DAY

Subimos vários andares até eu ouvir as correntes do elevador pararem, com um ruído rascante. Dois soldados me arrastam para um corredor que já conheço. Acredito que estejam me levando de volta à minha cela, pelo menos por enquanto. Pela primeira vez desde que acordei na maca, sinto-me exausto e baixo a cabeça até o peito. O doutor deve ter aplicado algo em mim para evitar que eu me debatesse muito durante a operação. Tudo ao meu redor parece tremido nas bordas, como se eu estivesse correndo.

Então os soldados param subitamente na metade do corredor, a uma boa distância da minha cela. Ergo os olhos, surpreso. Estamos do lado de fora de uma das salas que eu havia observado antes, a com porta de vidro transparente. As salas são câmaras de interrogatório. Isso quer dizer que eles querem mais informações antes de me executarem.

Há estática, depois vem uma voz através de um dos fones de ouvido de um soldado. Ele concorda com a cabeça e diz:

– O capitão disse que já está chegando.

Fico do lado de dentro, esperando, à medida que se passam os minutos. Guardas com expressão impassível ficam ao lado da porta, enquanto outros dois seguram meus braços algemados. Sei que esta sala é supostamente à prova de som, mas juro que ouço o som de armas e as vibrações de gritos distantes. Meu coração se acelera. As tropas devem estar disparando contra a multidão na praça. As pessoas estão morrendo por minha causa?

Passa mais tempo. Espero. Minhas pálpebras ficam pesadas. Quero apenas me enroscar como uma bola no canto da minha cela, e dormir.

Finalmente, ouço passos se aproximando. A porta se abre de repente, e revela um rapaz vestido de preto, com cabelo escuro que lhe cai nos olhos. Dragonas prateadas estão fixas em cada ombro. Os outros soldados batem os calcanhares.

O homem os dispensa. Agora eu o reconheço. É o capitão que atirou na minha mãe. June já o havia mencionado: seu nome é Thomas. A Comandante Jameson deve tê-lo chamado.

– Sr. Wing – ele diz. Ele se aproxima de mim e cruza os braços. – É um prazer conhecê-lo formalmente. Eu estava começando a me preocupar com a hipótese de isso nunca acontecer.

Eu decido ficar calado. Ele parece se sentir pouco à vontade por estar no mesmo recinto que eu, sua expressão revela que ele me odeia de verdade.

– Minha comandante quer que eu lhe faça umas perguntas de praxe antes da data de sua execução. Vamos tentar manter a conversa cordial, embora, é claro, tenhamos começado com o pé esquerdo.

Não consigo evitar de sufocar um riso e dizer:

– É mesmo? Essa é sua opinião?

Thomas não responde, mas vejo que ele engole em seco, num esforço para não reagir. Ele tira do manto um pequeno controle remoto cinza, e o aponta para a parede em branco da sala. Surge uma projeção. É um relatório policial, com fotos de uma pessoa que não reconheço.

– Vou lhe mostrar uma série de fotos, Sr. Wing – ele diz. – As pessoas que o senhor verá são suspeitas de envolvimento com os Patriotas.

Os Patriotas tinham tentado em vão me recrutar. Com bilhetes cifrados rabiscados nas paredes dos becos, logo acima de onde eu dormia. Ou com algum segurança numa esquina de rua que me passava um bilhete. Ou um pacotinho de dinheiro com uma proposta. Depois de ignorar suas propostas por um tempo, deixei de ter notícias deles.

Retruco:

– Eu nunca trabalhei com os Patriotas. Se algum dia eu matar, será de acordo com as minhas convicções.

– O senhor pode afirmar não ter nenhuma ligação com eles, mas talvez alguns deles tenham cruzado seu caminho, e talvez o senhor queira nos ajudar a encontrá-los.

– Ah, sem dúvida! Você matou minha mãe. Pode imaginar que eu esteja morrendo de vontade de ajudá-lo.

Thomas consegue me ignorar de novo. Olha de relance para a primeira foto projetada na parede:

– Conhece esta pessoa?

Sacudo a cabeça:

– Nunca vi na vida.

Thomas aciona o remoto, aparece mais uma foto:

– E esta?

– Não.

Outra foto:

– E esta?

– Não.

Mais uma desconhecida surge na parede:

– Já viu esta garota?

– Nunca na vida.

Mais rostos desconhecidos. Thomas vai clicando o controle sem piscar nem questionar minhas respostas. Ele não passa de uma marionete burra do governo. Eu o observo à medida que continuamos, desejando não estar algemado, porque então eu atiraria esse cara no chão.

Mais fotos. Mais rostos desconhecidos. Thomas não questiona nenhuma das minhas respostas concisas. Na verdade, parece que ele mal pode esperar para sair da sala e ficar longe de mim.

Então surge a foto de alguém que reconheço. A imagem enevoada mostra uma garota de cabelo comprido, mais comprido do que o cabelo curto de que me lembro. Ainda sem nenhuma tatuagem de videira. Aparentemente, Kaede é uma Patriota.

Não ouso permitir que meu rosto expresse o reconhecimento, e digo:

– Se liga, cara. Se eu conhecesse alguma dessas pessoas, você acha mesmo que eu te diria?

Thomas está se esforçando muito para manter a postura.

– Terminamos, Sr. Wing.

– Ah, para com isso! Dá pra ver que você daria qualquer coisa para me dar uma porrada. Faça isso. Eu te desafio.

Seus olhos reluzem de fúria, mas ele se contém:

– Minhas ordens foram para lhe fazer uma série de perguntas – ele diz, tenso. – E já fiz isso. Por isso, terminamos.

– Por quê? Por acaso está com medo de mim? Você só é corajoso para matar a mãe dos outros, né?

Thomas aperta os olhos e dá de ombros:

– Ela é um marginal a menos com quem temos de lidar.

Cerro o punho e cuspo na cara dele.

Isso acaba com a pose dele. Seu punho esquerdo bate com força em meu queixo, minha cabeça vira para o lado. Estrelas explodem diante de meus olhos.

– Você se acha, não é? – Ele diz. – Só porque pregou algumas peças e bancou o assistente social para a escória da rua? Bem, vou lhe contar um segredo. Eu também venho de um setor pobre, mas segui as normas. Me esforcei para subir na vida, e mereci o respeito do meu país. Vocês todos só sabem ficar sentados, reclamando e culpando o Estado pela sua falta de sorte. Vocês não passam de um bando de meliantes imundos e preguiçosos.

Ele me dá outro soco. Minha cabeça se vira para trás, e sinto gosto de sangue. Meu corpo treme de tanta dor. Ele agarra minha gola e me puxa para perto dele. Minhas algemas fazem barulho. – A Srta. Iparis me contou o que o senhor fez com ela nas ruas. Como é que ousou se meter a besta com alguém da posição dela?

Ah! É isso que o está incomodando: acho que ele descobriu sobre o beijo. Não posso evitar de dar um risinho, apesar de meu rosto estar cheio de dor.

– Agora entendi tudo. É isso o que está perturbando, não é? Já reparei no jeito como você olha para ela. Você está louco por ela, não é? Você também está tentando merecer ficar com ela, seu idiota? Lamento destruir sua esperança, mas eu não a forcei a fazer nada.

O rosto dele fica vermelho de ódio:

– Ela está ansiosa pela sua execução, Sr. Wing. Posso lhe garantir isso. Dou uma risada:

– Mau perdedor, hem? Vou fazer você se sentir melhor. Vou contar tudo que se passou entre nós dois. Saber detalhes é a segunda melhor coisa, não acha?

Thomas agarra meu pescoço. Suas mãos tremem.

– Eu teria cuidado se estivesse em seu lugar – ele diz, com desprezo. – Talvez tenha se esquecido de que tem dois irmãos, e que ambos estão à mercê da República. Cuidado com a língua, a não ser que queira ver os corpos deles enfileirados juntos ao de sua mãe.

Ele me bate de novo, e um dos seus joelhos me atinge o estômago. Respiro com dificuldade. Imagino Éden e John, então me obrigo a me acalmar e a forçar a dor a ir embora. Fique forte. Não deixe que ele o tire do sério.

Ele me dá mais dois socos. Está respirando com força. Com um grande esforço, ele abaixa os braços e expira.

– Agora estamos mesmo terminados, Sr. Wing – ele diz em voz baixa. – Eu o verei no dia de sua execução.

Não consigo falar de tanta dor, por isso tento apenas manter os olhos focalizados nele. O sujeito tem uma expressão estranha, como se estivesse zangado ou desapontado porque eu o fiz perder a pose.

Ele se vira e sai do recinto sem dizer uma palavra.