são referidas no art. 20 da Lei nº 8.213/91 se subdividem em doenças profissionais e doenças do trabalho. As doenças profissionais (idiopatias) são as produzidas ou desencadeadas pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho. São doenças próprias de um determinado tipo (risco) de atividade e que por sua incidência estatística passam a ser relacionadas em uma norma jurídica (Decreto nº 3.048/99, Anexo II – mesmo que com rol exemplificativo). As doenças do trabalho (mesopatias) são patologias comuns, que podem afetar a qualquer indivíduo, mas que aparecem por condições especiais em que o trabalho é realizado.

Em geral admite-se que as doenças profissionais (idiopatias) são objeto de relação normativa, enquanto as doenças do trabalho (mesopatias) devem ter seu nexo de causalidade verificado no caso concreto. Isso traz consequências práticas no que diz respeito ao ônus da prova, pois as doenças profissionais têm presunção de nexo de causalidade e, somente em casos especiais, a empresa poderá questionar a exclusão do nexo. Além disso, em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista no artigo 20 seja ela doença profissional (idiopatia – inciso I) ou doença do trabalho (mesopatia – inciso II), possa ela vir a ser reconhecida como doença ocupacional, desde que reconhecido, no caso concreto, o nexo de causalidade entre a doença e a atividade laborativa.

Para a Lei nº 8.213/91, no mesmo art. 20, não são consideradas doenças do trabalho as doenças degenerativas, as doenças inerentes a grupo etário, as doenças que não produzam incapacidade laborativa e as doenças endêmicas adquiridas por segurado habitante na região geográfica em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. O critério determinante das hipóteses de exclusão é a presunção de ausência de nexo de causalidade, pois estas enfermidades poderiam se manifestar estando presente, ou não, a atividade laborativa. Pode-se verificar, entretanto, a existência de concausa entre a atividade laboral e o agravamento de uma doença de origem degenerativa ou inerente a certo grupo etário, por exemplo. Da mesma forma, é preciso lembrar que muitas doenças ocupacionais são de natureza degenerativa e, provada sua relação direta com a atividade laborativa, o processo degenerativo deve ser caracterizado como doença do trabalho.91

As concausas (ou teoria das concausalidades), que iremos aprofundar mais adiante nesta obra, são as causas concorrentes ao acidente do trabalho. Não são necessariamente a causa principal, mas juntam-se a ela para a verificação do resultado, podendo ocorrer por fatores preexistentes, concomitantes ou supervenientes. Isso ocorre porque muitas vezes, ou mesmo na maioria das vezes, um acidente de trabalho não possui apenas uma causa, caracterizando-se como um encadeamento de eventos para os quais concorrem várias ações ou omissões, vários ambientes e condições de trabalho.

Para se ter uma ideia geral do que levou ao evento danoso, é preciso estudar todas as variantes e possibilidades, traçando-se um mapa de todas as possíveis relações de causa e efeito. Sob o ponto de vista da política legislativa, a adoção de concausas como um dos elementos caracterizadores dos acidentes de trabalho, representa um grande avanço no sentido de compreender uma realidade variada e com múltiplas faces, e com essa compreensão, aumentar o número de hipóteses enquadráveis como acidente de trabalho e, por consequência, aumentar o caráter protetivo da legislação. A aceitação das concausas parte do pressuposto de que a causa traumática ou o fator patogênico não geram idênticas consequências na totalidade das pessoas, diante da possibilidade de reações distintas e diferentes fatores agressivos.92 Assim, as concausas, além de aumentar a proteção aos trabalhadores, por força da ampliação dos casos possíveis de caracterização de acidentes de trabalho, também propiciam uma melhor adaptação ao caso concreto, por atribuir as consequências específicas a múltiplos fatores agressivos à saúde do trabalhador.

Ainda com relação às concausas, é forçoso, desde já, se concluir que, diversamente do acidente típico, a doença ocupacional não tem origem exclusiva no ambiente de trabalho, sendo evidente que ao lado de fatores laborais, coexistem fatores externos (constitucionais, fisiológicos) que somados dão corpo a um estágio mais evoluído de incapacidade. Tal aspecto é notadamente verificado nos quadros psíquicos (depressivos) em que há estabelecimento do nexo de causalidade – quando ao lado da pressão por produtividade, estresse/concorrência do ambiente de trabalho e eventual assédio moral (fatores laborais), se somam as características próprias da personalidade do empregado, a história pregressa de problemas mentais, inclusive na família, e a gravidade de outros eventos pretéritos ou atuais da vida penosa do trabalhador (fatores externos ao labor).93

Outra espécie de acidente de trabalho previsto na legislação brasileira são os acidentes in itinere, ou acidentes de trajeto. A inclusão ocorre pelos elevados índices de acidentes de trânsito que decorrem da atividade profissional, e não estão relacionadas com a condução de veículos por força de interesse puramente particular. Pela Lei nº 8.213/91, o acidente de trajeto inclui o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho, no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

Em princípio, o deslocamento do trabalhador para o local de trabalho, por meio próprio, não é de responsabilidade do empregador. A regra geral do tempo à disposição, caracterizado como tempo de serviço tanto aquele de efetivo trabalho como quanto aquele em que o trabalhador estiver à disposição do empregador, previsto no art. 4º da CLT,94 reforça a ideia de que o empregador só deveria indenizar por acidente de trajeto quando ele próprio fornecesse o meio de transporte. Após alguma evolução legislativa, o modelo atual parte dos pressupostos de que a indenização por acidentes de trajeto de que trata o art. 21, IV, d, da Lei nº 8.213/91, é de natureza previdenciária e está inspirada pela teoria do risco. Por esta razão, menciona o trajeto de ida e vinda e qualquer meio de locomoção. Haverá de ter apenas o nexo de causalidade (nexo topográfico e nexo cronológico) e a comprovação do dano, para fins de gozo de benefício previdenciário.

Dito de outro modo, a concepção ampla de acidentes de trajeto se aplica para fins de caracterização de acidente de trabalho e, por consequência, para a concessão de benefícios previdenciários. Para fins de indenização paga diretamente pelo empregador, exige-se um nexo de causalidade qualificado ou, segundo outro entendimento, a ocorrência de culpa ou dolo do empregador (art. 7º, XXVIII, da CF/88).95 Se não for desta maneira, todos os acidentes de trânsito ocorridos com transporte coletivo (ônibus, trens, metrôs, barcas, etc.) ensejariam a possibilidade de indenização acidentária (benefícios pagos pelo INSS) e também indenizações pelos empregadores. Isso levaria a transferir a responsabilidade de todos os infortúnios de trânsito para os empregadores, o que levaria a um sério questionamento sobre o equilíbrio do sistema.

O conceito de acidente de trabalho ocorrido fora do local de trabalho ainda inclui acidentes ocorridos de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito e em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo, quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação de mão de obra, independentemente do meio de locomoção utilizado.

Como se vê, o nexo de causalidade é bastante extenso com relação aos motivos dos deslocamentos do trabalhador em função de seu trabalho para a empresa. Somente não haveria acidente de trabalho se demonstrada a ausência do nexo de causalidade por desvio de rota (ausência de nexo topográfico) ou por desvio de finalidade (ausência de nexo cronológico). São casos de interrupções, desvios ou prolongamentos do itinerário realizados por iniciativa do empregado, sem nexo de causalidade com o seu trabalho.96

Por último, duas hipóteses equiparadas a acidentes de trabalho: os fatos acidentais sem nexo de causalidade com o trabalho em si, mas ocorridos no local de trabalho e as doenças provenientes de contaminação acidental.97

Os fatos acidentais sem nexo direto com o trabalho em si, mas ocorridos no local de trabalho estão enumerados como: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, negligência ou imperícia de terceiro ou companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior. Todas essas hipóteses ocorrem por fatos alheios à vontade das partes da relação de emprego (empregado e empregador), mas o evento danoso ocorre dentro do local de trabalho ou fora dele, mas em função do trabalho.98

Uma vez verificado, ensejará reparação via benefício previdenciário e, se provada a inexistência de medidas protetivas, também poderá atrair a responsabilidade civil do empregador. Como se sabe, o caso fortuito e a força maior são fatores excludentes do nexo de causalidade na reparação civil, mas o enquadramento como tal dependerá da natureza da atividade de empregador e das circunstâncias do caso concreto. A legislação, por exemplo, inclui como acidente de trabalho por equiparação os danos causados ao trabalhador por ato de pessoa privada do uso da razão. Entretanto, uma coisa é este ato ocorrer em um local de trabalho como o comércio e outra é o fato ocorrer dentro de uma clínica de recuperação de dependentes químicos. No primeiro caso, uma agressão por pessoa privada do uso da razão será, na grande maioria das vezes, um caso fortuito, decorrente de uma causalidade. No segundo, a probabilidade do trabalhador estar em contato com pessoas com surtos de insanidade ou surtos de abstinência é muito maior, devendo ser tomadas providências específicas para evitar acidentes.

Esse mesmo raciocínio se aplica às doenças provenientes de contaminação acidental. Em princípio, a própria definição traz o elemento fortuito ao descrever o fato como acidental, ou seja, independente de intenção humana. De qualquer forma, sempre haverá a possibilidade de se discutir se, no caso concreto, houve negligência, imprudência ou imperícia, que são os elementos caracterizadores da culpa ou se na hipótese em questão pode se cogitar em risco da atividade (doença profissional), em face da alta probabilidade de contaminação acidental ou da noção de perigo extremado, em face do contato com vírus ou bactéria de altíssimo poder letal.

Grosso modo, a título de apertada síntese, podemos dizer, de acordo com os termos do art. 19, 20 e 21 da Lei n° 8.213/91, que se o quadro infortunisto for caracterizado como acidente de trabalho, inclusive pela utilização da teoria das concausas, pode ser catalogado como acidente típico – evento traumático único quando prestado serviço ao empregador; doença ocupacional – desencadeada por exposição prolongada a agente agressivo no ambiente de labor; ou acidente de trajeto – evento traumático único quando do deslocamento do serviço para o lar ou do lar para o serviço.

Nesse amplo sentido, dentro das espécies de acidente de trabalho, podemos bem separar os acidentes (típicos e de trajeto) das doenças ocupacionais (profissionais e do trabalho), como classicamente já faziam Oswaldo Opitz e Silvia Opitz: caracteriza-se, em regra, o acidente pela subitaneidade e a violência, ao passo que na doença, isso não ocorre, porque é um processo que tem certa duração, embora se desencadeie num momento certo, provocando a lesão corporal ou a perturbação funcional e até mesmo a morte; pode-se acrescentar, ainda, mais um elemento diferenciador, qual seja, a sua causa, que no acidente é externa, quando, quase sempre, na doença, ela se apresenta internamente devido ao processo silencioso peculiar a toda moléstia orgânica do homem.99

Já tendo sido feitas menções esparsas em relação à investigação/caracterização do nexo causal em matéria acidentária, oportuno abrirmos aqui um parênteses mais alongado para tratarmos em miúdos da problemática.

Há realmente dificuldades concretas para a caracterização da origem laboral de um problema de saúde incapacitante. Mesmo para peritos experientes em lides forenses, a configuração ou exclusão do nexo é tarefa árdua, constando frequentemente nos laudos oficiais a observação de que qualquer conclusão jurisdicional a respeito do nexo causal deve levar em consideração outros legítimos elementos (de prova) constantes nos autos.100 Isso sem levar em conta a possibilidade de utilização das normas jurídicas de regência para ser definido se é suficiente a prova existente para fins de caracterização do nexo causal e/ou se a parte se desincumbiu do ônus que lhe competia.

Além dos elementos documentais-técnicos úteis para o estabelecimento de uma relação firme entre o quadro clínico incapacitante e o ambiente de trabalho, torna-se oportuno o estudo (complementar) das regras legais que estabelecem o que pode ser conceituado como acidente de trabalho e se se pode estabelecer alguma espécie de presunção (relativa) pró-operário de que a demonstrada moléstia é de origem ocupacional.

Há elementos objetivos, especialmente de ordem documental, que auxiliam na caracterização/confirmação do infortúnio laborativo na via administrativa previdenciária ou judicial. A matéria separa-se em três grupos fundamentais: a) documentos técnicos; b) teoria das concausalidades; c) estabelecimento do nexo técnico epidemiológico.101

O principal documento analisado para fins de investigação/caracterização do nexo causal é a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Esta deve vir formalmente preenchida com a explicitação do fato gerador (as circunstâncias no ambiente de labor que ocasionaram o evento acidentário), do agente emitente (o responsável pela emissão do documento, constante em alargado rol legal contemporâneo) e incidência da ocorrência (sendo anunciado se a CAT é inicial ou é de reabertura).

A CAT deve ser preenchida em lapso temporal logo posterior à ocorrência do acidente de trabalho, a fim de que não pairem dúvidas sobre a sua lisura. No entanto, mesmo em função de certa ignorância do empregado-segurado em relação à prática para reconhecimento do problema de saúde como acidentário, não é incomum que venha a ser preenchida certo tempo depois – até porque não há uma imposição (temporal) para que o próprio trabalhador acidentado providencie na emissão da CAT, se tal providência compete, por dever legal, ao empregador.102 Mesmo assim, no documento haverá espaço bem diferenciado para ser informada a data do preenchimento formal da CAT e a data real do acidente ou início da doença do trabalho.

Por ser o documento que registra o acidente do trabalho, a sua ocorrência ou o agravamento de doença ocupacional, a emissão da CAT, repise-se, é obrigatória por parte do empregador, conforme estabelece o Decreto nº 3.048/99, a Lei nº 8.213, de 1991, e as NR-7 e NR-15 do MTE, sob pena de multa pelo Ministério do Trabalho, que pode variar entre 630 (seiscentos e trinta) e 6.304 (seis mil, trezentos e quatro) UFIR, dependendo da gravidade apurada pelo órgão fiscalizador.

Destaca-se que, de acordo com Portaria MPAS nº 5.817/99, a CAT deverá ser emitida para todo acidente ou doença relacionados com o trabalho ainda que não haja afastamento ou incapacidade – quando temos configurada hipótese da denominada “CAT de registro”.

Isso porque, além de se destinar a dar garantia de assistência acidentária ao empregado junto ao INSS ou até mesmo de uma aposentadoria por invalidez, a emissão da CAT serve para fins de controle estatísticos e epidemiológicos junto aos órgãos Federais, sendo seu registro fundamental para a geração de análises estatísticas que determinam a morbidade e mortalidade nas empresas e para a adoção das medidas preventivas e repressivas cabíveis, sendo considerados, também, os casos de reconhecimento de nexo técnico epidemiológico na forma do art. 21-A da citada Lei. Ademais, nos casos de perda auditiva, ainda que o empregado não tenha sido afastado do trabalho e não haja nexo causal do trabalho com a sua perda auditiva, a emissão da CAT é necessária para fins estatísticos e epidemiológicos, de acordo com a Instrução Normativa no. 98 INSS/DC de 05.12.2003, Seção II, item 3.

A fim de elucidarmos melhor o cenário, temos que as duas grandes hipóteses em que se cogita da relevância da emissão da “CAT de registro” circunscreve-se ao afastamento por acidente de trabalho em período não superior a 15 dias e pelo problema de ordem laboral que exige afastamento do labor por período superior a 15 dias quando o trabalhador já percebe uma aposentadoria previdenciária do INSS. Em ambos os casos, houve o acidente, o que determina a comunicação, mas por força de lei o empregado não faz jus ao benefício por incapacidade acidentária (B91).

A respeito do agente emitente, a legislação atual autoriza que não só a empresa tenha o direito de emitir a CAT, abrindo a possibilidade para que outras entidades tenham a importante prerrogativa: como o sindicato da categoria profissional, a Delegacia Regional do Trabalho e mesmo o médico do trabalho que vem acompanhando o obreiro (art. 336, § 3º, do Decreto nº 3.048/99 e art. 224, IV, da IN nº 02/07).

Boa parte de empresas tendem a não reconhecer o nexo causal a partir da emissão da CAT, a fim de que não venham, com essa medida, a criar verdade prova robusta (contra si) que determine ulterior prejuízo (notadamente financeiro) – que ocorreria, v.g., com o desfecho favorável ao empregado de processo de reparação de danos em razão do acidente de trabalho.

Segundo pesquisa efetuada em 2001 pelo Instituto Nacional de Prevenção às LER/DORT, apenas 2% das empresas emitem a CAT, o que revela também para a ineficiência dos mecanismos de fiscalização em relação aos acidentes de trabalho, bem como a precariedade das estatísticas relacionadas pelos órgãos públicos.103

Daí por que a legislação atual, nos termos do art. 22, § 2°, Lei n° 8.213/91, permite que outras personalidades possam apresentar o documento junto ao INSS a fim de que venha o segurado a perceber um benefício de natureza acidentária, com todas as decorrentes prerrogativas da lei.

A comunicação de acidente de trabalho ou doença profissional será feita à Previdência Social em formulário próprio, preenchido em seis vias: 1ª via (INSS), 2ª via (empresa), 3ª via (segurado ou dependente), 4ª via (sindicato de classe do trabalhador), 5ª via (Sistema Único de Saúde) e 6ª via (Delegacia Regional do Trabalho).104

Por fim, com respeito à CAT, é importante que o documento apresente se o problema de saúde incapacitante é originário ou se se trata de uma recidiva de sintomas (problema recorrente). No primeiro caso, a CAT será inicial (código 01); no segundo, de reabertura (código 02).105 Em sendo de reabertura, o documento traz forte indício da não provisoriedade (rectius: da significância) do quadro incapacitante, a autorizar a possibilidade concreta de percepção de um benefício acidentário definitivo pelo segurado – especialmente se confirmada, por outros elementos, a hipótese de quadro cronificado, sujeito a recidivações.

Eis o grande enfoque do ponto em termos previdenciários; por outro lado, em termos de reparação civil, uma reabertura de CAT pode trazer importante indício de alguma atitude dolosa ou, ao menos, culposa da empresa em termos de incoerência no (não) afastamento do empregado de setores de risco ocupacional e/ou imprecisão no exame médico de retorno, em que deveriam constar as restrições funcionais daquele empregado que volta ao trabalho após período de afastamento em benefício acidentário.106

Esse número da CAT (código 01 ou 02) representa o próprio histórico do problema de saúde ocupacional, e por isso sendo a CAT originária da empresa, e se havendo recidiva de sintomas o empregador se negar agora a emitir novo documento, outra entidade legalmente habilitada, como o sindicato, v.g., deverá emitir a CAT e apontar o código (02) de reabertura. A prática do foro, aliás, nos revela que a empresa tende a não apontar o código 02 (reabertura) se a CAT originária não foi emitida por ela mesma – dando implicitamente a entender, com essa atitude inadequada, que só o empregador tem poderes legítimos para reconhecer a natureza e a origem acidentária do infortúnio, o que, s.m.j., fere as disposições de lei. Portanto, o registro de reabertura da CAT está diretamente vinculado à história do problema ocupacional (se este está sendo verificado em momento originário ou se é recorrente), desimportando aqui se a CAT de reabertura é lavrada ou não pelo mesmo agente que emitiu a primeira.

Cumpre referir que os médicos que trabalham em empresas têm o dever de emitir a Comunicação de Acidente do Trabalho, sempre que houver acidente ou moléstia causada pelo trabalho, conforme estabelece o art. 3°, IV, da Resolução nº 1488/98 do Conselho Federal de Medicina. A referida norma ainda estabelece que essa emissão da CAT deve ser feita até mesmo na suspeita de nexo etiológico da doença com o trabalho, devendo ser fornecida cópia dessa documentação, ao trabalhador, confirmando a previsão do art. 169 da CLT. Portanto, a empresa não pode se eximir de preencher a CAT, sob pena de ser autuada e sujeita às multas; cabendo aos sindicatos e entidades representativas de classe acompanharem a cobrança das citadas multas.107

O artigo 10 da Convenção nº 161 da OIT garante aos profissionais da área de saúde no trabalho o gozo de plena independência profissional, tanto a respeito do empregador como dos trabalhadores e de seus representantes, sem falar que o Código de Ética Médica estabelece que:

“O médico não pode, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho”.

Ademais, destaca-se que o profissional de medicina empregado de empresa deve notificar, formalmente, o órgão público competente, quando houver suspeita ou comprovação de transtornos da saúde atribuíveis ao trabalho, bem como recomendar ao empregador a adoção dos procedimentos cabíveis, independentemente da necessidade de afastar o empregado do trabalho (inciso V do art. 3º).

Ainda quanto ao momento em que a CAT deve ser emitida, observa-se que o INSS, através da Ordem de Serviço INSS/DSS nº 621/99, estabeleceu que: “No caso de doença profissional ou do trabalho, a CAT deverá ser emitida após a conclusão do diagnóstico”, sendo que:

“Todos os casos com diagnóstico firmado de doença profissional ou do trabalho devem ser objeto de emissão de CAT pelo empregador, acompanhada de relatório médico preenchido pelo médico do trabalho da empresa, médico assistente (serviço de saúde público ou privado) ou médico responsável pelo PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – previsto na NR nº 7), com descrição da atividade e posto de trabalho para fundamentar o nexo causal e o técnico”.108

Essa norma favorece que os empregados acidentados permaneçam sem a devida assistência, tendo em vista que muitas empresas opõem resistência à emissão da CAT sob a alegação de que não existe ainda “diagnóstico firmado” da doença ocupacional. A natural dificuldade médica de se chegar a um diagnóstico se eleva nestes casos de doenças relacionadas com o trabalho, pois elas também podem ser diagnosticadas como doenças degenerativas ou do grupo etário, o que provoca a realização de inúmeros exames, atrasando por demais a elaboração do diagnóstico final.

Assim, não deve se levar ao pé da letra o discutido enunciado contido na Ordem de Serviço nº 621/99 do INSS, uma vez que a CAT já pode ser emitida no momento em que houver suspeita diagnóstica fundamentada de doença relacionada ao trabalho, conforme estabelece o art. 169 da CLT antes referido.

Além da CAT, os documentos que integram o histórico funcional/laborativo do obreiro corporificam-se também em importantes elementos para a investigação/caracterização do nexo causal em matéria acidentária. Estamos falando especificamente do teor do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), e dos registros de limitações/infortúnios constantes em Atestados de Saúde Ocupacionais (ASOs) e Carteira de Trabalho (CTPS).109

No PPP, geralmente pelo responsável geral do setor de recursos humanos da empresa (RH), é montado o panorama das atividades desenvolvidas pela empresa e são apontadas em detalhes as funções realizadas pelo empregado, com o período respectivo e os materiais/agentes aos quais está exposto o obreiro. É, por isso, documento especialmente direcionado ao órgão previdenciário (como o próprio nome do documento revela), a fim de que possa ser melhor estabelecido ou descaracterizado o nexo causal, bem como reveste-se de significância para o reconhecimento de tempo especial (que exige exposição do segurado a condições permanentes de insalubridade/periculosidade).

Quanto aos ASOs, são da responsabilidade do médico do trabalho da empresa, o qual tem a obrigação de registrar periodicamente, e fielmente, as condições de saúde de cada trabalhador, anotando se em determinada avaliação o obreiro está apto, inapto ou mesmo apto com restrições (discriminando, nesse último caso, as atividades que não pode executar), bem como deve o profissional técnico deixar consignado os riscos ocupacionais a que aquele empregado está submetido ao realizar as suas atividades hodiernas (v.g., riscos ergonômicos, riscos de ruído excessivo, riscos de contaminação).

Os respectivos riscos ocupacionais sobreditos podem desenvolver, como normalmente ocorre, várias doenças ocupacionais, como LER/DORT (Lesões por Esforços Repetitivos/Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho), PAIR (Perda Auditiva Induzida por Ruído), Pneumoconioses e IOB (Intoxicação Ocupacional por Benzeno). Interessante ser salientado que o INSS, por meio de normas infralegais, tratou de reconhecer, em detalhes, a gravidade e o nexo causal desses quadros clínicos; senão vejamos: Ordem de serviço n° 606/1998 do Ministério da Previdência Social (OS – norma técnica pioneira sobre LER/DORT); Instrução Normativa n° 98/2003 da Previdência Social (IN/INSS – norma técnica contemporânea sobre LER/DORT, que ainda admite, com maior ênfase, a vinculação de transtornos mentais com os quadros ortopédicos); Ordem de Serviço n° 607/1998 do Ministério da Previdência Social (OS – norma técnica sobre Intoxicação Ocupacional por Benzeno); Ordem de Serviço n° 608/1998 do Ministério da Previdência Social (OS – norma técnica sobre PAIR); Ordem de Serviço n° 609/1998 do Ministério da Previdência Social (OS – norma técnica sobre Pneumoconioses).110

No que toca à CTPS, deve ser juntada a cópia integral do documento nos processos administrativos e judiciais em que se discute a natureza acidentária de um problema de saúde incapacitante. Ocorre que – além dos registros tradicionais de admissão/demissão, cargo na empresa com o respectivo período e remuneração – há espaço próprio no documento para anotações a respeito da saída do trabalhador em benefício por incapacidade (geralmente, auxílio-doença), com averbação do período do afastamento (Data Inicial Benefício – DIB; e Data Cessação Benefício – DCB) e ainda do código que inicialmente foi registrado o benefício (B91 – auxílio-doença acidentário; ou B31 – auxílio-doença previdenciário). Esse espaço encontra-se no final da CTPS.

Da mesma forma, são relevantes os documentos produzidos no próprio ambiente de labor, lavrados pelo empregador e que apontam se foram ou não adotadas efetivas medidas de prevenção no combate aos acidentes de trabalho.

Tratando-se de documentos vinculados ao Serviço Especializado de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SEESMET) e à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), de cuja atuação e interação decorrem especialmente o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e o controle sobre a utilização obrigatória do Equipamento de Proteção Individual do empregado (EPI).111

Com o objetivo de diminuir o número de acidentes de trabalho no Brasil, a legislação evoluiu para exigir medidas preventivas mais sérias das empresas, sendo tal esforço bem identificado com a publicação da Portaria n° 3.213/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, e a consequente vigência de Normas Regulamentares (NRs), que dispõem sobre procedimentos obrigatórios relacionados à medicina e à segurança no trabalho.112

Considera-se EPI todo dispositivo ou produto, de uso individual, utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho. É dever da empresa fornecer aos empregados gratuitamente o equipamento adequado, sendo, pois, fator importante na fixação da indenização por acidente de trabalho o fato de o empregador não fornecer e/ou não exigir o uso do material, resultando daí o evento infortunístico. Da mesma forma, é importante, notadamente nas lides de reparação de danos contra o empregador, a juntada pela própria empresa do PCMSO e do PPRA, a fim de se averiguar se foram tomadas as medidas preventivas para evitar o acidente de trabalho (culpa contra a legalidade).113

Por último, voltando ao debate estritamente previdenciário, é preciso mencionar a possibilidade de juntada de documentos complementares, produzidos unilateralmente pelo empregado/segurado, que podem trazer dados elucidativos para a comprovação do infortúnio laborativo. Em outros termos, trata-se de documentos que, por si só, claramente não teriam força para viabilizar o reconhecimento do nexo causal, mas podem contribuir para tal finalidade se analisados articuladamente com os outros elementos centrais para a investigação/caracterização do problema de saúde incapacitante (como a CAT, o ASO, o PPP, o PCMSO e o PPRA).

Eis o espaço próprio em que deve ser dado destaque aos exames e atestados médicos particulares – com a explicitação do Código Internacional de Doenças (CID); comprovantes de fisioterapia – com explicitação do período de tratamento e a quantidade de sessões; e prontuários médicos de clínicas/hospitais – com a explicitação do motivo e o tempo máximo de internação.

Durante o lapso temporal em que o empregado/segurado permanece incapacitado, há um corpo de profissionais que vão atestando o desenvolvimento do estado clínico, sendo que em tais documentos, além do registro da extensão contemporânea do quadro incapacitante, normalmente aparecem destacadas as origens (rectius: fatores) que desencadearam o problema de saúde incapacitante.

Pois bem. Feita a análise prioritária dos vários documentos que auxiliam na demonstração do infortúnio laborativo, é importante ser compreendido, na sequência, e com maiores detalhes, qual é o critério legal escolhido pelo sistema normativo para fins de reconhecimento do nexo causal.

Para fins de reconhecimento da natureza acidentária da incapacidade, basta que o ambiente de trabalho tenha sido um fator importante para o desenvolvimento ou agravamento do quadro clínico, não precisando ser fator exclusivo, ou mesmo principal/preponderante para o infortúnio.

Este é o enquadramento da problemática destacado pela (denominada) teoria das concausalidades, a qual encontra previsão no art. 21 da Lei n° 8.213/91 e aplica-se propriamente para as doenças ocupacionais – já que, ratificamos, nos casos de acidentes típicos ou de trajeto obviamente há um fator decisivo (rectius: pontual) que determina, por si só, a caracterização do acidente de trabalho.

Repare a relevância da complementação do estudo do nexo, a partir da presença da teoria das concausalidades, diante da seguinte indagação: bastaria que inúmeros e legítimos documentos técnicos apontassem que um quadro infortunístico (PAIR, v.g.) tivesse sido causado pelo trabalho (ambiente de labor ruidoso), mas também por uma soma de vários outros problemas externos (trauma acústico na infância, desgaste do aparelho auditivo próprio da idade), se a legislação de regência exigisse que o trabalho fosse causa exclusiva ou mesmo a causa preponderante? A resposta é evidentemente negativa, o que inocorre diante do texto do art. 21, I, da Lei n° 8.213/91, o qual autoriza, para fins de reconhecimento do nexo causal, que a causa laboral seja simplesmente uma dentre tantas outras externas ao ambiente de trabalho.114

A lógica do raciocínio esposado – teoria das concausalidades – vale para toda e qualquer doença ocupacional, já que em nenhum desses casos o trabalho será fator exclusivo gerador de incapacidade – lembrando que já foi mencionada, v.g., a natureza complexa e multifatorial dos quadros psíquicos/depressivos, os quais possuem sempre na sua gênese uma carga de fatores genéticos/constitucionais, aos quais podem se somar fatores próprios do ambiente de trabalho prejudiciais à saúde mental do obreiro.

Não se deve esquecer, igualmente, como bem pondera Hertz J. Costa,115 que a predisposição patológica do trabalhador pode ainda não ser doença, ou patogenia. Pode ser uma causa potencial, oculta, que prepara o organismo para, em um certo lapso de tempo, e segundo variado grau de intensidade dos agentes externos, transformar-se em determinada doença incapacitante. No acidente de trabalho, as condições ambientais e de execução da atividade podem então funcionar como agentes ou causas próximas desencadeadoras da doença. Neste caso, a história clínica do obreiro, constante dos arquivos do empregador, à época do desligamento e também anteriores a ela, representam dados importantes para o estabelecimento do nexo causal.

Agora, se é verdade, de acordo com a informada Lei de Benefícios do INSS, que a circunstância de o ambiente de trabalho ser fator principal ou importante junto com várias outras causas não é deveras significante para fins de reconhecimento do nexo causal, certo, por outro lado, que a distinção é fundamental para fins de eventual quantificação da culpa da empresa no evento infortunístico (em ação indenizatória movida contra o empregador).

Uma coisa então é o reconhecimento do nexo causal pela teoria das concausalidades, usualmente empregada no âmbito do direito previdenciário (desimportando se o trabalho foi fator preponderante ou uma causa simples conjugadas com outras externas); outra, é a quantificação mais precisa da participação do trabalho no desenvolvimento do quadro ocupacional, a importar em maior indenização a ser sustentada pelo empregador, em ação de reparação de danos pelo problema de saúde do funcionário da empresa, caso demonstrado que o ambiente de labor foi sim causa preponderante/principal da doença ocupacional.

Por fim, cabe menção ao Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP),116 instituído no final de 2006.

A partir de estudos estatísticos e científicos sobre as atividades profissionais das empresas e os principais infortúnios que vinham se sucedendo nos empregados, em razão dessas atividades, foi montado, no país, quadro que estabelece um elo apriorístico entre a doença e o ramo de atividade profissional. Ganha destaque, a partir da instituição do NTEP, a expressão “doença profissional”, sendo certo que o novel instituto se presta para caracterização de um tipo especial de doença ocupacional; não sendo usado, por outro lado, para caracterização de acidentes típicos ou de trajeto.

A existência do Nexo Técnico Epidemiológico criou a figura da presunção legal a respeito da relação entre a moléstia e o trabalho desenvolvido, sendo forjada, pelos dados estatísticos e científicos já mencionados, a presunção relativa, por ex., de que bancário com problemas ortopédicos possui quadro ocupacional de LER/DORT.

Tal iniciativa, incrementada a partir da Lei n° 11.430, que instituiu o art. 21-A na Lei n° 8.213/91, veio para diminuir o problema das subnotificações em acidentes de trabalho, já que antigamente cabia ao trabalhador, com todas as suas limitações (financeiras, técnicas e sociais), os esforços para provar a origem laboral do problema de saúde incapacitante – acontecendo daí, não raro, o não reconhecimento da natureza acidentária do benefício por falta de provas a respeito. Vale ainda destacar que a aplicação do NTEP veio a dar maior respaldo às CATs emitidas por agentes legitimados outros que não a empresa. Acontece que o INSS, em tempo anterior à novel alteração legal, oferecia inúmeras resistências para a caracterização do nexo causal quando a CAT não fosse emitida pela empresa (v.g., CAT do sindicato); situação que diminuiu nitidamente a partir da mudança legal de 2006, a qual sensivelmente facilitou a caracterização da doença ocupacional no país.

Cabe destacar, em especial, a situação do nexo técnico epidemiológico e a caracterização da depressão como doença do trabalho.117 Embora prevista, por ex., já na IN 98/2003, do INSS, a relação de quadros de LER/DORT com sintomas depressivos, sempre fora tratado com muitas restrições pela perícia do INSS o reconhecimento de que quadro de ordem mental possui relação com o ambiente de labor, de maneira isolada ou relacionada com outras lesões (no caso acima, de ordem ortopédica) – sendo que tal circunstância em parte se justificava pela dificuldade do próprio perito particular do trabalhador atestar por escrito o nexo etiológico, como já lembrado. Com a instituição do NTEP, passaram a ser indicadas diversas classes de CNAE em que se reconhece o nexo etiológico com essas enfermidades, caracterizando-a como doença profissional (presunção juris tantum) – como os atendentes de call center.

Mesmo assim, algumas malfadadas recordações do passado ainda se fazem presentes nas agências da autarquia federal, embora felizmente em número bem menor. O NTEP, ao que parece, veio para ficar, sendo pequenos os casos de desrespeito à presunção por ele criada, em que o INSS insiste em conceder benefício não acidentário ao trabalhador que se encaixa no perfil descrito.

Agora, ressalta-se por oportuno, a presunção “pró-operário” instituída pelo NTEP não é absoluta (presunção juris tantum – que admite prova em contrário),118 cabendo à empresa protocolar junto ao órgão previdenciário pedido de contestação do nexo causal, o qual será julgado na via administrativa – determinando a autarquia federal, se for o caso, a descaracterização da natureza acidentária do benefício concedido;119 situação que obviamente traz vantagens à empresa, especialmente interessada em afastar, desde o princípio, uma prova robusta de relação sua com o evento infortunístico (que poderia inclusive determinar sua responsabilização civil em ulterior ação trabalhista de reparação de danos).

Em linguagem técnica previdenciária, a empresa apresentará pedido de contestação ao nexo causal para que o benefício acidentário seja transformado em não acidentário (rectius: previdenciário). Deverá a empresa justificar a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, ao caso concreto, quando dispuser de dados e informações que demonstrem que os agravos não possuem nexo técnico com o trabalho exercido pelo trabalhador, sob pena de não conhecimento da alegação em instância administrativa. Uma vez apresentada contestação ao NTEP pelo empregador e sendo admitido preliminarmente pelo INSS o teor da manifestação, o empregado terá direito a acesso a todas as informações e documentos juntados a fim de que possa se defender em prazo de dez dias, sendo na sequência proferida decisão pelo órgão previdenciário – da qual cabe recurso administrativo por quaisquer das partes envolvidas.120

Por fim, registre-se que a nova sistemática do nexo técnico epidemiológico não dispensa a obrigatoriedade da emissão de CAT, sendo na verdade mais um importante elemento forjado para fins de legitimamente ser configurado o nexo causal. Nesse sentido, cabe destacar importante decisão, abordando a obrigatoriedade da emissão de CAT pelo empregador, mesmo em se discutindo situação de presunção de nexo causal na hipótese de doença profissional, LER/DORT no ramo bancário:

“(...) Em caso de suspeita de LER/DORT, é obrigatória a emissão da CAT pela instituição bancária, pois a competência para auferir a existência de nexo técnico entre a doença e o labor é do órgão previdenciário (art. 169 da CLT c/c art. 337 do Decreto 3.048/99 e item 8 da IN 98/2003 do INSS). Presume-se o nexo técnico epidemiológico entre as doenças e as atividades econômicas elencadas no Regulamento da Previdência, sendo do empregador o ônus da prova quanto à não caracterização da doença ocupacional (inovação legislativa decorrente da MP 316, de 11.08.2006, convertida na Lei n° 11.430/2006 que acrescentou o art. 21-A à Lei n° 8.213/91 e da nova redação dada ao art. 337 do Decreto n° 3.048/99 pelo Decreto n° 6.042/2007). Previsão regulamentar de reconhecimento objetivo de nexo causal entre a maioria das doenças classificadas como LER/DORT e a atividade laboral em bancos múltiplos (...)”.121

Notas

86 PEDROTTI, Irineu A.; PEDROTTI, Willian A. Acidentes do trabalho. 4. ed. São Paulo: LEUD, 2003, p. 78/81.

87 APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. AGRAVO RETIDO. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE NOVA PERÍCIA. DESACOLHIMENTO. A prova pretendida (nova perícia) não se mostra necessária para o deslinde do feito, que já está suficientemente instruído, razão pela qual não está configurado cerceamento de defesa. Agravo retido desprovido. MÉRITO. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO DOENÇA ACIDENTÁRIO E SUA POSTERIOR TRANSFORMAÇÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. Não caracterizado nexo causal entre a suposta moléstia e o trabalho do autor, especialmente considerando a análise da perícia médica, não há benefício previdenciário a ser alcançado. AGRAVO RETIDO DESACOLHIDO APELAÇÃO DESPROVIDA (Apelação Cível nº 70046350856, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 25/01/2012).

88 RUBIN, Fernando; ROSSAL, Francisco. Acidentes de Trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 28 e ss.

89 Dentre as históricas obras acidentárias lançadas em período próximo ao da publicação da Constituição Federal e ao início de vigência da Lei de Benefícios do Regime Geral da Previdência Social, indica-se para consulta: COIMBRA, J.R. Feijó. Acidentes de trabalho e moléstias profissionais. Rio de Janeiro: Edições trabalhistas, 1990; DIAS CAMPOS, José Luiz; DIAS CAMPOS, Adelina Bitelli. Acidentes do trabalho: prevenção e reparação. São Paulo, LTr, 1991.

90 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 247/262.

91 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenização por acidentes do trabalho ou doença ocupacional. 4. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 50.

92 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 198.

93 Em termos de exame jurisprudencial sobre a utilização da teoria das concausalidades em torno da doença ocupacional cabe o confronto entre o julgado no processo 0071100-11.2008.5.04.0030 com o julgado no feito 0042000-89.2007.5.04.0662.

94 Considera-se como de serviço efetivo – duração não eventual ou contínua – o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada (MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 117 e ss).

95 BARBOSA GARCIA, Gustavo Filipe. Acidentes de trabalho: doenças ocupacionais e nexo técnico epidemiológico. 4. ed. São Paulo: Método, 2011, p. 78 e ss.

96 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 224 e ss.

97 ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 109/110.

98 PAIXÃO, Floriceno; PAIXÃO, Luiz Antônio C. A previdência social em perguntas e respostas. 40. ed. Porto Alegre: Síntese, 2004, p.149.

99 OPITZ, Oswaldo; OPITZ, Silvia. Acidentes do trabalho e doenças profissionais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 22.

100 Tal situação não evidencia propriamente a necessidade de aplicação do art. 436 do CPC, o qual consagra a tradicional possibilidade de relativização/afastamento do laudo oficial diante dos demais elementos probantes (prova documental e oral, por exemplo). Revela, na verdade, para a necessidade de análise completa de todas as lícitas provas aportadas ao feito, a fim de que se encontre pontos seguros de contato entre elas. A ideia ora esposada, portanto, é de complementariedade (na análise das provas); e não de exclusão (pela via da opção de utilização de um meio de prova em detrimento de outro). Nesse sentido, apropriado é o julgado da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região no processo nº 01193-2006-030-04-00-0, de relatoria do Juiz Convocado Francisco Rossal de Araújo, publicado em 11/11/2009.

101 RUBIN, Fernando. Proteção jurídica frente ao acidente de trabalho: medidas preventivas e repressivas. In: Teatro de sombras: relatório da violência no trabalho e apropriação da saúde dos bancários. Organizadores Jácéia Aguilar Netz e Paulo Antônio Barros Oliveira. Porto Alegre: Editora SindBancários Publicações, 2011, cap. 8, p. 121/131.

102 BARBOSA GARCIA, Gustavo Filipe. Acidentes de trabalho: doenças ocupacionais e nexo técnico epidemiológico. 4. ed. São Paulo: Método, 2011, p. 52.

103 SANCHEZ, Adilson. Advocacia previdenciária. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 254.

104 Ministério da Previdência Social. Disponível em <http://www1.previdencia.gov.br/pg_secundarias/beneficios_06_01.asp>. Acesso em fev/2014.

105 O código de reabertura é sempre 02, independente se se trata da primeira, da segunda ou da terceira reabertura de CAT emitida pelo agente legitimado por lei – RUBIN, Fernando; ROSSAL, Francisco. Acidentes de Trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 40 e ss.

106 VILELA VIANNA, Cláudia Salles. Previdência Social – custeio e benefícios. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 359/360.

107 TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de direito da seguridade social. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

108 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 227/228.

109 Tópico atrelado à segurança e medicina do trabalho – consultar: MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 249 e ss.

110 NOVAES FILHO, Wladimir – organizador. Avaliação de incapacidade laborativa – benefícios previdenciários, normas técnicas. São Paulo: LTr, 1998, p. 11 e ss.

111 Tópico também atrelado à segurança e medicina do trabalho – consultar: BARBOSA GARCIA, Gustavo Filipe. Curso de direito do trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 1027 e ss.

112 No contexto dessas NRs, há espaço próprio para a regulamentação do SEESMT (NR n° 4), da CIPA (NR n° 5), do EPI (NR n° 6), do PCMSO (NR n° 8) e do PPRA (NR n° 9) – Segurança e Medicina do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

113 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenização por acidentes do trabalho ou doença ocupacional. 4. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 159 e ss.

114 APELAÇÃO. ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO ACIDENTÁRIA. AUXÍLIO-ACIDENTE. PERDA AUDITIVA OCUPACIONAL. REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL. Dos elementos dos autos ficou constatado que a perda auditiva do autor decorreu de sua atividade laborativa. Portanto, conclui-se que há nexo de causa e efeito entre a história ocupacional do autor e sua perda auditiva, ainda que estejam reconhecidas concausas. Justificada a concessão do benefício do auxílio-acidente, com fundamento no artigo 86 da Lei nº. 8.213/91 (...). APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. NO MAIS, REFORMADA PARCIALMENTE A SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO. (Apelação Cível nº 70042216614, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Balson Araújo, Julgado em 28/07/2011).

115 COSTA, Hertz J. Acidentes de trabalho na atualidade. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 80.

116 ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 111.

117 BARBOSA GARCIA, Gustavo Filipe. Acidentes de trabalho: doenças ocupacionais e nexo técnico epidemiológico. 4. ed. São Paulo: Método, 2011, p. 108.

118 A respeito, pode-se consultar obra mais específica: MARTINEZ, Wladimir Novaes. Prova e contraprova do nexo epidemiológico. São Paulo: LTr, 2008.

119 VILELA VIANNA, Cláudia Salles. Previdência Social – custeio e benefícios. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 355/356.

120 KEMMERICH, Clóvis Juarez. O processo administrativo na Previdência Social – curso e legislação. São Paulo: Atlas, 2012, p. 44 e ss.

121 TRT 9ª Região, 5ª Turma, RO 98905-2004-007-09-00-9-ACO-07300-2008, Rel. Rubens Edgard Tiemann, DJPR 11.03.2008.