2. Os benefícios por incapacidade e o panorama geral dos benefícios e beneficiários do RGPS
A Constituição Federal de 1988 regula, especialmente a partir dos arts. 194 e seguintes, as disposições relacionadas à Seguridade Social, compreendendo um conjunto integrado de ações da iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade civil, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à assistência e à previdência social.4
Vê-se, assim, que o macro-campo da Seguridade Social compreende três dimensões bem destacadas, as quais têm inclusive regulamentação infraconstitucional própria: a) a saúde, a cargo do Sistema Único de Saúde, regulamentada pela Lei n° 8.080/90; b) a assistência, a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social, regulamentada pela Lei n° 8.742/93; e c) a previdência, cujo regime geral também é de responsabilidade do Instituto Nacional de Seguro Social, regulamentada pela Lei n° 8.212/91 (Lei de Custeio), Lei n° 8.213/91 (Lei de Benefícios) e Decreto n° 3.048/99 (norma infralegal regulamentadora geral do plano de benefícios e beneficiários do RGPS).5
A essa centralizadora autarquia federal denominada INSS compete a organização e o pagamento geral no Brasil de benefícios previdenciários e assistenciais, dentro das hipóteses previstas em lei, descabendo sua atuação direta no atendimento clínico, operatório e medicamentoso, cuja responsabilidade compete a outro órgão, com rede regionalizada/descentralizada e hierarquizada, aberta à população em geral, denominada SUS.6
Os benefícios assistenciais são pagos em condições absolutamente limitadas, para quem não contribui ao sistema previdenciário (estado de miserabilidade evidente), sendo ainda idoso, com idade igual ou superior a 65 anos (B88) ou deficiente/incapaz para o labor por um período mínimo de dois anos (B87).
Já os benefícios previdenciários são pagos para quem financia de alguma forma o regime geral, beneficiando ainda os dependentes diretos desses segurados. Tem-se, assim, que a Previdência é a única dimensão da Seguridade que exige do cidadão uma contraprestação (custeio).
O INSS, nessa maior dimensão, mostra-se como uma grande seguradora pública,7 sendo oportuno o conceito de Previdência Social como sendo o seguro social para quem efetivamente contribui.8 Temos então entre os beneficiários do regime previdenciário os segurados e os dependentes, sendo que os segurados são divididos em obrigatórios e facultativos.
O critério para diferenciação dos segurados em obrigatórios e facultativos encontra-se na presunção de remuneração em razão de desenvolvimento de uma atividade profissional: o sistema é capaz de prever que determinados segurados (obrigatórios) exerçam atividade profissional que garanta remuneração, mesmo que variável; e que outros (facultativos) não estejam exercendo atividade remunerada, sendo sua vinculação ao sistema viável, mas desde que expressem manifesto interesse na filiação.
No Brasil, quem exerce atividade profissional que garanta remuneração só não integra a rede previdenciária a cargo do INSS se por expressa disposição de lei forem excluídos do regime geral. Nesse caso, a exclusão se justifica a partir do momento em que tais profissionais estejam amparados por regime próprio de previdência social. É o caso dos militares e dos servidores públicos, por exemplo, conforme regulamentação do art. 13 da Lei n° 8.212/91.
A grande massa de trabalhadores, de qualquer forma, integra o RGPS, sendo que só farão parte de outro regime público (RPPS) se a lei dispuser nesse sentido; nesse caso específico, o órgão responsável pela concessão de benefícios deixa de ser o INSS, passando a ser constituído distinto órgão próprio de previdência, como é exemplo o IPE (Instituto de Previdência do Estado), para os servidores públicos estaduais.
Pois bem. Focando-nos na grande massa de trabalhadores pátrios, que integram o RGPS, devemos encontrar dentre os segurados obrigatórios: a) o empregado celetista, b) o empregado doméstico, c) o trabalhador avulso, d) o contribuinte individual e e) o segurado especial.
O empregado celetista, grande beneficiário do RGPS, é aquele que exerce atividade remunerada sob subordinação, prestando serviços de natureza não eventual a empregador, nos termos do art. 3° da CLT.9 Tem assinada a Carteira de Trabalho da Previdência Social (CTPS) e dado o seu grau de baixa autonomia não é responsável direto pelas suas contribuições previdenciárias ao sistema, cabendo ao empregador o recolhimento.
Muito próximo do empregado celetista encontra-se o empregado doméstico, que tem assinada a CTPS, mas por exercer labor no âmbito residencial, em atividade não lucrativa, possui legislação própria, não sendo regido pela CLT.10 Também dado o seu grau de baixa autonomia não é responsável direto pelas suas contribuições previdenciárias ao sistema, cabendo ao empregador doméstico o recolhimento.
Já o trabalhador avulso é aquele que presta serviços de natureza urbana ou rural a diversas empresas, não possuindo daí vínculo empregatício, como é exemplo o trabalhador portuário de estiva. Exerce atividade remunerada, subordinada e não eventual, organizada por um sindicato ou mais propriamente um Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO),11 que também terá a responsabilidade de recolhimento das contribuições previdenciárias do segurado.
Por sua vez, o contribuinte individual, na outra ponta da relação empregatícia, é aquele não subordinado, que, grosso modo, exerce atividade laboral como sócio de empresa (empresário) ou autônomo (profissional liberal).12 Como o próprio nome indica, tem, por regra, a responsabilidade de recolher diretamente a sua contribuição previdenciária, com a liberdade de recolher sobre o mínimo ou sobre um teto, ciente de que o benefício previdenciário será pago, ao final, justamente sobre a média das suas contribuições ao sistema. Na verdade, o pagamento dos benefícios previdenciários em geral – a formação da Renda Mensal Inicial, RMI – dá-se, desde a Lei n° 9.876/1999, a partir da média aritmética simples de 80% dos maiores salários de contribuição de cada segurado, considerado todo o período contributivo (média aritmética simples que exclui então os 20% dos menores salários de contribuição, a que se dá o nome de salário-benefício).13
Por fim, o segurado especial é aquele trabalhador rural que desenvolve as suas atividades em regime de economia familiar, para a própria subsistência, como o produtor rural e o pescador artesanal.14 Deve recolher suas contribuições diretamente ao sistema previdenciário, para ter direito a todos os benefícios, como o contribuinte individual, sendo a base de cálculo dessa contribuição o valor de comercialização de sua produção. Passou a ser considerado segurado obrigatório a partir da CF/88, com a unificação dos regimes de previdência urbano e rural, razão pela qual foi beneficiado por uma espécie de regra de transição, a determinar que, mesmo que não recolha diretamente aos cofres públicos, tenha direito a um número razoável de benefícios, com valor de um salário mínimo, conforme estipula o art. 39, I, da Lei n° 8.213/91.15
Além dos segurados obrigatórios, integram o rol de beneficiários do RGPS os segurados facultativos – presumindo o sistema, repite-se, a inexistência ao menos temporária de remuneração desses segurados, aqui incluídos o desempregado, o estudante, o estagiário, o presidiário, o síndico não remunerado e a dona de casa; e os dependentes – dos segurados obrigatórios e facultativos, os quais farão jus a benefício nos termos da lei, respeitada uma hierarquia de três classes: I – integrada pelo núcleo familiar, com cônjuge, companheira ou companheiro, e filhos de até 21 anos ou inválidos de qualquer idade; II – integrada pelos pais; III – integrada pelos irmãos de até 21 anos ou inválidos de qualquer idade.
Cabe ainda o registro inicial de que os segurados obrigatórios se encontram filiados ao regime a partir do momento em que passam a exercer atividade remunerada, e não necessariamente a partir da formalização do pagamento de suas contribuições previdenciárias, daí por que se diz que a filiação é automática e obrigatória.16
Já o segurado facultativo, em razão de não estar exercendo atividade remunerada, só tem sua vinculação ao sistema estabelecida a partir de sua formal inscrição e pagamento da primeira contribuição previdenciária – sendo em todos os casos responsável direto pelo recolhimento mensal das cifras, com a liberdade de recolher sobre o mínimo ou sobre um teto (o que o aproxima dos contribuintes individuais, embora com aquele grupo de segurados obrigatórios não se confunda – justamente em razão do critério de presunção de remuneração).
Os dependentes não contribuem ao sistema previdenciário, só se apresentando, na verdade, ao INSS, promovendo a sua inscrição, ao tempo de reivindicar a concessão de um benefício previdenciário previsto em lei, de acordo com a opção política explicitada no art. 17 da Lei n° 8.213/91.17
Dentre os beneficiários anunciados, seguramente o sistema previdenciário tende a favorecer o grupo que mais possui condições de contribuir para o financiamento. Há, assim, justificativa para que os segurados obrigatórios possam, por exemplo, ficar por maior período sem contribuir para a Previdência sem perder a qualidade de segurado – o chamado “período de graça”, para esse grupo especial, pode chegar a 36 meses, desde que o segurado obrigatório faça prova de que se encontra desempregado e de que possui mais de dez anos de contribuição ao INSS.18
Esse grande grupo de beneficiários (segurados obrigatórios, facultativos e dependentes) fará jus, desde que cumpra os requisitos legais, a uma rede ampla de benefícios previdenciários e mesmo de serviços, respeitados especialmente os princípios constitucionais da precedência da fonte de custeio, diversidade da base de financiamento, equidade na participação do custeio, seletividade e distributividade na prestação de benefícios e serviços, e universalidade de cobertura e atendimento.19
Podemos dividir esse rol de prestações do RGPS ao menos em quatorze benefícios previdenciários e um grande serviço – a reabilitação profissional –, que será objeto de nossa atenção mais à frente nesta obra.
Com relação aos benefícios previdenciários, pensamos ser útil, para fins didáticos, agrupá-los em determinados grupos, quais sejam: a) benefícios por incapacidade – objeto central da nossa obra, ligados ao direito infortunístico,20 com baixo período de exigência de contribuição para fins de gozo da prestação (carência), variando de 0 a 12 meses, integrado pelo auxílio-doença previdenciário (B31), o auxílio-doença acidentário (B91), o auxílio-acidente previdenciário (B36), o auxílio-acidente acidentário (B94), a aposentadoria por invalidez previdenciária (B32) e a aposentadoria por invalidez acidentária (B92); b) benefícios pagos aos dependentes, com carência zero, integrado pela pensão por morte (B21) e auxílio-reclusão (B25); c) aposentadorias previdenciárias, com longo período de carência, de no mínimo 180 meses, integrado pela aposentadoria por idade (B41), aposentadoria por tempo de contribuição (B42) e aposentadoria especial (B46);21 e d) benefícios híbridos ou residuais, previstos como benefícios previdenciários pelo art. 7° da CF/88, cujo pagamento geralmente não fica a cargo direto do INSS, como o salário-maternidade (pago, por regra, pelo empregador), o salário-família (pago, por regra, pelo empregador) e ainda o seguro-desemprego (pago pelo ministério do trabalho).22
Pelo cenário exposto, vê-se que os benefícios por incapacidade assumem lugar especializado dentro do grupo de benefícios pagos pelo INSS, sendo ainda deduzível a sua relação com o grande serviço disponibilizado pela Previdência Social denominado Reabilitação Profissional.
É por esse caminho que devemos seguir a partir desse momento, fazendo relações com os beneficiários arrolados e com os demais benefícios do RGPS ventilados, sempre que se fizer oportuno.
Notas
4 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 663 e ss.
5 VIANNA, João Ernesto. Curso de direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 21 e ss.
6 TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de direito da seguridade social. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 434 e ss.
7 PÓVOAS, Manuel Soares. Seguro e Previdência – na rota das instituições do bem-estar. São Paulo: Green Forest do Brasil, 2000, p. 211 e ss.
8 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de direito da seguridade social. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 29/34.
9 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 139 e ss.
10 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 425.
11 SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 46 e ss.
12 SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado. Pedro Lenza (coord.). São Paulo: Saraiva, 2011, p. 132 e ss.
13 DUARTE, Marina Vasques. Direito previdenciário. 7. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 119 e ss.
14 BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Previdência rural – Inclusão social. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p . 93 e ss.
15 BALERA, Wagner; MUSSI, Cristiane Miziara. Direito Previdenciário. 9. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 64.
16 VIANNA, João Ernesto. Curso de direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 24.
17 ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 101.
18 DUARTE, Marina Vasques. Direito previdenciário. 7. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 77/82.
19 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha (coords). Direito previdenciário e Constituição. Homenagem a Wladimir Novaes Martinez. São Paulo: LTr, 2004, p. 7/8; BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Previdência rural – Inclusão social. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p .150 e ss.
20 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Curso de direito infortunístico. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1983.
21 Códigos do sistema previdenciário definidos pela Ordem de Serviço INSS/DISES n° 78, de 09.03.1992 (PEDROTTI, Irineu A.; PEDROTTI, Willian A. Acidentes do trabalho. 4. ed. São Paulo: LEUD, 2003, p. 177/178).
22 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. São Paulo: Atlas, 2014. 34ª ed., p. 468.