PREFÁCIO À EDIÇÃO DE 1992

Este livro viveu já o tempo suficiente para ser publicado uma centena de vezes em inglês – para além de ter sido publicado em mais 21 línguas. E só das edições inglesas foram vendidos mais de um milhão de exemplares.

Estes são os factos puros e duros e podem muito bem ser a razão pela qual os jornalistas norte-americanos, especialmente os das cadeias de televisão, começam com frequência as suas entrevistas, depois de enumerar estes factos, com a exclamação: «Dr. Frankl, o seu livro tornou-se um verdadeiro bestseller! Como se sente com esse sucesso?» Nessa altura reajo para referir que, em primeiro lugar, não encaro de modo algum o estatuto de bestseller do meu livro como um feito ou realização conseguidos por mim, mas antes como expressão da miséria do nosso tempo: se centenas de milhares de pessoas lançam mão a um livro cujo título promete lidar com a questão de um sentido para a vida, deve ser porque essa questão lhes está a queimar a pele.

Na verdade, algo mais pode ter contribuído para o impacto do livro: a segunda parte, teórica («Logoterapia simplificada»), resume-se, por assim dizer, à lição que podemos retirar da primeira parte, a narrativa autobiográfica («Experiências num campo de concentração»), sendo que a parte inicial serve de validação existencial das minhas teorias. Assim, ambas as partes apoiam mutuamente a minha credibilidade.

Nada disto estava no meu espírito quando escrevi o livro, em 1945. E fi-lo em nove dias sucessivos e com a firme determinação de que deveria ser publicado anonimamente. De facto, a primeira impressão da versão original em alemão não mostra o meu nome na capa, embora, no último momento, pouco antes da publicação inicial, tenha acabado por ceder aos amigos que me instavam a deixá-lo ser publicado com o meu nome inscrito, pelo menos, na página de abertura. No entanto, fora escrito, de início, com a absoluta convicção de que, enquanto obra anónima, nunca poderia levar o autor a alcançar fama literária. Tinha desejado simplesmente transmitir ao leitor, mediante um exemplo concreto, que a vida tem um significado potencial em quaisquer condições, mesmo nas mais infelizes. E pensei que, se esse argumento fosse demonstrado numa situação tão extrema como a de um campo de concentração, o meu livro poderia conquistar algum público. Senti-me, por isso, responsável por escrever aquilo por que tinha passado, pois pensei que poderia ser útil a pessoas com tendência para o desespero.

E, por isso, é para mim simultaneamente estranho e notável que – entre as dezenas de livros que escrevi – seja precisamente este, que desejei publicar anonimamente de maneira a nunca poder fomentar a reputação do autor, a ter-se tornado um sucesso. Por isso mesmo, exorto repetidamente os meus alunos, tanto na Europa como nos EUA: «Não procurem o sucesso – quanto mais o procurarem e o transformarem num objetivo, mais probabilidades terão de falhar. Pois o sucesso, tal como a felicidade, não pode ser procurado; tem de ser algo que surge naturalmente e isso só acontece como resultado involuntário da nossa dedicação a uma causa superior a nós mesmos ou como consequência inesperada da nossa entrega a outra pessoa. A felicidade tem de acontecer, e o mesmo é verdade para o sucesso: têm de deixar que aconteça ao não se preocuparem com ele. Quero que escutem aquilo que as vossas consciências vos ditarem e o levem por diante até ao limite das vossas capacidades. Verão então, a longo prazo – repito, a longo prazo! – que o sucesso os seguirá precisamente porque se esqueceram de pensar nele».

O leitor pode perguntar-me por que razão não tentei escapar àquilo que o futuro me reservava depois de Hitler ter ocupado a Áustria. Deixem-me responder com a seguinte história. Pouco antes de os EUA entrarem na Segunda Guerra Mundial, recebi um convite para ir ao consulado norte-americano em Viena para levantar o meu visto de imigração. Os meus pais rejubilaram porque esperavam que em breve fosse autorizado a deixar a Áustria. Mas, de súbito, hesitei. Fui acometido por uma questão: podia realmente dar-me ao luxo de abandonar os meus pais ao seu destino, para serem enviados, mais tarde ou mais cedo, para um campo de concentração, ou até para um dos chamados campo de extermínio? Qual era a minha responsabilidade? Deveria acarinhar o meu filho espiritual, a logoterapia, emigrando para uma terra fértil, na qual poderia escrever os meus livros? Ou deveria concentrar-me nos meus deveres de filho de carne e osso, de filho dos meus pais, que tinha de fazer tudo quanto pudesse para os proteger? Pensei no problema de todas as maneiras mas não consegui chegar a uma conclusão; este era o género de dilema que nos faz ansiar por «um sinal dos céus», como se costuma dizer.

Foi então que reparei num pedaço de mármore em cima de uma mesa lá de casa. Quando perguntei ao meu pai o que era, ele explicou que o tinha encontrado no local onde os Nacional-Socialistas tinham queimado a maior sinagoga de Viena. Tinha levado aquele pedaço para casa porque era parte das tábuas em que tinham sido inscritos os Dez Mandamentos. Uma letra hebraica dourada estava gravada na pedra; o meu pai explicou que essa letra representava um dos Mandamentos. Avidamente, perguntei: «Qual deles é?». Ele respondeu: «Honra o teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias sobre a terra». Nesse momento decidi ficar com o meu pai e a minha mãe sobre a terra e deixar caducar o visto americano.

Viktor E. Frankl
Viena, 1992