Prefácio
O tema deste livro tem uma continuidade óbvia com o ensaio escrito por Ian Watt e eu alguns anos atrás e com o volume que organizei subsequentemente sobre Literacy in Traditional Societies [A capacidade de ler e escrever nas sociedades tradicionais] (CAMBRIDGE, 1968). Ao tentar explicar as realizações gregas, assim como algumas das diferenças entre outras sociedades humanas, demos muita importância à capacidade de ler e escrever. Meu tema atual é, de certa forma, uma modificação e, de outra, uma extensão dessa tese, já que logo ficou claro que nós não tínhamos dado o devido reconhecimento às realizações de outras sociedades letradas em virtude de uma preocupação com a “peculiaridade do Ocidente” (cf. HIRST, 1975; ANDERSON, 1974). Estimulado pela experiência de culturas em transição na África Ocidental e tendo lido sobre aquilo que poderíamos chamar de “surgimento do Oriente Médio” (diferente do “surgimento do Ocidente”, que foi posterior), eu quis, durante algum tempo, examinar o contraste entre sociedades letradas e sociedades não letradas a fim de tentar levar a um novo estágio a análise dos efeitos da escrita nos “modos do pensamento” (ou processos cognitivos), por um lado, e nas principais instituições da sociedade, por outro.
Este livro tenta abordar a primeira dessas tarefas. Estou bastante ciente de que esse é um empreendimento de enormes proporções, do qual toquei apenas a margem. Estou ciente também de que algumas vezes usei exemplos comuns para encobrir minha ignorância dos mais exóticos. Sei também que invadi os jardins bem cultivados de outros estudiosos, classicistas, orientalistas, psicólogos, linguistas e outros, sem ter aquela compreensão abrangente de suas disciplinas que eles esperariam uns dos outros. Seria tolice protestar dizendo que outros já saquearam as pastagens mais rudimentares da antropologia social exatamente com os mesmos objetivos. Eu preferiria basear minha justificativa na necessidade de atravessar essas fronteiras disciplinárias para que seja possível ter algum resultado positivo do estudo comparativo do comportamento humano.
Nem é preciso dizer, eu não poderia ter abordado o tema sem conselhos, conversas e discussões. Em particular, devo agradecimentos a Ian Watt por seu encorajamento inicial, a Robin Horton e Claude Lévi-Strauss por fornecerem pontos de partida tão inteligentes, e a Derek Gjertsen e Everett Mendelsohn por seus comentários filosóficos e históricos; a Shlemo Morag, Abraham Malamat, James Kinnier Wilson e Aaron Demsky por conselhos sobre o Oriente Próximo Antigo, e a Geoffrey Lloyd sobre a Grécia; a John Beattie por anotações sobre o Nyroro, a Gilbert Lewis por comentários médicos e colegiais, a Walter Ong pelas ilustrações, a Françoise Héritier e Claude Meillassoux pela ajuda com o território doméstico, a Michael Cole por uma visita ao Vai e por ajuda psicológica, a Stephen Hugh-Jones pelo esclarecimento sobre a “literatura” oral do Barasana, a Patrícia Williams e Michael Black por sugestões sobre o argumento e a organização, a Bobbi Buchheit e Colin Duly pelo trabalho editorial, e a Esther Goody por sua atenção crítica.
Partes deste trabalho já apareceram impressas ou já foram apresentadas em palestras. O primeiro capítulo foi publicado no British Journal of Sociology, 24, 1973, p. 1-12, como “Evolution and communication: the domestication of the savage mind” [Evolução e comunicação: a domesticação da mente selvagem], tendo sido apresentado na World Sociological Conference [Conferência Internacional Sociológica] em Varna, em 1970. O capítulo 3 foi publicado em Culture and its Creators [BEN-DAVID, J. & CLARK. T. (orgs.). A cultura e seus criadores] (Chicago: Chicago University Press, 1976) e foi também uma palestra na Van Leer Foundation, Jerusalém, em 1973. O capítulo 4 foi uma contribuição para a conferência da Association of Social Anthropologists [Associação de Antropólogos Sociais] em Oxford em 1973 e foi publicado também em francês em Actes de la Recherche en Sciences Sociales (1976: 87-101) sob o título “Civilisation de l’écriture et classification, ou l’art de jouer sur les tableaux”; e será publicado em inglês nas atas daquela seção da conferência em um volume organizado por R. Jain, Text and Context: The Social Anthropology of Tradition [Texto e contexto: A antropologia social da tradição] (Filadélfia: Ishi Publications, 1977). O restante é publicado agora pela primeira vez, embora os capítulos 5 e 6 tivessem também sido apresentados como parte das Palestras Monro em Edimburgo em maio de 1976.
Jack Goody
Cambridge, dezembro de 1976
A citação na página 156 de “East Coker”, em Four Quartets de T.S. Eliot, copyright 1943, de T.S. Eliot; copyright 1971, de Esme Valerie Eliot, foi reimpresso por permissão da Sra. Eliot, Faber and Faber Ltd. e Harcourt Brace Jovanovich, Inc.