8. Benefícios por incapacidade e repercussão na concessão das aposentadorias previdenciárias

Iniciaremos a discussão de importantes tópicos específicos envolvendo os benefícios por incapacidade, tratando da relação de cada um deles com as aposentadorias previdenciárias do sistema, especialmente a maior delas: a aposentadoria por tempo de contribuição.

Ocorre que o tempo em gozo do auxílio-doença, em razão de sua Renda Mensal Inicial – RMI – ser de 91% do salário-benefício, em que visualizada uma espécie de desconto embutido de 9% a título de contribuição previdenciária do segurado, vem servindo para fins de contagem de tempo de contribuição. Ou seja, todo o período em que o segurado permanecer em benefício provisório, recuperando-se do seu problema de saúde, pode ser utilizado para fins de composição de sua ulterior aposentadoria por tempo de contribuição (B42).

Registra o art. 55 da Lei n° 8.213/91 que o período em gozo de auxílio-doença será computado para a aposentadoria por tempo de contribuição se intercalado entre períodos de atividade; já o Decreto n° 3.048/99, pelo seu art. 60, IX, indica que somente se o benefício por incapacidade for decorrente de acidente de trabalho, o interregno será computado se intercalado ou não.122

Não nos parece que haja qualquer lógica em diferenciar, neste particular, o beneficio auxílio-doença de natureza acidentária (B91) do auxílio-doença de natureza previdenciária (B31). Mesmo porque a RMI de ambos é exatamente igual – 91% salário-benefício, existindo o anunciado desconto embutido de 9% tanto em uma modalidade como na outra.

Nesse diapasão, entendemos que há justificativa plausível para em ambos os casos ser computado o interregno se intercalado ou não. O que significa dizer que após um período em benefício por incapacidade, quando da alta do benefício, se o segurado já tiver tempo de contribuição suficiente para requerer o seu B42, inclusive levando em consideração o período em auxílio-doença, poderia imediatamente requerer a aposentadoria previdenciária junto à agência do INSS, sem a necessidade de voltar a contribuir para o sistema.

No entanto, a jurisprudência majoritária entende que o Decreto n° 3.048, no trato do tema, acabou por contrariar a disciplina da Lei n° 8.213, hierarquicamente superior, prevalecendo o entendimento no sentido de que é cabível a contagem do período de gozo do auxílio-doença como tempo de contribuição, desde qual tal período seja intercalado com outros de efetiva contribuição ao sistema previdenciário.123

Na prática, tal discussão não gera ao segurado significativo problema, já que será suficiente, para cumprir o comando legal, a efetivação de ao menos uma contribuição posterior ao INSS. No caso de alta de benefício auxílio-doença pelo segurado celetista, deverá voltar ao ambiente de labor, permanecendo por pelo menos um mês laborando – se bem que no caso do benefício acidentário terá estabilidade provisória de até doze meses, sendo ainda mais confortável a sua situação. Na hipótese de o segurado da Previdência Social voltar de benefício provisório e não ter vínculo empregatício, bastaria uma contribuição espontânea, como contribuinte individual ou mesmo como facultativo para cumprir o requisito legal.

O segurado para obter o seu B42 deve computar, se homem, 35 anos de contribuição e, se mulher, 30 anos de contribuição, somando todos os períodos em que contribuiu para o sistema como segurado obrigatório ou facultativo, podendo ser utilizado período de labor no campo (averbação de tempo rural)124 e ainda período em gozo de benefício por incapacidade, em que, mesmo sem caráter volitivo, permaneceu fora do mercado de trabalho se recuperando de um quadro infortunístico.125

Se o auxílio-doença pode ser computado para fins de tempo de contribuição, em razão especial da sua RMI de 91% do salário-benefício, da mesma forma parece crível, como regra geral, a utilização desse período para fins de carência nas aposentadorias previdenciárias.

Tal aspecto tem maior interesse quando do estudo da aposentadoria por idade (B41), já que para concessão deste benefício previdenciário basta cumprir o requisito etário – 65 anos, homem; 60 anos, mulher – e ainda a carência de 180 meses. Caso então o segurado esteja com dez anos de contribuição ao INSS, poderia somar mais cinco anos em que permaneceu em licença saúde e somando a idade buscar um B41 na agência do INSS?

Esta é a indagação que vem sendo respondida favoravelmente ao segurado pela jurisprudência: prevalecendo o entendimento no sentido de que o período em que o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença poderá ser computado como carência para fins de concessão do benefício de aposentadoria por idade.126

Trata-se aqui, no nosso entender, de correta superação do tradicional conceito de “prazo de carência” como sendo de efetivo recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes. Se houve gozo do benefício por incapacidade, houve, mesmo que às avessas, determinado constante recolhimento ao sistema previdenciário, razão pela qual o período de auxílio-doença, acidentário ou comum, deve ser considerado para fins de carência.127

Assim, só não poderia ser utilizado determinado período da vida do segurado se não tivesse, nesse interregno, alguma forma de contribuição, direta ou indireta, ao sistema previdenciário. É nesse contexto que entendemos ajustada a impossibilidade do período de averbação de tempo rural – sem contribuição – ser utilizado para fins de carência da aposentadoria previdenciária, conforme consolidado pelo enunciado n° 42 da Turma Nacional de Uniformização (TNU):

“Tempo de serviço do segurado trabalhador rural anterior ao advento da Lei 8.213/91, sem o recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser considerado para a concessão de benefício previdenciário do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), exceto para efeito de carência, conforme a regra do art. 55, § 2º, da Lei 8.213/91”.

No caso específico da carência envolvendo o auxílio-doença, temos como adequada a formatação da Súmula n° 7 da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região (TRU4): “computa-se para efeito de carência o período em que o segurado usufrui benefício previdenciário por incapacidade”.

Mesmo quem apresenta posicionamento contrário, como Marina Vasques Duarte,128 salienta a forte inclinação jurisprudencial que se visualiza:

“Ainda que se considere legal o posicionamento que entende não ser possível o cômputo do período em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez como carência, porquanto ausentes contribuições, várias são as decisões judiciais permitindo a sua soma ao restante: ‘PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR IDADE. PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CÔMPUTO PARA EFEITO DE CARÊNCIA. 1. O tempo em que fica a segurada em gozo de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez é computado como tempo e serviço e de carência. 2. Cumprida a carência, único motivo da suspensão do benefício administrativamente, é devido o restabelecimento da aposentadoria por idade, a contar do seu cancelamento’”.129

De acordo com o entendimento jurisprudencial esposado, o período em gozo desses benefícios por incapacidade não serviriam tão somente para carência, mas também para cômputo de tempo de serviço/contribuição. Tal aspecto é interessante no caso da aposentadoria por idade, já que pelo art. 50 da Lei n° 8.213/91, a RMI do B41 é formada por 70% do salário-benefício mais 1% a cada ano de contribuição. Assim, possível se cogitar que o período em benefício por incapacidade possa ser utilizado não só para fins de carência, mas também para o fim de aumentar a RMI da aposentadoria por idade, a qual no caso de cumprida a carência mínima restaria em preocupantes 85% salário-benefício.

Por fim, em torno do auxílio-doença e sua repercussão na concessão das aposentadorias previdenciárias, deve-se indagar se para fins da aposentadoria especial (B46) é possível o cômputo do período em licença saúde para fins de tempo de trabalho e carência.

Sabe-se que a aposentadoria especial é benefício previdenciário extremamente restrito, vinculado a situações de exposição a agentes nocivos de maneira permanente por período não inferior a 15 anos – e que pode chegar a 25 anos. A própria carência é de 15 anos. Mas se o trabalhador se afasta de suas atividades em condições anormais em virtude de um problema de saúde diretamente relacionado a essa atividade que lhe garantiria um B46 é de se refletir se tal período então em auxílio-doença acidentário (B91) poderia ser utilizado para fins de tempo de trabalho e inclusive carência.

Entendemos que sim, diferenciando a concessão do auxílio-doença de natureza acidentária e atrelada ao ambiente de labor inóspito com o benefício por incapacidade de natureza comum, que realmente não teria por que ser utilizado favoravelmente ao segurado para qualquer finalidade relacionada ao B46.

Nesse diapasão, Wladimir Novaes Martinez130 apresenta uma série de julgados em que confirmado que:

“É considerado tempo de trabalho, para os efeitos de aposentadoria especial, aquele em que o segurado tenha estado em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, desde que concedidos esses benefícios como consequência do exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas”.

Como se pode perceber, de alguns trechos acima, quando se falou nos reflexos dos benefícios por incapacidade em relação às aposentadorias previdenciárias, seja para fins de cômputo do tempo de trabalho, seja para fins de carência, sempre se atrelou os casos de auxílio-doença com os de aposentadoria por invalidez. O próprio art. 55 da Lei n° 8.213/91 c/c art. 60 Decreto n° 3.048/99, respectivamente nos incisos II e III, reconhecem que será computado como tempo de contribuição o período intercalado em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.131

A aposentadoria por invalidez é benefício por incapacidade de natureza permanente e definitiva. Mas, como expressamente exposto, é possível que a qualquer tempo seja concedida alta do benefício, seja pela recuperação da capacidade laboral reconhecida pelo INSS, seja por pedido formal encaminhado pelo próprio segurado. Por isso, embora a aposentadoria por invalidez tenha RMI máxima (100% salário-benefício), não existindo nesse período de concessão do benefício por incapacidade qualquer contribuição do segurado à Previdência Social, certo que se estabelece como situação excepcional, em que não se pode exigir do segurado qualquer contraprestação, mesmo porque ao tempo de concessão da benesse se tem a expectativa de que não mais retorne ao mercado de trabalho – dada a gravidade do quadro infortunístico.

Assim, na hipótese de o segurado, após bom período em aposentadoria por invalidez, acidentária (B92) ou comum (B32), vir excepcionalmente a retornar ao mercado de trabalho, parece inevitável que o período em benefício por incapacidade seja computado para fins de tempo de contribuição (B42); carência especialmente para fins de aposentadoria por idade (B41); e tempo de trabalho e carência para fins de aposentadoria especial (B46) – nesse último caso, se a aposentadoria por invalidez for acidentária e decorrente do ambiente de trabalho agressivo, como o trabalhador celetista exposto a ruído permanente e acima nos níveis legais tolerados, que veio a perceber, por determinado período, uma aposentadoria por invalidez por PAIR132 (Perda Auditiva Induzida por Ruído – B92).

Portanto, os centrais benefícios por incapacidade – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez – possuem reflexos interessantes no campo das aposentadorias previdenciárias, sendo em geral computados justificadamente tais períodos, como procuramos bem expor, para fins de tempo de trabalho e carência.

O mesmo, no entanto, não ocorre com o auxílio-acidente, seja de natureza acidentária (B94), seja de natureza comum (B36). Este último benefício por incapacidade é pago como forma de indenização, possuindo RMI de 50% salário-benefício.

O auxílio-acidente decorre de uma inaptidão para o trabalho (sequela) que foi desencadeada em um determinado período e diz respeito a uma incapacidade parcial e permanente; logo o tempo de fruição desse benefício não obsta a volta ao trabalho, razão pela qual não é considerado para efeitos de tempo de contribuição e carência.133

De fato, o trabalhador em auxílio-acidente pode retornar ao mercado de trabalho, vindo até a cumular o benefício previdenciário com a remuneração paga pelo empregador; nesse caso estará tendo recolhimento previdenciário, a cargo do empregador, o que garante o cômputo do tempo de contribuição e carência. No caso do celetista que perceba o auxílio-acidente e venha a ser desligado da empresa, deve passar a contribuir para o sistema como contribuinte individual ou facultativo, já que a mera manutenção de percepção do auxílio-acidente – que seguirá sendo pago até o momento da concessão de uma aposentadoria previdenciária pelo segurado – não será suficiente para garantir a contagem de tempo de contribuição e mesmo será útil para fins de carência.

Nesse sentir, temos que o art. 55, II, da Lei 8.213/91 exclui adequadamente o auxílio-acidente do rol de benefícios por incapacidade que podem ser utilizados para fins de contagem de tempo nas aposentadorias previdenciárias. Aliás, entendemos que tal dispositivo deve ser utilizado para fins de balizar a interpretação do art. 15, I, da mesma lei de benefícios, já que entendemos não ser lógica a utilização isolada do benefício-indinização auxílio-acidente mesmo para fins exclusivos de manutenção da qualidade de segurado. De fato, entendemos que legitimamente mantém qualidade de segurado independentemente de contribuições quem está em gozo de benefício por incapacidade que substitui renda (e não que complementa renda).134

Portanto, o auxílio-acidente, acidentário ou comum, no caso entender, em razão das suas peculiaridades, como benefício de natureza complementar ao salário,135 é o único benefício por incapacidade do sistema que não conta para fins de tempo de contribuição e mesmo para fins de carência, diante de qualquer aposentadoria previdenciária.

Notas

122 DUARTE, Marina Vasques. Direito previdenciário. 7. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 246.

123 BERNARDO, Leandro Ferreira; FRACALOSSI, William. Direito previdenciário na visão dos tribunais. São Paulo: Método, 2009, p. 198.

124 A respeito do trabalhador rural e desta hipótese de composição do B42, consultar: BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm; FORTES, Simone Barbisan – coordenadoras. Previdência do trabalhador rural em debate. Curitiba: Juruá, 2009.

125 PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. CÔMPUTO PARA FINS DE TEMPO DE SERVIÇO. POSSIBILIDADE, DESDE QUE INTERCALADO COM PERÍODOS CONTRIBUTIVOS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. 1. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço. 2. O período em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença só pode ser computado para fins de tempo de serviço se intercalado com períodos contributivos. 3. Tem direito à aposentadoria por tempo de serviço/contribuição o segurado que, mediante a soma do tempo judicialmente reconhecido com o tempo computado na via administrativa, possuir tempo suficiente e implementar os demais requisitos para a concessão do benefício (TRF 4ª Região, 5ª Turma, Rel. Des. Rogério Favreto, Apelação Cível n° 0015881-87.2013.404.9999, D.E. 07.01.2014).

126 BERNARDO, Leandro Ferreira; FRACALOSSI, William. Direito previdenciário na visão dos tribunais. São Paulo: Método, 2009, p. 197.

127 Em sentido contrário: “(...) A manutenção da qualidade de segurada, decorrente do gozo de benefício transitório, por incapacidade, não poder ser confundida com o chamado ‘prazo de carência’, que, na realidade, diz respeito ao efetivo recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes” (TRF 1ª Região, 2ª Turma, Apelação Cível n° 9201274351, D.J. 04.06.1998).

128 DUARTE, Marina Vasques. Direito previdenciário. 7. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 103.

129 AC 20017202000738-2/SC, TRF 4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. Néfi Cordeiro, D.J.U. 06.11.2002.

130 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários às súmulas previdenciárias. São Paulo: LTr, 2011, p. 67.

131 ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 213; PAIXÃO, Floriceno; PAIXÃO, Luiz Antônio C. A previdência social em perguntas e respostas. 40. ed. Porto Alegre: Síntese, 2004, p. 109.

132 MONTEIRO, Antônio Lopes; BERTAGNI, Roberto Fleury de Souza. Acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 59 e ss.

133 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários às súmulas previdenciárias. São Paulo: LTr, 2011, p. 68.

134 Em sentido contrário, TRF4ªR., APELREEX 713-21.2009.404.7013, 6ª Turma, magistado João Batista Pinto Silveira, DE 11.05.2011.

135 MONTEIRO, Antônio Lopes; BERTAGNI, Roberto Fleury de Souza. Acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 46.