NOTA INTRODUTÓRIA

O livro de Viktor Frankl O Homem em Busca de Um Sentido é um dos mais importantes do nosso tempo. Habitualmente, se um livro contém uma passagem ou uma ideia com o poder de mudar a nossa vida, só isso justifica lê-lo, relê-lo, e arranjar lugar para ele na estante. Este livro contém inúmeras passagens dessas.

É, antes de mais, um livro sobre sobrevivência. À semelhança de muitos outros judeus alemães e leste europeus que se julgavam seguros na década de 1930, Frankl foi atirado para a rede de campos de concentração e de extermínio. Miraculosamente, sobreviveu, como «um tição tirado do fogo», para citar a frase bíblica1. Mas o seu relato neste livro é menos sobre as suas atribulações, sobre o que sofreu e perdeu, do que sobre as fontes da sua força para sobreviver. Por várias vezes ao longo do livro, Frankl cita, concordando com elas, as palavras de Nietzsche: «Aquele que tem uma razão para viver pode suportar quase tudo». Ele descreve de forma pungente aqueles prisioneiros que desistiram de viver, que perderam toda a esperança num futuro e que foram, inevitavelmente, os primeiros a morrer. Morreram menos por falta de comida e medicamentos do que por falta de esperança, falta de alguma coisa por que viver. Em contraste, Frankl manteve-se vivo e manteve viva a esperança invocando pensamentos sobre a mulher e sobre a perspetiva de voltar a vê-la e, a certa altura, mediante o sonho de, finda a guerra, fazer palestras sobre os ensinamentos psicológicos a retirar da experiência de Auschwitz. É certo que muitos prisioneiros que desejavam desesperadamente viver morreram, alguns deles de doenças, outros nos crematórios. A preocupação de Frankl não é tanto saber porque é que a maioria morreu, mas sim descobrir por que razão alguém sobreviveu.

Terrível como efetivamente foi, a sua experiência em Auschwitz reforçou o que era já uma das suas ideias centrais: a vida não é essencialmente uma busca de prazer, como pensava Freud, ou uma busca de poder, como ensinou Alfred Adler, mas sim uma busca de sentido. A mais importante tarefa de qualquer pessoa é descobrir sentido para a sua vida. Frankl considerou três possíveis fontes de sentido: o trabalho (fazer alguma coisa significativa), o amor (cuidar de outra pessoa) e a coragem em tempos difíceis. O sofrimento, em si mesmo e por si mesmo, é destituído de sentido; conferimos sentido ao sofrimento pela maneira como lhe reagimos. A certa altura, Frankl escreve que uma pessoa «pode continuar a ser corajosa, digna e generosa, ou pode, no meio da batalha pela autopreservação, esquecer a sua dignidade humana e tornar-se pouco mais que um animal». Reconhece que somente uma minoria de prisioneiros dos nazis conseguiu manter coragem e dignidade, «mas, mesmo assim, um só exemplo é prova suficiente de que a força interior do ser humano pode elevá-lo acima do seu destino».

Por fim, a mais duradoura convicção de Frankl, que tenho invocado com frequência na minha própria vida e num sem-número de situações de aconselhamento: as forças fora do nosso controlo podem levar-nos tudo, exceto a liberdade de escolhermos como respondemos a uma dada situação. Não podemos controlar o que nos acontece na vida, mas podemos sempre controlar o que iremos sentir e fazer quanto àquilo que nos acontece.

Há uma cena na peça de Arthur Miller Incident at Vichy, na qual um profissional de classe média-alta é levado ao comandante nazi das forças que ocuparam a sua cidade e mostra as suas credenciais: o seu grau académico, as suas cartas de referência passadas por cidadãos eminentes, e por aí adiante. O nazi pergunta-lhe: «Isso é tudo o que tem?» O homem assente, com um aceno. O nazi atira os papéis para o caixote do lixo e diz-lhe: «Muito bem, agora não tem nada». O homem, cuja autoestima dependera sempre do respeito dos outros, fica emocionalmente destruído. Frankl teria argumentado que não ficamos sem nada enquanto mantivermos a liberdade de escolher como reagimos.

A minha própria experiência com a congregação tem-me mostrado a verdade da convicção de Frankl. Tenho conhecido homens de negócios bem-sucedidos que, após a reforma, perderam todo o prazer de viver. O trabalho tinha dado sentido às suas vidas. Era, com frequência, a única coisa a dar-lhes sentido e, sem ela, passavam os dias sentados em casa, deprimidos, «sem nada para fazer». Tenho conhecido pessoas que se ergueram e souberam resistir às mais terríveis provações e situações enquanto acreditaram que o seu sofrimento tinha um sentido. Fosse um marco familiar que queriam poder partilhar, ou a esperança de os médicos descobrirem uma cura para a sua doença, ter uma Razão para viver permitiu-lhes aguentar o Como da existência.

E a minha experiência ecoa a de Frankl ainda noutro sentido. Assim como as ideias do meu livro Quando Acontecem Coisas Más às Pessoas Boas ganharam poder e credibilidade porque surgiram no contexto da minha luta para perceber a doença e a morte do meu filho, a doutrina da logoterapia de Frankl, curar a alma levando-a a descobrir sentido para a vida, ganha credibilidade sobre o pano de fundo da sua angústia em Auschwitz. A metade final do livro sem a primeira seria bem menos eficaz.

Considero significativo que o Prefácio à edição de 1962 de O Homem em Busca de Um Sentido tenha sido escrito por um eminente psicólogo, o Dr. Gordon Allport, e o Prefácio a esta nova edição seja escrito por um clérigo. Acabámos por reconhecer que este é um livro profundamente religioso. Insiste em que a vida tem significado e que temos de aprender a ver a vida como dotada de significado, independentemente das nossas circunstâncias. Sublinha que há uma finalidade última para a vida. E na sua versão original, antes de lhe ser acrescentado um pós-escrito, concluía com uma das frases mais religiosas escritas no século XX:

«Acabámos por conhecer o Homem como ele realmente é. Afinal, o homem é aquele ser que inventou as câmaras de gás de Auschwitz; contudo, é igualmente aquele ser que entrou nas câmaras de gás de cabeça erguida, com o Pai Nosso ou Shema Israel nos lábios.»

Harold S. Kushner

Harold S. Kushner é rabi emérito no Templo Israel em Natick, Massachusetts, e é autor de vários livros de grande sucesso, incluindo Quando Acontecem Coisas Más às Pessoas Boas, Living a Life That Matters, e All You’ve Ever Wanted Isn’t Enough.

1 A citação é possivelmente do Livro de Zacarias, 3.2. (N. do T.)