II.
LOGOTERAPIA SIMPLIFICADA
8

Os leitores da minha pequena história autobiográfica pedem-me geralmente uma explicação mais completa e direta da minha doutrina terapêutica. Acrescentei, por isso, uma pequena secção sobre logoterapia à edição original de O Homem em Busca de Um Sentido. Mas isso não foi considerado suficiente e tenho sido inundado de pedidos de uma abordagem mais alargada. Por conseguinte, na presente edição reescrevi-a completamente e alarguei-a de forma considerável.

A tarefa não era fácil. Transmitir ao leitor, num curto espaço, todo o material que necessitou de vinte volumes em alemão é quase uma missão impossível. Isso faz-me lembrar o médico americano que um dia entrou no meu consultório em Viena e me perguntou: «O doutor é psicanalista?» Ao que eu respondi: «Não sou exatamente psicanalista; digamos antes que sou logoterapeuta.» Continuou então a questionar-me: «E que escola de pensamento representa?» E eu respondi, «É a minha própria teoria; chama-se logoterapia». «Consegue dizer-me numa única frase o que isso significa?», perguntou. «Ou, pelo menos, qual é a diferença entre a psicanálise e a logoterapia?». «Sim», respondi, «mas pode dizer-me primeiro, numa única frase, qual pensa que seja a essência da psicanálise?». E ele respondeu assim: «Durante a psicanálise, o paciente tem de recostar-se num divã e dizer-nos coisas que por vezes são muito desagradáveis de dizer». Ao que retorqui de imediato com o seguinte improviso: «Ora bem, na logoterapia o paciente pode permanecer sentado mas tem de ouvir coisas que por vezes são muito desagradáveis de ouvir».

É claro que isto pretendeu ser uma brincadeira e não uma versão resumida da logoterapia. No entanto, há algo de verdade na frase, na medida em que a logoterapia, em comparação com a psicanálise, é um método menos retrospetivo e menos introspetivo. A logoterapia concentra-se antes no futuro, ou seja, nos significados a serem preenchidos pelo paciente no seu futuro (a logoterapia é, de facto, uma psicoterapia centrada no sentido). Ao mesmo tempo, a logoterapia descentra todas as formações em círculo vicioso e todos os mecanismos de feedback que desempenham um papel tão importante no desenvolvimento das neuroses. Assim, a típica concentração em si mesmo da neurose é interrompida, em vez de ser continuamente alimentada e reforçada.

Na verdade, este género de declaração é uma simplificação excessiva; ainda assim, na logoterapia o paciente é realmente confrontado com o sentido da sua vida e reorientado para ele. E torná-lo consciente deste sentido pode contribuir muito para a sua capacidade de superar a neurose.

Deixem-me explicar por que motivo empreguei o termo «logoterapia» para designar a minha teoria. Logos é uma palavra grega que denota «sentido». A logoterapia, ou, como tem sido chamada por alguns autores, «A Terceira Escola Vienense de Psicoterapia», centra-se no significado da existência humana, bem como na busca desse sentido por parte dos seres humanos. De acordo com a logoterapia, este esforço para encontrar um significado na nossa vida é a principal força motivadora do Homem. É por essa razão que falo de uma vontade de sentido em contraste com o princípio de prazer (ou, como também poderíamos designá-lo, a vontade de prazer), em torno do qual se centra a psicanálise freudiana, e também em contraste com a vontade de poder na qual se centra a psicologia de Adler, que para isso utiliza a expressão «luta pela superioridade».

A vontade de sentido

A busca de sentido por parte do Homem é a motivação essencial da sua vida e não uma «racionalização secundária» de impulsos instintivos. O sentido é único e específico na medida em que tem de ser preenchido, e pode ser preenchido, somente por ele; só então assume um significado capaz de satisfazer a sua própria vontade de sentido. Há autores que defendem que os significados e os valores «não são senão mecanismos de defesa, formações reativas e sublimações». Mas, pela minha parte, não estaria disposto a viver meramente em nome dos meus «mecanismos de defesa», nem estaria pronto a morrer meramente em nome das minhas «formações reativas». Os seres humanos são capazes, no entanto, de viver e até de morrer em nome dos seus valores e ideais!

Foi realizada uma sondagem há alguns anos em França. Os resultados mostraram que 89 por cento das pessoas questionadas admitiram que os seres humanos precisam de «alguma coisa» por que viver. Mais ainda, 61 por cento reconheceram que existia alguma coisa, ou alguém, nas suas vidas, por quem estavam mesmo dispostas a morrer. Repeti este estudo de opinião no meu departamento hospitalar em Viena, entre pacientes e pessoal clínico, e os resultados foram praticamente iguais aos obtidos entre os milhares de pessoas sondadas em França; a diferença foi de apenas dois por cento.

Outra sondagem estatística, de 7.948 estudantes de 48 universidades, foi levada a cabo por cientistas sociais da Universidade Johns Hopkins. O seu relatório preliminar é parte de um estudo de dois anos patrocinado pelo National Institute of Mental Health. Questionados sobre o que consideravam «muito importante» para si próprios naquele momento, 16 por cento dos alunos assinalaram a resposta «ganhar muito dinheiro»; 78 por cento disseram que a sua meta principal era «descobrir um objetivo e um sentido na vida».

É claro que pode haver casos em que a preocupação de uma pessoa com os valores seja, na verdade, uma camuflagem de conflitos interiores ocultos; mas, se assim for, representam exceções à regra, mais do que a regra propriamente dita. Nesses casos, estamos de facto a lidar com pseudovalores e, como tal, têm de ser desmascarados. O desmascarar deve, contudo, parar logo que somos confrontados com o que é autêntico e genuíno no Homem, como por exemplo o desejo dos seres humanos de uma vida com tanto sentido quanto seja possível. Se as coisas não pararem por aí, a única coisa que o «psicólogo desmascarador» realmente desmascara são as suas próprias «motivações ocultas» – nomeadamente, a sua necessidade inconsciente de humilhar e depreciar o que é genuíno, o que é genuinamente humano, nos seres humanos.

A frustração existencial

A vontade de sentido do Homem também pode ser frustrada, caso no qual a logoterapia fala de uma «frustração existencial». O termo «existencial» pode ser usado de três maneiras: para referir 1) a existência em si mesma, isto é, o modo especificamente humano de ser; 2) o sentido da existência; e 3) o esforço para descobrir um sentido concreto na existência pessoal, ou seja, a vontade de sentido.

A frustração existencial pode igualmente resultar em neurose. Para este género de neuroses a logoterapia cunhou o termo «neuroses noogénicas», para as distinguir das neuroses no sentido tradicional da palavra, isto é, as neuroses psicogénicas. As neuroses noogénicas têm a sua origem, não na dimensão psicológica, mas sim na dimensão «noológica» (do grego noös, que significa espírito ou mente) da existência humana. Este é outro termo logoterapêutico que denota alguma coisa pertencente à dimensão especificamente humana.

Neuroses noogénicas

As neuroses noogénicas não resultam de conflitos entre impulsos e instintos mas antes de problemas existenciais. Entre tais problemas, a frustração da vontade de sentido desempenha um papel importante.

É óbvio que nos casos noogénicos a terapia apropriada e adequada não é a psicoterapia em geral, mas antes a logoterapia; isto é, uma terapia que ousa entrar na dimensão especificamente humana.

Deixem-me referir o seguinte exemplo: um diplomata americano de elevado estatuto veio ao meu consultório em Viena para dar seguimento ao seu tratamento psicanalítico, que tinha iniciado cinco anos antes com um analista em Nova Iorque. Perguntei-lhe, de entrada, por que motivo pensava necessitar de ser psicanalisado, o que o tinha levado a iniciar um tratamento psicanalítico. Vim a saber que o paciente estava descontente com a sua carreira e considerava muito difícil dar seguimento à política externa norte-americana. No entanto, o seu psicanalista tinha-lhe dito repetidamente que devia tentar reconciliar-se com o pai; porque o governo dos EUA, bem como os seus superiores, «não eram senão» imagens paternais e, por consequência, a sua insatisfação com o trabalho devia-se ao ódio inconsciente que alimentava pelo pai. Por meio de um processo analítico de cinco anos, o paciente tinha sido levado a aceitar cada vez mais as interpretações do seu psicanalista, até finalmente ser incapaz de ver a floresta da realidade por causa das árvores de símbolos e imagens. Após algumas entrevistas, tornou-se claro que a sua vontade de sentido estava a ser frustrada pela sua vocação e que ele na realidade ambicionava envolver-se noutro tipo de trabalho. Dado que não havia razões de peso para não desistir da sua profissão e iniciar outra, ele assim fez, com resultados gratificantes. Há já cinco anos que tem uma nova ocupação e sente-se satisfeito, como me referiu recentemente. Duvido muito que, neste caso, estivesse a lidar com um estado neurótico e por isso me convenci de que ele não necessitava de qualquer psicoterapia, nem mesmo de logoterapia, pela simples razão de que não era de facto um paciente. Nem todos os conflitos são necessariamente neuróticos; uma certa medida de conflito é normal e saudável. No mesmo sentido, sofrer nem sempre é um fenómeno patológico; muito longe de ser um sintoma de neurose, o sofrimento pode muito bem ser uma realização humana, especialmente se resultar da frustração existencial. Nego taxativamente que a nossa busca de sentido para a existência, ou até mesmo a dúvida em relação a isso, seja em todos os casos resultante de doença ou um causador de doença. A frustração existencial não é, em si mesma, nem patológica nem patogénica. A preocupação de uma pessoa, ou até mesmo o seu desespero, quanto a saber se a vida vale a pena é uma angústia existencial, mas não é de forma alguma uma doença mental. Pode muito bem acontecer que, ao interpretar a primeira em função da segunda, um médico acabe por ser levado a sepultar o desespero existencial do seu paciente sob uma pilha de tranquilizantes. A sua função é, antes, conduzir o paciente através da sua crise existencial de crescimento e desenvolvimento.

A logoterapia encara a sua função como sendo a de assistir o paciente a descobrir sentido na vida. Na medida em que este método o torna consciente do logos oculto da sua existência, é um processo analítico. Neste aspeto, a logoterapia assemelha-se à psicanálise. No entanto, quando a logoterapia tenta tornar alguma coisa novamente consciente não restringe a sua atividade aos factos instintivos contidos no inconsciente do indivíduo, preocupa-se também com realidades existenciais, tais como o significado potencial da sua existência, que lhe cabe preencher, bem como a sua vontade de sentido. Qualquer análise, todavia, mesmo quando evita incluir a dimensão noológica no processo terapêutico, tenta tornar o paciente consciente daquilo por que realmente anseia nas profundezas do seu ser. A logoterapia afasta-se da psicanálise na medida em que considera o Homem um ser cuja principal preocupação é o preenchimento de um sentido e não a mera gratificação e satisfação de impulsos e instintos, ou a mera reconciliação de pretensões conflituantes de id, ego e superego, ou ainda a mera adaptação e ajustamento à sociedade e ao meio ambiente.

Noodinâmica

Convém dizer que a busca de sentido por parte dos seres humanos pode causar tensão interior em vez de equilíbrio. Não obstante, essa tensão é precisamente um pré-requisito indispensável da saúde mental. Arrisco-me a dizer que nada há no mundo capaz de ajudar tão eficazmente uma pessoa a sobreviver, até mesmo nas piores condições, como o conhecimento de que a sua vida tem um sentido. Há muita sabedoria nas palavras de Nietzsche: «Aquele que tem uma razão para viver pode suportar quase tudo». Vejo nestas palavras um mote que se mantém verdadeiro para qualquer psicoterapia. Nos campos de concentração nazis, pudemos ver que aqueles que estavam conscientes de terem uma tarefa a realizar tinham mais possibilidades de sobreviver. Conclusões idênticas foram entretanto alcançadas por outros autores de livros sobre campos de concentração e resultaram igualmente de investigações psiquiátricas realizadas em campos de prisioneiros de guerra da Coreia do Norte e Vietname do Norte.

No que me diz respeito, quando fui levado para o campo de concentração de Auschwitz, foi-me confiscado um manuscrito pronto para publicação.9 O meu profundo desejo de reescrever esse manuscrito ajudou-me, por certo, a sobreviver aos rigores dos campos por onde passei. Por exemplo, quando fiquei doente com febre tifoide num campo da Baviera, apontei muitas notas em pequenos pedaços de papel para tentar reescrever o manuscrito, caso viesse a sobreviver até ao dia da libertação. Tenho a certeza de que esta reconstrução do meu manuscrito perdido nas casernas sombrias de um campo de concentração bávaro me ajudou a superar o risco de um colapso cardiovascular.

Pode ver-se por aí que a saúde mental está fundada num certo grau de tensão, aquela tensão entre o que já realizámos e aquilo que ainda queremos alcançar, ou o espaço entre o que somos e aquilo que pretendemos vir a ser. Uma tal tensão é inerente ao ser humano e é, por conseguinte, indispensável ao bem-estar mental. Não deveríamos, pois, hesitar em desafiar uma pessoa a preencher um sentido potencial. Só dessa maneira podemos despertar do estado de latência a sua vontade de sentido. Em minha opinião, é uma ideia perigosamente errada da higiene mental presumir que aquilo de que os seres humanos precisam, antes de mais nada, é de equilíbrio, ou «homeostasia», como se diz na biologia, isto é, um estado isento de tensão. Aquilo de que um ser humano realmente necessita não é de um estado sem tensões, mas antes do esforço e da luta por um objetivo que valha a pena, por uma tarefa livremente escolhida. O que precisa não é de descarregar as tensões a qualquer custo, mas sim do apelo de um sentido à espera de ser preenchido. Aquilo de que o Homem necessita não é a homeostasia, mas sim aquilo a que chamo «noodinâmica», ou seja, a dinâmica existencial de um campo polar de tensão, no qual um polo é representado por um sentido a ser preenchido e o outro pela pessoa que tem de o preencher. E não se pense que isto só é verdadeiro em condições normais; em indivíduos neuróticos é ainda mais válido. Quando os arquitetos querem reforçar um arco decrépito, aumentam a carga colocada sobre ele, pois dessa forma as partes são unidas com maior firmeza. Assim, se os terapeutas quiserem promover a saúde mental dos seus pacientes, não devem ter receio de criar uma quantidade razoável de tensão por meio de uma reorientação para o sentido da vida.

Tendo já demonstrado o impacto benéfico da orientação de sentido, volto-me agora para a influência nefasta desse sentimento de que tantos pacientes se queixam hoje em dia, a saber, o sentimento de uma completa e definitiva falta de sentido para as suas vidas. Não possuem a consciência de um sentido pelo qual valha a pena viver. Sentem-se perseguidos pela experiência do seu vazio interior, um vácuo dentro de si mesmos; sentem-se apanhados naquela situação a que chamei «vácuo existencial».

O vácuo existencial

O vácuo existencial é um fenómeno frequente e alargado no século XX. É compreensível que assim seja; pode dever-se a uma perda dupla que o Homem teve de sofrer desde que se tornou um verdadeiro ser humano. No início da História humana, os homens perderam alguns dos instintos animais básicos, que integram e expressam o comportamento de um animal e por meio dos quais ele se mantém seguro. Essa segurança, tal como o Paraíso, está para sempre vedada ao Homem; os seres humanos têm de fazer escolhas. Para além disto, no entanto, o ser humano sofreu outra perda durante o desenvolvimento mais recente, na medida em que as tradições que sustentavam o seu comportamento estão agora a diminuir com rapidez. Nenhum instinto lhe diz o que tem de fazer e nenhuma tradição lhe diz o que deveria fazer; por vezes, nem sequer sabe o que quer fazer. Em vez disso, ou deseja fazer o que os outros fazem (conformismo) ou faz o que as outras pessoas querem que faça (totalitarismo).

Um estudo estatístico revelou recentemente que entre os meus alunos europeus, 25 por cento mostram um grau mais ou menos pronunciado de vácuo existencial. Entre os meus alunos americanos, o resultado não foi de 25 mas de 60 por cento.

O vácuo existencial manifesta-se sobretudo num estado de aborrecimento. Podemos agora entender Schopenhauer quando dizia que a humanidade estava aparentemente condenada a vacilar eternamente entre os dois extremos da angústia e do aborrecimento. Na realidade, o aborrecimento está agora a causar mais problemas do que a angústia, e está a trazê-los aos psiquiatras. E esses problemas estão a tornar-se cada vez mais cruciais, pois a progressiva automatização irá provavelmente conduzir a um aumento enorme nas horas de lazer ao dispor do trabalhador médio. O lamentável é que muitos desses trabalhadores não saberão o que fazer de todo esse novo tempo livre.

Pensemos, por exemplo, na «neurose de domingo», esse tipo de depressão que atinge pessoas que ganham consciência da falta de conteúdo das suas vidas quando a pressa da semana de trabalho acaba e o vazio dentro de si próprias se torna manifesto. Não são poucos os casos de suicídio que podem ser relacionados com este vácuo existencial. Fenómenos tão disseminados como a depressão, a agressão e as dependências não são compreensíveis a menos que reconheçamos o vácuo existencial que lhes subjaz. Isto aplica-se igualmente às crises dos reformados e dos idosos.

Além disso, o vácuo existencial revela-se sob várias formas e máscaras. Por vezes a vontade de sentido frustrada é compensada de forma vicariante por meio de uma vontade de poder, incluindo a mais primitiva forma desse tipo de vontade, a vontade de ter dinheiro. Noutros casos, o lugar da vontade de sentido frustrada é ocupado pela vontade de prazer. É por isso mesmo que a frustração existencial muitas vezes desencadeia uma compensação sexual. Podemos observar em tais casos que a líbido sexual se torna incontrolável no meio do vácuo existencial.

Um fenómeno análogo ocorre nos casos de neurose. Há certos tipos de mecanismos de feedback e formações de círculo vicioso que abordarei mais adiante. Podemos, no entanto, observar repetidamente que essa sintomatologia invadiu um vácuo existencial onde depois continua a florescer. Em tais pacientes, aquilo com que temos de lidar não é uma neurose noogénica. Não obstante, nunca conseguiremos levar o paciente a superar o seu estado se não tivermos suplementado o tratamento psicoterapêutico com a logoterapia. Pois, ao preencher o vácuo existencial, evita-se que o paciente venha a sofrer recaídas. Por conseguinte, a logoterapia é indicada não apenas nos casos noogénicos, como referimos antes, mas também nos casos psicogénicos, e por vezes até nas (pseudo) neuroses somáticas. Olhada a esta luz, vê-se justificada uma declaração de Magda B. Arnold: «Todas as terapias, por mais restritas que sejam, têm de ser também, de certa forma, logoterapia».10

Passemos agora a refletir sobre o que podemos fazer se um paciente perguntar qual é o sentido da vida.

O sentido da vida

Duvido que um médico possa responder a esta questão de um modo geral, pois o sentido da vida varia de pessoa para pessoa, de dia para dia e de hora para hora. O que importa, por isso, não é o sentido da vida em geral, mas antes o sentido específico da vida para uma pessoa num dado momento. Colocar a questão em termos gerais seria comparável a perguntar a um campeão de xadrez: «Diga-me, mestre, qual é a melhor jogada do mundo?» Pura e simplesmente não existe a melhor jogada, ou sequer uma boa jogada, independentemente de uma situação particular de um jogo e da personalidade particular de um opositor. O mesmo é válido para a existência humana. Não devemos procurar um sentido abstrato da vida. Cada um tem a sua vocação e missão específicas na vida, para levar a cabo uma tarefa concreta que requer ser concretizada. E nesse contexto não pode ser substituído, nem a sua vida pode ser repetida por outro. Assim, a tarefa de cada pessoa é tão única quanto o é a sua oportunidade específica para a levar a cabo.

Uma vez que cada situação vital representa um desafio ao indivíduo e coloca um problema para ele resolver, a questão do sentido da vida pode na verdade ser posta ao contrário. Em última instância, o Homem não deveria perguntar qual é o sentido da vida, mas antes reconhecer que é ele quem se vê interpelado. Numa palavra, cada pessoa é questionada pela vida; e à vida cada um pode apenas responder sendo responsável. Deste modo, a logoterapia encara a responsabilização como sendo a própria essência da existência humana.

A essência da existência

Esta ênfase na responsabilização está refletida no imperativo categórico da logoterapia, a saber: «Vive como se estivesses já a viver pela segunda vez e como se tivesses agido da primeira vez de forma tão errada como estás à beira de fazer agora!» Estou convencido de que nada poderia estimular mais o sentido de responsabilidade de uma pessoa do que esta máxima, que o convida a imaginar primeiro que o presente é passado e, depois, que o passado ainda pode ser mudado e corrigido. Um tal preceito confronta-o com a finitude da vida bem como com a finalidade daquilo que faz, tanto com a vida como consigo mesmo.

A logoterapia tenta tornar o paciente totalmente consciente da sua responsabilidade; deve, por conseguinte, deixar-lhe a possibilidade de decidir por quê, ante quê, ou quem, ele se considera responsável. É por isso que o logoterapeuta é o menos tentado de todos os psicoterapeutas a impor juízos de valor aos pacientes, pois nunca permitirá que transfiram para o médico a responsabilidade de ajuizar.

Cabe, por isso, ao paciente decidir se deverá interpretar a missão da sua vida como a de ser responsável ante a sociedade ou ante a sua própria consciência. Há pessoas, no entanto, que não interpretam as suas vidas meramente em função de uma tarefa ou missão que lhes cabe realizar, mas têm igualmente em conta o mandatário que a conferiu.

A logoterapia não é nem ensinar nem pregar. Está tão afastada do raciocínio lógico como da exortação moral. Se quisermos dizer as coisas figurativamente, o papel desempenhado pelo logoterapeuta é mais o de oftalmologista do que o de pintor. Este tenta transmitir-nos uma imagem do mundo tal como o vê; um oftalmologista tenta que consigamos ver o mundo tal como realmente é. O papel do logoterapeuta consiste em alargar e ampliar o campo visual do paciente, de modo a que todo o espetro de sentido potencial se torne consciente e visível para ele.

Ao declarar que o ser humano é responsável e tem de tornar efetivo o sentido potencial da sua vida, quero sublinhar que o verdadeiro sentido da vida tem de ser descoberto no mundo e não dentro dos homens e da sua psique, como se fosse um sistema fechado. Chamei a esta característica constitutiva «a autotranscendência da existência humana». Denota o facto de que o ser humano aponta sempre, e está dirigido, a algo ou a alguma coisa para além de si mesmo – seja isso um sentido a preencher, ou outro ser humano a encontrar. Quanto mais uma pessoa se esquece de si própria – entregando-se a uma causa ou ao amor de outra pessoa – mais humana se torna e mais se efetiva ou atualiza. A chamada auto-atualização não chega a ser um objetivo alcançável, pela simples razão de que, quanto mais tentasse atingi-la, mais falharia. Por outras palavras, a auto-atualização só é possível como efeito secundário da autotranscendência.

Mostrámos, até agora, que o sentido da vida muda sempre, mas nunca deixa de existir. Segundo a logoterapia, podemos descobrir este sentido de três formas diferentes: 1) criando uma obra ou praticando uma façanha; 2) vivendo uma experiência ou encontrando alguém; e 3) por meio da atitude que assumimos ante um sofrimento inevitável. A primeira, a via da realização ou do aperfeiçoamento, é bastante óbvia. A segunda e terceiras precisam de maior elaboração.

A segunda forma de descobrir um sentido na vida consiste em experienciar alguma coisa – como a bondade, a verdade e a beleza –, em viver a experiência da natureza e da cultura ou, por último, mas não menos importante, em viver a experiência de conhecer outro ser humano no seu ser único e sem igual, por meio do amor.

O significado do amor

O amor é a única maneira de compreender outro ser humano no fulcro mais íntimo da sua personalidade. Ninguém pode ter um conhecimento profundo e completo da essência de outro ser humano a menos que o ame. Por meio do seu amor, fica capacitado para ver os traços e características essenciais na pessoa amada; mais ainda, vê aquilo que há em potência nela, ainda não efetivado mas que deveria sê-lo. Para além disso, por meio do amor, a pessoa que ama permite àquela que é amada a efetivação dessas potencialidades. Ao torná-la consciente daquilo que pode ser e daquilo em que deveria transformar-se, torna essas potencialidades reais.

Na logoterapia, o amor não é interpretado como um mero epifenómeno11 dos impulsos e instintos sexuais, no sentido de uma chamada sublimação. O amor é um fenómeno tão primário quanto o sexo. Normalmente, o sexo é um modo de expressão do amor. O sexo é justificado, é até santificado, logo que se torna um veículo do amor, mas só na medida em que o seja. O amor não é, assim, compreendido como um mero efeito secundário do sexo; é, antes, o sexo que constitui uma forma de exprimir a experiência dessa derradeira forma de comunhão que se chama amor.

A terceira forma de encontrar um sentido na vida é por meio do sofrimento.

O significado do sofrimento

Não devemos nunca esquecer que podemos também descobrir sentido na vida quando confrontados com uma situação desesperada, quando enfrentamos um destino que não pode ser alterado. Pois aquilo que importa nesses momentos é testemunhar o potencial único dos seres humanos na sua máxima expressão, que consiste em transformar uma tragédia pessoal num triunfo, em fazermos do nosso destino uma realização humana. Quando já não temos capacidade para alterar uma situação – basta pensar numa doença incurável, tal como um cancro terminal –, somos desafiados a mudar quem somos.

Deixem que refira aqui um exemplo claro: Um clínico geral já idoso consultou-me certa vez por causa de uma depressão grave. Não conseguia superar a perda da mulher, que tinha amado mais que tudo e que falecera dois anos antes. Perante isso, como podia eu ajudá-lo? O que deveria dizer-lhe? Bom, evitei dizer fosse o que fosse e em vez disso confrontei-o com a questão: «O que teria acontecido, doutor, se tivesse sido o senhor a morrer primeiro e a sua mulher tivesse de sobreviver sem si?» «Oh», disse ele, «para ela isso teria sido terrível; como teria sofrido!» E nessa altura retorqui: «Está a ver, doutor, esse sofrimento foi-lhe poupado e foi o senhor quem lho poupou – a dizer a verdade, fê-lo ao elevado preço de ter agora de lhe sobreviver e de a chorar». Não disse uma palavra mas apertou-me a mão e deixou calmamente o meu consultório. De certa forma, o sofrimento deixa de o ser no momento em que se lhe descobre um sentido, tal como o sentido de um sacrifício.

É claro que isto não era terapia propriamente dita, porque, primeiro, o seu desespero não era uma doença; e, segundo, eu não podia mudar o seu destino; não podia ressuscitar a mulher dele. Mas naquele momento consegui realmente mudar a sua atitude em relação ao seu destino inalterável, na medida em que, daquele momento em diante, conseguia pelo menos ver um sentido no sofrimento. Um dos princípios básicos da logoterapia é que a principal preocupação dos seres humanos não é obter prazer ou evitar a dor, mas antes ver um significado na vida. É por isso que as pessoas estão até prontas a sofrer, na condição, é claro, desse sofrimento ter um sentido.

Mas quero deixar perfeitamente claro que o sofrimento não é, de forma alguma, necessário para encontrar sentido. Eu insisto somente em que o sentido é possível até mesmo a despeito do sofrimento – desde que, naturalmente, esse sofrimento seja inevitável. Se fosse evitável, no entanto, a coisa com sentido a ser feita seria remover a sua causa, fosse ela psicológica, biológica ou política. Sofrer sem necessidade é masoquista e não heroico.

Edith Weisskopf-Joelson, que foi professora de psicologia na Universidade da Georgia, defendeu, no seu artigo sobre logoterapia, que «a filosofia atual sobre higiene mental sublinha a ideia de que as pessoas deveriam ser felizes, que a infelicidade é um sintoma de desajustamento. Um tal sistema de valores pode ser responsável pelo facto de o fardo da infelicidade inevitável se ver aumentado pela infelicidade de nos sentirmos infelizes».12 E noutro artigo manifestou a esperança de que a logoterapia «possa ajudar a contrariar algumas tendências pouco saudáveis da cultura atual dos Estados Unidos, onde ao paciente incurável são dadas escassas oportunidades de se sentir orgulhoso do seu sofrimento e de o considerar enobrecedor em vez de degradante», de modo que «ele não se sente apenas infeliz, mas também envergonhado por estar infeliz».13

Há situações nas quais somos privados da oportunidade de fazermos o nosso trabalho ou de gozarmos a vida; mas aquilo que nunca podemos pôr de parte é a inevitabilidade do sofrimento. Ao aceitarmos o desafio de sofrer com bravura, a vida tem sentido até ao último momento e retém esse sentido literalmente até ao fim. Por outras palavras, o sentido da vida é incondicional, pois inclui até o significado potencial do sofrimento inevitável.

Deixem-me recordar aquela que foi, talvez, a minha mais profunda experiência no campo de concentração. As probabilidades de sobreviver ao campo não eram mais do que uma em vinte e oito, como pode facilmente verificar-se pelas estatísticas. Não parecia sequer possível, já para não dizer provável, que o manuscrito do meu primeiro livro, que tinha escondido no casaco quando cheguei a Auschwitz, pudesse ser salvo. Assim sendo, tive de suportar e superar a perda do meu filho espiritual. E naquele momento parecia que nada, nem ninguém, iria sobreviver-me; nem um filho físico nem um filho espiritual! Por isso, dei comigo confrontado com a questão de saber se, em tais circunstâncias, a minha vida estava, em última análise, vazia de sentido.

Não tinha ainda reparado que a resposta à questão com a qual me debatia tão arrebatadamente já estava à minha espera e que muito em breve me seria dada. Isso aconteceu quando tive de entregar as minhas roupas e em troca herdei os farrapos gastos de um prisioneiro que tinha sido enviado para a câmara de gás imediatamente depois de chegar à estação de caminhos de ferro de Auschwitz. Em vez das muitas páginas do meu manuscrito, encontrei num bolso do casaco recém-adquirido uma única página arrancada de um livro de orações hebraico, contendo a mais importante oração judaica, Shema Yisrael. Como deveria eu ter interpretado uma tal «coincidência» senão como um desafio a viver as minhas ideias em vez de me limitar a vertê-las no papel?

Recordo-me de que, um pouco mais tarde, me convenci que ia morrer a muito breve prazo. Nessa situação crítica, tinha, no entanto, uma preocupação diferente da maioria dos meus camaradas. A questão deles era: «Sobreviveremos ao campo? Porque, se não, todo este sofrimento não tem sentido.» A questão que me assaltava era: «Terá todo este sofrimento, esta morte que nos cerca, um sentido? Pois, se não tiver, então, afinal, não há qualquer sentido na sobrevivência; pois uma vida cujo significado dependa de tais caprichos da sorte – de saber se escapamos ou não – acaba por não ser digna de ser vivida.»

Problemas meta-clínicos

Hoje em dia, os psiquiatras são cada vez mais abordados por pessoas que os confrontam com problemas humanos e não com sintomas neuróticos. Algumas das pessoas que atualmente pedem ajuda a um psiquiatra, teriam noutros tempos procurado um pastor, um padre ou um rabi. Agora recusam com frequência ser enviados a um clérigo e em vez disso colocam ao médico questões como: «Que sentido tem a minha vida?»

Um logodrama

Gostaria de citar o seguinte exemplo: Certa vez, a mãe de um rapaz que tinha morrido aos onze anos deu entrada no meu departamento do hospital após uma tentativa de suicídio. O Dr. Kurt Kocourek convidou-a a juntar-se a um grupo terapêutico e aconteceu eu entrar na sala quando ele orientava um psicodrama. Ela estava a contar a sua história. Com a morte do filho, ficou com outro, mais velho e deficiente devido aos efeitos de paralisia infantil. O pobre rapaz tinha de ser levado de um lado para outro em cadeira de rodas. A mãe, no entanto, rebelou-se contra o seu destino. Mas quando tentou suicidar-se juntamente com ele, foi o filho deficiente que a impediu de fazê-lo; ele gostava de viver! Para ele, a vida continuava a ter sentido. Por que razão não era assim para a sua mãe? Como poderia a vida dela continuar a ter sentido? E como poderíamos nós ajudá-la a tomar consciência disso?

Num improviso de momento, entrei na discussão e questionei outra mulher do grupo. Perguntei-lhe a idade e ela respondeu, «trinta». Eu repliquei: «Não, tem oitenta e está no leito de morte. E está a olhar para a sua vida passada, uma vida sem filhos mas cheia de sucesso financeiro e prestígio social.» E então convidei-a a imaginar o que sentiria nessa situação. «O que pensará disso? O que dirá para si própria?» Deixem-me citar textualmente o que ela disse a partir da gravação da sessão. «Oh, casei com um milionário, tive uma vida fácil, cheia de riqueza e vivi-a muito bem! Namoriscava com os homens; provocava-os! Mas agora tenho oitenta; não tenho filhos. Ao olhar para o passado com os olhos de uma velha não consigo perceber para que foi tudo aquilo; na verdade, tenho de reconhecer que a minha vida foi um fracasso!»

Convidei depois a mãe do filho deficiente a imaginar-se numa situação semelhante e a avaliar a sua vida. Ouçamos o que disse, tal como ficou registado na gravação: «Eu quis ter filhos e esse desejo foi realizado; um rapaz morreu; o outro, no entanto, o deficiente, teria sido internado numa instituição se eu não me tivesse encarregado dele. Apesar de ser deficiente e incapaz de cuidar de si próprio, não deixa de ser meu filho. E por isso fiz com que pudesse viver uma vida mais completa; fiz do meu filho um ser humano melhor.» Nesse momento, irrompeu em lágrimas e, a chorar, continuou: «Pela minha parte, posso olhar para a minha vida com tranquilidade; pois posso dizer que foi cheia de significado e esforcei-me por torná-la plena; dei o meu melhor e fiz o melhor que pude pelo meu filho. A minha vida não foi um fracasso!» Ao olhar a sua vida a partir do leito de morte, foi subitamente capaz de ver nela um significado, um sentido que incluía até mesmo os seus sofrimentos. Pela mesma ordem de ideias, no entanto, tornara-se claro igualmente que uma vida de curta duração, como, por exemplo, a do seu falecido filho, podia ser tão rica em felicidade e amor que podia ter mais sentido do que uma vida que se prolonga por oitenta anos.

Um momento depois avancei para outra pergunta, desta vez dirigindo-me a todo o grupo. A questão era saber se um macaco usado em testes para desenvolver uma vacina contra a poliomielite, que é picado repetidamente, alguma vez será capaz de perceber o significado do seu sofrimento. O grupo respondeu, unanimemente, que naturalmente não seria capaz; com a sua inteligência limitada, não poderia entrar no mundo dos homens, ou seja, no único mundo no qual o sentido do seu sofrimento seria compreensível. Depois, avancei um pouco mais e coloquei a seguinte questão: «E quanto aos seres humanos? Têm a certeza que o mundo humano é um ponto terminal na evolução do cosmos? Não será concebível que exista ainda outra dimensão, um mundo para além do mundo dos homens; um mundo no qual a questão de um sentido último do sofrimento humano encontraria uma resposta?»

O ultra-significado

Este significado derradeiro excede e ultrapassa necessariamente as capacidades intelectuais finitas dos seres humanos; na logoterapia, falamos no contexto de um ultra-significado. Aquilo que é pedido aos seres humanos não é, como ensinam alguns filósofos existencialistas, que suportem uma vida sem sentido, mas antes que encarem a incapacidade de entender a sua incondicional significação em termos racionais. O logos é mais profundo que a lógica.

Um psiquiatra que vá além do conceito de ultra-significado acabará, mais cedo ou mais tarde, por ser embaraçado pelos seus pacientes, assim como eu o fui quando a minha filha, por volta dos seis anos, me colocou a seguinte questão: «Por que razão se fala do bom Deus?» Ao que eu respondi: «Há algumas semanas, estavas com sarampo e o bom Deus concedeu-te uma recuperação plena.» No entanto, a pequenita não se deu por satisfeita e replicou: «Bem, mas, por favor pai, não te esqueças, ele concedeu-me primeiro o sarampo.»

Não obstante, quando um paciente se move no terreno sólido da crença religiosa, não há objeções em fazer uso do efeito terapêutico das suas convicções religiosas e por esse meio aproveitar os seus recursos espirituais. Para conseguir isso, o médico pode colocar-se no lugar do paciente. Foi exatamente isso que fiz uma vez, quando um rabi do Leste da Europa se voltou para mim e me contou a sua história. Tinha perdido a primeira mulher e os seus seis filhos no campo de concentração de Auschwitz, onde foram gaseados, e agora acontecia que a sua segunda mulher era estéril. Fiz-lhe ver que a procriação não é o único sentido da vida, pois nesse caso a vida em si mesma perderia todo o sentido, e algo que em si mesmo não tem sentido não pode ganhá-lo apenas por meio da sua perpetuação. Todavia, o rabi avaliou a sua situação enquanto judeu ortodoxo, dando ênfase ao facto de não ter um filho que pudesse vir a dizer um Kaddish14 por ele depois de morrer.

Mas eu não desisti. Fiz uma derradeira tentativa para o ajudar perguntando se não esperava ver novamente os filhos no céu. No entanto, a minha pergunta foi seguida de pranto e nessa altura a verdadeira razão do seu desespero veio ao de cima: explicou que os seus filhos, tendo morrido como mártires inocentes15, eram dignos do mais elevado lugar no céu, enquanto ele, sendo como era um velho pecador, não podia esperar ser destinado ao mesmo lugar. Não desisti e repliquei: «Não será concebível, rabi, que esse seja justamente o sentido da sua sobrevivência aos seus filhos? Que possa ser purificado por estes anos de sofrimento, de modo a que, por fim, embora não sendo inocente como os seus filhos, possa também tornar-se digno de reunir-se a eles no céu? Não está escrito nos salmos que Deus guarda todas as nossas lágrimas?16 Por isso, talvez nenhum dos seus sofrimentos tenha sido em vão.» Pela primeira vez em muitos anos sentiu o sofrimento aliviado graças ao novo ponto de vista que consegui desvendar para ele.

A transitoriedade da vida

As coisas que parecem tirar sentido à vida incluem não só o sofrimento como também a morte. Nunca me canso de dizer que os únicos aspetos realmente transitórios da vida são as suas potencialidades; mas, logo que são efetivadas, tornam-se realidades nesse preciso instante; são salvas e entregues ao passado, no qual são resgatadas e preservadas da transitoriedade. Pois, no passado, nada está irremediavelmente perdido e tudo fica irrevogavelmente guardado.

Assim sendo, a transitoriedade da nossa existência não a torna, de forma alguma, destituída de sentido. Mas constitui de facto a nossa responsabilidade; pois tudo se resume à nossa capacidade para realizarmos as possibilidades essencialmente transitórias. Os seres humanos fazem constantemente escolhas relacionadas com o conjunto de potencialidades presentes; quais delas serão condenadas ao não-ser e quais serão efetivadas? Que escolha será tornada ato de uma vez para sempre, transformada em imortal «pegada nas areias do tempo»? As pessoas têm de decidir em todos os momentos, para o melhor ou para o pior, qual será o monumento das suas existências.

A dizer a verdade, o Homem habitualmente tem em conta somente o restolho do transitório e ignora os celeiros cheios do passado, onde guardou, de uma vez para sempre, todos os seus atos, as suas alegrias e também os seus sofrimentos. Nada pode ser desfeito e nada pode ser ignorado como se não tivesse existido. Diria mesmo que ter sido é a mais segura forma do ser.

A logoterapia, mantendo bem presente a transitoriedade essencial da existência humana, não é pessimista, é, antes, ativista. Para exprimir figurativamente este ponto, poderíamos dizer: o pessimista assemelha-se a um homem que observa, com medo e tristeza, como o calendário de parede, do qual todos os dias retira uma folha, está cada vez mais fino. Por outro lado, a pessoa que ataca os problemas da vida de forma ativa é como um homem que retira cada uma das sucessivas folhas do calendário e as arruma com cuidado junto das anteriores, depois de escrever umas quantas notas de diário no verso. Pode refletir com orgulho e alegria em toda a riqueza anotada nesses apontamentos, em toda a vida que já viveu ao máximo. O que lhe importará se perceber que está a ficar velho? Terá alguma razão para invejar os jovens que vê, ou para ficar nostálgico com a sua própria juventude perdida? Que razões tem para invejar um jovem? Pelas possibilidades que o jovem tem, pelo futuro que lhe está reservado? «Não, muito obrigado», pensará ele. «Em vez de possibilidades, tenho realidades no meu passado, não só a realidade do trabalho feito e do amor amado, mas dos sofrimentos sofridos com bravura. Esses sofrimentos são até as coisas de que sinto maior orgulho, embora sejam coisas que não podem suscitar inveja.»

A logoterapia enquanto técnica

Um medo realista, como o medo da morte, não pode ser tranquilizado e afastado mediante uma interpretação psicodinâmica; por outro lado, um medo neurótico, como a agorafobia, não pode ser curado por meio da compreensão filosófica. Não obstante, a logoterapia criou uma técnica especial para lidar, também, com estes casos. Para se perceber o que acontece quando esta técnica é usada, tomemos como ponto de partida um estado observado com frequência em pessoas neuróticas, a saber, a ansiedade de antecipação. É característico deste tipo de medo o facto de produzir precisamente aquilo que o paciente receia. Por exemplo, um indivíduo com medo de corar quando entra numa sala grande e depara com muitas pessoas, terá, de facto, maior tendência para corar nessas circunstâncias. Poderíamos pois, neste contexto, corrigir a frase-feita «O desejo é pai do pensamento» e dizer «Ter medo é mãe do acontecimento».

Ironicamente, da mesma maneira que o medo acaba por originar aquilo que tememos, assim também uma intenção forçada torna impossível o que queremos a toda a força. Esta intenção excessiva, ou «hiper-intenção», como a designei, pode ser observada especialmente nos casos de neurose sexual. Quanto mais um homem tenta demonstrar a sua potência sexual, ou uma mulher a sua capacidade para ter orgasmos, menos possibilidades têm de ser bem-sucedidos. O prazer é, e deve continuar a ser, um efeito colateral ou subproduto, e é destruído e estragado na exata medida em que é transformado em objetivo em si mesmo.

Para além da intenção excessiva tal como agora descrita, a atenção excessiva, ou «hiper-reflexão», como é designada na logoterapia, pode ser também patogénica (isto é, levar a uma doença). O seguinte relatório clínico explicará aquilo que quero dizer: uma mulher jovem veio procurar-me queixando-se de ser frígida. A história do caso mostrava que na infância tinha sido alvo de abusos sexuais por parte do pai. Contudo, não tinha sido essa experiência traumática em si mesma a criar a neurose sexual, como podia facilmente comprovar-se. Foi possível verificar que a leitura de literatura psicanalítica popular tinha levado a paciente a viver constantemente com a expetativa temerosa de vir um dia a pagar o preço da sua experiência traumática. Esta ansiedade de antecipação resultou simultaneamente numa intenção excessiva de confirmar a sua feminilidade e numa excessiva atenção centrada em si própria em vez de no companheiro. Isto bastava para incapacitar a paciente para a experiência culminante do prazer sexual, uma vez que o orgasmo era transformado em objeto de intenção, e também de atenção, em vez de permanecer como efeito irrefletido da dedicação e entrega ao companheiro. Depois de ser submetida a uma logoterapia de curta duração, a atenção e intenção excessiva da paciente à capacidade de experimentar o orgasmo tinha sido «derrefletida», para usar outro conceito logoterapêutico. Quando a sua atenção foi recentrada no objeto adequado, isto é, no companheiro, o orgasmo passou a acontecer espontaneamente.17

A logoterapia baseia a sua técnica, designada por «intenção paradoxal», no facto dúplice de o medo levar àquilo que uma pessoa teme e de a hiper-intenção impossibilitar aquilo que desejamos. Em alemão descrevi a intenção paradoxal já em 1939.18 Nesta abordagem o paciente fóbico é convidado a intencionar, ainda que por apenas alguns momentos, aquilo de que tem medo.

Deixem-me recordar um caso. Um jovem médico consultou-me por causa do seu medo de transpirar. Sempre que esperava uma erupção de suor, essa ansiedade antecipada bastava para precipitar uma sudação excessiva. De modo a pôr fim a esta formação circular aconselhei o paciente, sempre que o suor voltasse, a tentar mostrar deliberadamente às pessoas o quanto era capaz de suar. Uma semana depois, voltou para me dizer que, sempre que conhecia alguém que desencadeava a sua ansiedade antecipatória, dizia para si mesmo: «Até agora só suei cerca de um litro, mas agora vou verter pelo menos uns dez!» O resultado foi que, depois de sofrer daquela fobia durante quatro anos, foi capaz, após uma única sessão, de se libertar permanentemente dela numa semana.

O leitor poderá notar que o procedimento consiste numa inversão da atitude do paciente, na medida em que o seu medo é substituído por um desejo paradoxal. Com este tratamento, retira-se o vento das velas da ansiedade.

Contudo, este procedimento tem de recorrer à capacidade especificamente humana de autodistanciamento inerente ao sentido de humor. Esta capacidade essencial de nos distanciarmos de nós mesmos é posta em prática sempre que é aplicada a técnica logoterapêutica designada intenção paradoxal. Ao mesmo tempo, o paciente é capacitado para se distanciar da sua própria neurose. Uma afirmação coincidente com isto pode encontrar-se no livro de Gordon W. Allport, intitulado The Individual and His Religion: «O neurótico que aprende a rir-se de si mesmo pode estar a caminho de uma situação estável, talvez mesmo da cura».19 A intenção paradoxal é a validação empírica e a aplicação clínica da declaração de Allport.

Uns quantos outros relatos de casos poderão servir para clarificar mais este método. O paciente seguinte é um escriturário que tinha sido tratado por vários médicos sem qualquer resultado terapêutico. Quando deu entrada no meu departamento do hospital, estava em desespero extremo e confessou estar à beira do suicídio. Sofria há já alguns anos de cãibra do escriba e recentemente a situação tinha-se tornado tão grave que estava em risco de perder o emprego. Por conseguinte, só uma terapia imediata de curta duração poderia aliviar os sintomas. Ao começar o tratamento a Dr.ª Eva Kozdera recomendou ao paciente que fizesse exatamente o oposto do que fizera até aí; nomeadamente, em vez de tentar escrever de forma tão elegante e legível quanto possível, para escrever com os piores rabiscos. Foi aconselhado a dizer a si mesmo: «Vou mostrar às pessoas como sou bom escrevinhador!» E no preciso momento em que estava a tentar deliberadamente fazer uns rabiscos, foi incapaz de o conseguir. «Tentei fazer uns gatafunhos mas não consegui», disse ele no dia seguinte. Em 48 horas, o paciente ficou, assim, liberto da sua cãibra de escriba e continuou sem problemas durante o período de observação após o tratamento. Voltou a ser um homem feliz e perfeitamente apto para trabalhar.

Um caso similar, embora relativo à fala e não à escrita, foi-me contado por um colega do Departamento de Laringologia do Hospital Policlínico de Viena. Era o caso mais grave de gaguez que alguma vez conhecera em muitos anos de prática. Tanto quanto o paciente se recordava, nunca em toda a sua vida tinha vivido sem o problema de fala, ainda que momentaneamente, senão uma única vez. Isso aconteceu quando tinha doze anos e apanhou boleia num elétrico. Quando foi apanhado pelo revisor, pensou que a única forma de escapar seria suscitar a sua compreensão e, por isso, tentou demonstrar que era só um pobre rapaz gago. Nesse momento, quando tentou gaguejar foi incapaz de o fazer. Sem saber disso, praticou a intenção paradoxal, embora não com objetivos terapêuticos.

Todavia, esta apresentação não deveria dar a impressão de que a intenção paradoxal é eficaz somente em casos monossintomáticos. Por meio desta técnica logoterapêutica, o pessoal a meu cargo no Hospital Policlínico de Viena conseguiu aliviar até mesmo casos graves de neurose obsessiva-compulsiva. Recordo, por exemplo, o caso de uma mulher de sessenta e cinco anos que há sessenta sofria de uma compulsão de limpeza. A Dr.ª Eva Kozdera iniciou o tratamento logoterapêutico com base na intenção paradoxal e dois meses depois a paciente estava capaz de fazer uma vida normal. Antes de dar entrada no Departamento de Neurologia do Hospital Policlínico de Viena confessara: «A vida para mim era um inferno.» Diminuída pela sua compulsão e obsessão bacterofóbica, acabou por se ver na contingência de permanecer de cama o dia inteiro, incapaz de fazer qualquer trabalho doméstico. Não seria correto dizer que está agora inteiramente liberta de sintomas, pois a obsessão pode ainda ocorrer-lhe. No entanto, é capaz de «brincar com isso», como ela mesma diz; ou seja, é capaz de aplicar a intenção paradoxal.

Esta técnica pode igualmente ser aplicada em casos de distúrbio do sono. O medo da insónia20tem como resultado uma intenção excessiva de adormecer, que, por sua vez, incapacita o paciente de o fazer. Para superar este medo, aconselho habitualmente o paciente a não tentar adormecer mas, antes, a tentar fazer o oposto, isto é, a ficar acordado tanto tempo quanto possível. Por outras palavras, a hiper-intenção de adormecer, resultante da ansiedade antecipatória de ser incapaz de o fazer, deve ser substituída pela intenção paradoxal de não adormecer, que em breve será seguida de sono.

A intenção paradoxal não é uma panaceia. Apesar disso, é uma ferramenta útil no tratamento de estados fóbicos e obsessivos-compulsivos, especialmente em casos de ansiedade antecipatória subjacente. É, além disso, um dispositivo terapêutico de curto prazo. No entanto, não devemos concluir daí que uma tal terapia de curto prazo tem somente resultados terapêuticos temporários. Uma das «ilusões mais frequentes da ortodoxia freudiana», para citar uma frase de Emil A. Gutheil, «é que a durabilidade dos resultados corresponde à duração da terapia».21 Tenho no meu ficheiro, por exemplo, o relato do caso de um paciente ao qual foi administrada a intenção paradoxal há mais de vinte anos; o efeito terapêutico revelou-se, contudo, permanente.

Um dos factos mais notáveis é que a intenção paradoxal é eficaz independentemente da base etiológica do caso em análise. Isto confirma uma declaração feita certa vez por Edith Weisskopf-Joelson: «Embora a psicoterapia tradicional tenha insistido que as práticas terapêuticas têm de ser baseadas em descobertas relacionadas com a etiologia, é possível que certos fatores possam causar neuroses durante a primeira infância e que fatores inteiramente diversos possam aliviar as neuroses na idade adulta.»22

Quanto à verdadeira causa das neuroses, à parte os elementos constitucionais, sejam eles de natureza somática ou psíquica, fatores de feedback como ansiedade de antecipação parecem ser fatores patogénicos importantes. A um dado sintoma corresponde uma fobia, a fobia desencadeia o sintoma, e este, por sua vez, reforça a fobia. Uma cadeia de acontecimentos semelhante pode, no entanto, ser observada nos casos obsessivos-compulsivos nos quais o paciente luta contra as ideias que o perseguem.23 Contudo, dessa forma ele aumenta o poder que elas têm de o perturbar, pois a pressão precipita uma pressão oposta. O sintoma vê-se, uma vez mais, reforçado! Por outro lado, logo que o paciente deixa de combater as suas obsessões e tenta, em vez disso, ridicularizá-las, lidando com elas de forma irónica – aplicando a intenção paradoxal – o círculo vicioso é quebrado, o sintoma perde força e por fim atrofia. Nos casos felizes em que não há um vácuo existencial que suscite e precipite o sintoma, o paciente não só conseguirá ridicularizar o seu medo neurótico como acabará por conseguir ignorá-lo por completo.

Como se pode ver, a ansiedade de antecipação tem de ser contrariada com a intenção paradoxal; a hiper-intenção, bem como a hiper-reflexão, têm de ser neutralizadas com a de-reflexão; esta, no entanto, acaba por não ser possível exceto se o paciente for orientado para a sua vocação e missão específica na vida.24

Não é a preocupação do paciente consigo mesmo, seja ela de compreensão ou desprezo, que interrompe a formação circular; a chave da cura é a auto-transcendência!

A neurose coletiva

Cada época tem a sua neurose coletiva, e cada época necessita da sua própria psicoterapia para lidar com ela. O vazio existencial que é a neurose de massas da nossa época pode ser descrito como uma forma privada e pessoal de niilismo, pois o niilismo pode ser definido como a ideia de que existir não tem sentido. Quanto à psicoterapia, no entanto, nunca será capaz de lidar com este estado de coisas a uma escala maciça se não se mantiver livre do impacto e da influência das tendências contemporâneas da filosofia niilista; doutro modo representa um sintoma da neurose de massas em vez da sua possível cura. A psicoterapia refletiria não somente uma filosofia niilista como também, embora involuntariamente e sem se aperceber disso, transmitiria ao paciente algo que na realidade é uma caricatura e não uma imagem verdadeira do Homem.

Primeiro que tudo, há um perigo inerente no ensino do «não é nada senão»25 da humanidade, a teoria de que os seres humanos não são nada senão o resultado de condições biológicas, psicológicas e sociológicas, ou o produto da hereditariedade e do meio ambiente. Uma tal visão do Homem leva um neurótico a acreditar naquilo que está, de qualquer forma, predisposto a aceitar como verdadeiro, a saber, que é o peão e a vítima de influências externas ou de circunstâncias internas. Este fatalismo neurótico é alimentado e fortalecido por uma psicoterapia que negue a liberdade das pessoas.

Na verdade, um ser humano é algo finito, e a sua liberdade tem limites. Não se trata de uma liberdade em relação às condições, mas de uma liberdade de tomar posição relativamente a essas condições. Como disse uma vez: «Na qualidade de professor em duas áreas de estudo, a neurologia e a psiquiatria, estou plenamente consciente da dimensão da sujeição do Homem às condições biológicas, psicológicas e sociais. Mas, para além de ser um professor em duas áreas, sou um sobrevivente de quatro campos – campos de concentração – e como tal sou também testemunha da inesperada capacidade dos seres humanos para desafiarem e enfrentarem corajosamente até mesmo as piores condições imagináveis.»26

Crítica do pandeterminismo

A psicanálise tem sido criticada com frequência por causa do seu chamado pansexualismo. Eu sou daqueles que consideram duvidosa a legitimidade desta acusação. No entanto, há outra coisa que se me afigura como uma pressuposição ainda mais errada e perigosa, a saber, aquilo que designo como «pandeterminismo». Designo com isso a perspetiva do Homem que ignora a sua capacidade para tomar posição relativamente a quaisquer condições. O Homem não é inteiramente condicionado e determinado, pelo contrário, determina-se a si mesmo no momento de saber se cede às condições envolventes ou se lhes faz frente. Por outras palavras, os seres humanos são, no limite, autodeterminados. Não se limitam a existir, decidem sempre o que será a sua existência, aquilo em que se tornarão no momento seguinte.

Pela mesma ordem de ideias, todos os seres humanos têm a liberdade de mudar em qualquer momento. Por conseguinte, podemos predizer o seu futuro somente no quadro de uma estrutura lata de estudo estatístico relativo a todo um grupo; a personalidade individual, no entanto, permanece essencialmente imprevisível. A base de qualquer previsão seria representada por condições biológicas, psicológicas ou sociológicas. Contudo, uma das características principais da existência humana é a capacidade de se elevar acima de tais condições, de as superar. O Homem é capaz de mudar o mundo para melhor, se possível, e de se mudar a si próprio para melhor, se necessário.

Deixem-me referir o caso do Dr. J. É o único homem que alguma vez conheci a quem me atreveria a chamar um ser mefistofélico, uma figura satânica. Quando o conheci era geralmente chamado «o assassino em massa de Steinhof» (o imenso hospital psiquiátrico de Viena). Quando os nazis deram início ao seu programa de eutanásia, ele controlava tudo e era tão fanático na tarefa que lhe fora entregue, que tentava não deixar de fora das câmaras de gás um único psicótico. Quando voltei a Viena depois da guerra, perguntei o que tinha acontecido a Dr. J. «Foi aprisionado pelos russos numa das celas de isolamento de Steinhof», disseram-me. «Mas um dia depois, a porta da sua cela abriu-se e o Dr. J. nunca mais foi visto». Convenci-me mais tarde de que, como tantos outros, teve a ajuda dos seus camaradas para fugir para a América do Sul. No entanto, mais recentemente fui consultado por um antigo diplomata austríaco que tinha estado aprisionado do outro lado da Cortina de Ferro durante muitos anos, primeiro na Sibéria e depois na famosa prisão da Lubianka, em Moscovo. Enquanto eu lhe fazia um exame neurológico, perguntou-me, de súbito, se por acaso conhecia o Dr. J. Ante a minha resposta afirmativa, prosseguiu: «Conheci-o na Lubianka. Morreu aí, com cerca de quarenta anos, de cancro da bexiga. Antes de morrer revelou-se, no entanto, o melhor camarada que se pode imaginar! Consolava todos os outros. Vivia segundo os mais elevados padrões morais. Foi o melhor amigo que conheci durante os muitos anos que passei na prisão!»

Esta é a história do Dr. J., o «assassino em massa de Steinhof». Como podemos atrever-nos a prever o comportamento dos homens? Podemos prever os movimentos de uma máquina, de um autómato; mais do que isso, podemos até tentar prever também os mecanismos ou os «dinamismos» da psique humana. Mas os seres humanos são mais do que psique.

A liberdade não é, ainda assim, a última palavra. A liberdade é só parte da história e metade da verdade. A liberdade não é senão o aspeto negativo do fenómeno no seu todo, cujo aspeto positivo é a responsabilidade. De facto, a liberdade está em risco de degenerar em mera arbitrariedade, a menos que seja vivida num âmbito de responsabilização. Por esse motivo recomendo que a Estátua da Liberdade na costa leste seja complementada com uma Estátua da Responsabilidade na costa oeste.

O credo psiquiátrico

Não há nada que se possa conceber que seja capaz de condicionar a tal ponto um ser humano que o deixe sem a mínima liberdade. Por conseguinte, um resíduo de liberdade, por mais limitada que possa ser, está ao alcance das pessoas em casos neuróticos e até mesmo psicóticos. Na verdade, o mais profundo fulcro da personalidade de um paciente não chega a ser tocado pela psicose.

Um psicótico incurável pode perder a sua utilidade mas reter, ainda assim, a dignidade de um ser humano. Este é o meu credo psiquiátrico. Sem ele não consideraria que valesse a pena ser psiquiatra. Em nome de quem? Somente em nome de uma máquina cerebral danificada que não pode ser reparada? Se um paciente não fosse claramente mais do que isso, a eutanásia seria justificada.

A psiquiatria reumanizada

Durante demasiado tempo – mais exatamente durante meio século – a psiquiatria tentou interpretar a mente humana como um mero mecanismo e, consequentemente, interpretou a terapia das doenças mentais como uma mera técnica. Penso que esse sonho chegou ao fim. O que agora começa a surgir no horizonte não são os esboços de uma medicina psicologizada mas, antes, os de uma psiquiatria humanizada.

Contudo, um médico que ainda interpretasse o seu papel como sendo essencialmente o de um técnico, confessaria não ver no seu paciente mais do que uma máquina, em vez de ver o ser humano por trás da doença!

Um ser humano não é uma coisa entre outras; as coisas determinam-se umas às outras, mas o Homem é, em última instância, autodeterminado. Aquilo em que se transforma – nos limites do legado biológico e do meio ambiente – resulta da sua própria ação. Nos campos de concentração, por exemplo, nesse laboratório vivo e nesse campo de testes, pudemos ver e testemunhar como camaradas nossos se comportavam como porcos enquanto outros agiam como santos. O Homem tem ambas as capacidades dentro de si mesmo; qual delas é transformada em ato depende de decisões, mas não das condições.

A nossa geração é realista, pois acabou por conhecer o ser humano como ele realmente é. Afinal de contas, o Homem é esse ser que inventou as câmaras de gás de Auschwitz; no entanto, é igualmente o ser que entrou nas câmaras de gás de cabeça erguida, com o Pai Nosso ou Shema Yisrael nos lábios.

8 Esta parte, que foi revista e atualizada, surgiu primeiro sob o título «Conceitos básicos de logoterapia» na edição de 1962 de Em Busca de Um Sentido.

9 Era a primeira versão do meu primeiro livro, a tradução inglesa do qual foi publicada por Alfred A. Knopf, Nova Iorque, em 1955, com o título The Doctor and the Soul: An Introduction to Logotherapy.

10 Magda B. Arnold e John A. Gasson, The Human Person, Ronald Press, Nova Iorque, 1954, pág. 618.

11 Um fenómeno que ocorre como resultado de um fenómeno primário.

12 «Some Comments on a Viennese School of Psychiatry», The Journal of Abnormal and Social Psychology, 51 (1995), págs. 701-3.

13 «Logotherapy and Existential Analysis», Acta Psychotherapeutica, 6 (1958), págs. 193-204.

14 Oração fúnebre.

15 L’kiddush hashem, isto é, para a santificação do nome de Deus.

16 «Tu contaste os passos do meu peregrinar, recolheste e guardaste as minhas lágrimas. Não está tudo isso anotado no teu livro?» (Salmos 56.8)

17 Foi desenvolvida uma técnica logoterapêutica específica para tratar casos de impotência sexual, baseada na teoria da hiper-intenção e da hiper-reflexão tal como delineadas em cima (Viktor E. Frankl, «The Pleasure Principle and Sexual Neurosis», The International Journal of Sexology, Vol. 5, N.º 3 [1952], págs. 128-30). É claro que isto não pode ser incluído nesta apresentação resumida dos princípios da logoterapia.

18 Viktor E. Frankl, «Zur medikamentösen Unterstützung der Psychotherapie bei Neurosen», Schweizer Archiv für Neurologie und Psychiatrie, Vol. 43, págs. 26-31.

19 Nova Iorque, The Macmillan Co., 1956, pág. 92.

20 O medo da insónia é, na maior parte dos casos, devido à ignorância, por parte do doente, do facto de que o organismo fornece a si mesmo e por si mesmo a quantidade mínima de sono realmente necessária.

21 American Journal of Psychotherapy, 10 (1956), pág. 134.

22 «Some Comments on a Viennese School of Psychiatry», The Journal of Abnormal and Social Psychology, 51 (1955), págs. 701-3.

23 Isto resulta, com frequência, do medo do paciente de que as suas obsessões sejam indício do risco de psicose iminente ou até mesmo de uma já existente; o paciente não tem consciência do facto empírico de que uma neurose obsessiva-compulsiva o imuniza contra uma psicose efetiva, não o colocando em risco de seguir nessa direção.

24 Esta convicção é reforçada por Allport, que uma vez afirmou: «À medida que o foco do esforço muda do conflito para objetivos desinteressados, a vida como um todo torna-se mais saudável, ainda que a neurose possa nunca desaparecer por completo» (ob. cit., pág. 95).

25 «Nothingbutness», na versão inglesa. (N. do T.)

26 «Value Dimensions in Teaching», um filme colorido produzido para televisão pela Hollywood Animators, Inc., para a Junior College Association da Califórnia.