Eu estava tentada a seguir Lia Jansen, mas ela havia saído de casa apenas com o básico, o que indicava que ela voltaria. Se fosse necessário, eu poderia segui-la em uma outra ocasião.
Velvet continuava a ser o meu alvo principal. Parecia justo assumir que ela também retornaria à casa em algum momento. Ela amava a música, então não ia apenas abandonar sua coleção de CDs. Sendo assim, com a chuva gelada caindo, eu sentei em meu Mini para esperar.
Nesse meio tempo, eu pensei em Alan e no fato que eu não era nenhuma deusa do lar. Ele não se importava, de fato? Sincera e profundamente? Ou ele se aborrecia que sua esposa não conseguia preparar um simples jantar? Isso era desconcertante, independente da minha criação desajustada. Eu deveria ter conhecimento o suficiente para preparar um jantar comestível.
Então meus pensamentos vagaram até Faye. Atormentada pelo passado e sua obsessão limitante, Faye estava tendo consultas com um psicólogo semanalmente. Ela estava fazendo um bom progresso e quando tivesse mais tempo, eu pediria sua ajuda para me transformar de um desastre no fogão em alguém que pudesse cozinhar com orgulho.
Com essa ideia decidida, eu recorri ao meu celular para um jogo de xadrez. Consegui vencer uma partida, um xeque-mate com cinco movimentos, em segundos. Eu me divertia com esses joguinhos, achando-os divertidos e estimulantes, além de ser muito boa neles. Imagino que seja porque nos jogos de xadrez, você isola as possibilidades, uma lição que eu havia transferido para minha vida profissional.
Enquanto eu estava distraída comigo mesma e meus jogos, ainda mantive o olho na entrada da casa de Velvet. O carteiro chegou ao meio-dia e deixou um punhado de cartas, mas tirando esse detalhe, ninguém apareceu. Ao invés disso, as pessoas se apressavam pela calçada com os corpos arcados, como se eles lutassem contra a chuva e o vento amargo.
Eu liguei o rádio do carro e encontrei apenas políticos mentindo sobre o próprio valor. Por que os entrevistadores não os desafiavam e expunham suas mentiras óbvias? Mentiras me incomodavam, em todos os setores. Talvez porque eu encontrava tantas delas ao longo de meu trabalho.
Do coração obscuro dos políticos, minha mente se voltou para Velvet e sua música. Eu me perguntei qual era a década de música mais popular do século XX. Eventualmente, eu escolhi dos anos 1966 até os 1976, com sua mistura de pop, rock, folk, jazz, cantores compositores, psicodelia, blues, gospel, soul, funk, punk e disco. Um verdadeiro caldeirão de coisas e um excepcional momento de criatividade musical.
Os minutos se transformaram em horas e meus pensamentos começavam a se misturar. Então, eu saí para dar uma volta pela rua, para esticar minhas pernas e me distrair. Eu estava andando pela calçada quando uma mulher virou a esquina. Vestida de um sobretudo preto e um curto vestido também preto, a mulher tinha um sedoso cabelo escuro, preso em um rabo de cavalo, olhos expressivos e um rosto de ébano puro e imaculado. Tendo por volta de 1,60 de altura, ela era magra e ágil. Vestia também uma coleção de braceletes ao redor do pulso e longos brincos prateados. Graças a fotografia de Jeremy Loudon, eu reconheci a mulher. Velvet tinha chegado.
— Olá — disse me aproximando. — Meu nome é Sam e fui enviada por Jeremy Loudon. Imagino que podemos conversar?
Velvet parou de andar e olhou sobre o ombro para um grupo de três mulheres que se reuniam ao redor de um carrinho para admirar um bebê e que haviam erguido os olhares para nos encarar com certa curiosidade. Notando a observação, Velvet suspirou:
— Suponho que seja melhor você entrar.
Eu segui Velvet para dentro da casa, de volta para a sala de estar e aguardei enquanto ela ajustava o aquecedor e se inclinava para trás, contra um radiador. Com as mãos e corpo aquecidos, ela andou até a sala de estar, onde chamou por sua amiga.
— Lia? Lia?
— Ela saiu — eu disse.
Velvet franziu o cenho.
— Você estava esperando por mim?
— Por quatro horas.
— Desculpa se deixei você esperando.
— Sem problema. Perseguindo pessoas em fuga ou esperando sentada em meu carro, sou paga do mesmo jeito.
Velvet retornou ao radiador, mas continuou me encarando.
— Você trabalha para o senhor Loudon?
— Ele me contratou. Sou uma agente de inquérito.
— E o que é isso? — Velvet perguntou.
— Um detetive privado, mas eu reconheço que agente de inquérito é um nome melhor, soa menos decadente. O que você acha?
— Eu não sei — Velvet virou a cabeça para olhar através da janela. O grupo de mulheres e o bebê haviam ido embora, estava frio demais para se engajar em uma longa fofoca. Lembrando de minha presença, Velvet assumiu um olhar astuto e oblíquo antes de dizer:
— Eu tento não me misturar com detetives.
— Tem algo a esconder? — perguntei.
— Não, não tenho nada a esconder.
Eu sorri.
— Tenho certeza que Jeremy Loudon ficaria encantado em ouvir isso.
Velvet virou o rosto para mim e mais uma vez me encarou. Assim como Lia, sua expressão geralmente era intensa, séria. Naquele ponto, o par de garotas combinava. Ela perguntou:
— Por que eu me importaria com a opinião de Sr. Loudon?
— Você trabalha para ele — respondi.
— Não mais, eu me demiti.
— Por qual motivo?
— Encontrei algo melhor para se fazer.
— Como dançar no The Stag?
— Eu saí de lá também.
— Para...?
— Cantar — Velvet disse.
— Em boates?
— Sim, eu consegui um agente e agora vou cantar em tempo integral, com contrato de gravação e tudo.
— Parabéns — eu disse.
— Obrigada — Velvet sorriu. Ela tinha um sorriso travesso que transformava a sua personalidade.
— Estou procurando pela maleta de Jeremy Loudon — voltei a dizer.
O sorriso dela desapareceu rapidamente e foi substituído por uma testa franzida.
— Uma maleta?
— Cheia de dinheiro proveniente dos seus ganhos em aposta.
Velvet desabotoou o casaco e andou para fora da sala de estar para pendurá-lo no armário. Quando retornou, eu observei sua blusa de cetim e uma pequena cicatriz embaixo de seu pescoço. De modo distraído, ela dedilhou os botões da blusa, puxando o ornamento para longe de sua pele.
— Ah, sim — ela disse. — Eu me lembro agora. Eu vi a maleta.
— Onde? — perguntei.
— Em sua poltrona na mesa de apostas.
— O que aconteceu com a maleta?
Mais uma vez, Velvet virou o rosto e mais uma vez me lançou um olhar oblíquo.
— Não estou certa — ela disse, em voz baixa, quase inaudível.
— Dê um palpite — eu disse.
— Acho que alguém a roubou.
— Quem?
— Tinha um homem que era novo no jogo. Eu acho que ele a roubou.
— Qual o seu nome? — perguntei.
— Tony... — Velvet pausou e levou sua mão esquerda até a testa. — Tony Michaels.
— Por que você acha que ele a roubou? — perguntei.
— Todos os jogadores estavam bêbados ou drogados e ele era o único sóbrio, de cabeça limpa.
— Tirando você — eu disse.
— Eu não bebo.
— Drogas?
Velvet soltou um riso.
— Não tenho dinheiro suficiente. — Voltando a ficar séria, ela continuou. — Mas é verdade, agora eu me lembro. Tony Michaels saiu com a maleta após o jogo.
— Por que você não avisou?
Velvet encolheu os ombros delicados.
— Ninguém pareceu se importar e eu pensei que talvez Sr. Loudon havia dito que Tony Michaels podia levar a maleta.
— Jeremy Loudon estava bêbado?
Ela concordou.
— Não tanto quanto os outros. Mas como eu disse, todo mundo estava fora de si, menos Tony Michaels — e voltando a fazer contato visual comigo, ela me ofereceu um sorriso tímido. — Um dos homens me propôs casamento e disse que havia uma lagarta no andar de cima esperando para nos casar. Sua mente estava bem bagunçada.
— As reuniões de apostas de Jeremy Loudon são sempre assim?
Velvet concordou.
— Todas as vezes.
— Então seria fácil de roubá-lo, se você conhecesse bem a casa e o padrão de suas festas.
— Imagino que sim — ela deu de ombros.
— E você conhece bem a casa e o padrão das festas.
— Talvez... — Velvet disse na defensiva e um olhar furtivo. — Mas eu não roubei a maleta. Como eu disse, Tony Michaels a pegou.
— O nome dele é Mickey Anthony — eu disse.
— Você deveria falar com ele, Tony Michaels ou Mickey Anthony.
Velvet e Lia estavam escondendo algo. A verdade sobre a maleta ou um segredo que não tinha nada a ver com Jeremy Loudon? Eu voltaria a conversar com Velvet, depois que falasse com Mickey Anthony.
— Obrigada — eu disse. — E boa sorte com a carreira de cantora.
Velvet sorriu, revelando seus dentes fortes, brancos e perolados.
— Slick sempre diz que eu vou ser uma estrela.
A menção do nome de Slick Stephen me deu um mal estar no estômago.
— Slick é o seu novo agente? – perguntei.
— Não, mas foi ele que me deu o contato de um.
Talvez eu adicionaria Slick a minha lista de entrevistados e o presentearia com uma nova visita.
Sai da casa de Velvet nauseada, com a sensação de alguém que havia passado tempo demais em um carrossel. É bem divertido ficar girando em círculos, desde que você consiga se manter em pé assim que a música para.