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Capítulo Oito

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Eu voltei ao Splott e montei guarda na rua de Velvet. As luzes da sala de estar estavam acesas e brilhando, o que indicava de que alguém estava na casa. As cortinas tremularam de repente e Velvet apareceu na janela, espiando a rua como se estivesse esperando por alguém. Lia, talvez?

Bati no volante com os dedos e ponderei meu próximo movimento. Deveria esperar ou confrontar Velvet? Foi quando um carro apareceu na rua, estacionou na frente da casa e Lia desceu dele correndo na direção da construção. Cinco minutos depois, Velvet e Lia surgiram carregando malas que foram enfiadas dentro do carro antes de saírem em disparada. Eu segui o carro até o aeroporto Rhoose.

Já no Rhoose, estacionamos os carros e Velvet foi, junto com Lia, para o aeroporto que era consideravelmente pequeno, levando em conta que era tão importante e tinha filas tão longas. Velvet e Lia entraram em uma dessas filas e conversavam de modo animado, sem olharem para os lados. Enquanto isso eu me misturei a multidão com olhos atentos ao suspeito par.

Depois de terem pegado seus passes, elas subiram as escadas e se aproximaram da segurança. Elas estavam partindo. Mas de férias, por negócios ou algo mais permanente? Eu não estava com meu passaporte ou uma passagem, então eu não tinha como segui-las. Ao invés disso, eu corri do aeroporto, pulei para dentro de meu Mini e dirigi até o The Stag.

Entrei no escritório de Slick Stephens e o encontrei conversando com uma jovem mulher que estava completamente nua. Ela virou o rosto para mim e soltou uma exclamação de gelar o sangue.

— Minha nossa — Slick reclamou. — Você já pensou em bater na porta? Você não pode ver que eu estou ocupado com audições?

— É esse o nome que você dá pra isso? — franzi o cenho.

— Eu estou tentando comandar um negócio aqui — Slick disse e se voltou para a jovem. — Tudo bem, querida, pode vestir as roupas. Amanhã, às oito horas da noite, o show é seu. Qual o seu nome?

— Bea — ela respondeu. — Bea Miller.

— Certo, Bea. Eu gosto dos seus movimentos, mas talvez você possa trabalhar o abdômen, perder os pneuzinhos e endurecer o bumbum? Nossa clientela gosta das garotas magras. Acha que pode fazer isso por mim, querida?

— Claro, eu posso dar um jeito — Bea sorriu. Ela tinha se esquecido de mim e do fato que ela estava nua, no meio do escritório, vestindo nada além de um sorriso.

— Isso mesmo! — Slick encorajou. — Isso que é uma garota prestativa.

Enquanto Bea se vestia e se apressava para descer as escadas, eu me joguei na poltrona endereçada ao cliente.  Quando ficamos a sós, Slick correu os dedos através do cabelo seboso.

— Sei lá — ele suspirou. — Às vezes eu tenho que ser um pai para elas, uma mãe, o melhor amigo...

— O amante? — perguntei.

— Esqueça isso — Slick esbravejou. — Bem que poderia, mas não. — Ele deu a volta em sua mesa marcada com riscos de estilete, entulhada com cartas de baralho de mulheres nuas e um arquivo cheio de fotos de mulheres que também estavam nuas. Sentando-se e esticando os pés sobre a mesa, ele perguntou: — Por que você está aqui? De novo.

— Procurando por informação — respondi. — Velvet e Lia pegaram um voo do Aeroporto Rhoose essa tarde e eu gostaria de saber onde elas estão indo?

— Por que eu deveria saber? — Slick deu de ombros. Ele reuniu as cartas e começou a embaralhá-las.

— Velvet me disse que você a apresentou a um agente, alguém que supervisionaria sua carreira como cantora.

— Ah, aquilo — Slick disse, jogando as cartas de uma mão para a outra. — Eu apresentei mesmo, de fato.

— Me dê detalhes — pedi.

Slick jogou as cartas de volta à mesa e devolveu os pés ao chão. Ele se inclinou para frente e ajeitou a gravata.

— Por que você não deixa essa criança em paz? Dê um descanso.

— Os detalhes — eu repeti.

Ele abriu um sorriso maldoso, o que deixou à mostra seus dentes manchados pela nicotina.

— Sente em meu colo e eu contarei tudo.

— Que tal eu só enfiar o estilete em seu colo? — eu sugeri.

Slick fez uma careta, voltou a se recostar na cadeira e cruzou as pernas.

— Você não deveria dizer coisas assim, ainda vai fazer com que os olhos de um homem fiquem cheios de lágrimas. — Ele recolheu o estilete e o jogou dentro de uma gaveta só para garantir. — Certo — concedeu logo em seguida. — Eu apresentei Velvet a um agente da Holanda.

— Em que cidade?

— Amsterdã. No Old Centre, o parque Dam, perto da Estação Central.

— Qual o nome dele? — perguntei.

— Gijs de Wolff.

— Qual a sua conexão com o de Wolff.

— Negócios — Slick respondeu. — Apenas negócios.

— Você apresentou Velvet a ele por uma taxa?

Ele concordou com a cabeça.

— Uma pequena porcentagem.

— Quanto? — perguntei.

Ele voltou a sorrir.

— Isso é entre Velvet e eu.

— Wolff é um bom agente mesmo? — perguntei.

— É claro — Slick respondeu, olhando em minha direção como se estivesse magoado com a pergunta.

— Então, você não armou para cima de Velvet?

A mágoa em sua expressão se aprofundou tanto que virou agonia.

— Por que eu faria algo assim?

— O que Wolf vai fazer para ajudar Velvet? —perguntei.

— Ele vai dar um grande impulso em sua carreira musical.

— Em Amsterdã?

— Sim. Várias bandas e cantores importantes vieram de Amsterdã.

— Cite um deles — pedi.

— Ah... — Slick fez uma pausa e coçou a parte careca de sua cabeça, os dedos ossudos bagunçando as mechas finas de cabelo oleoso. — Focus?

— Isso foi em 1970 — acrescentei.

Slick deu de ombros.

— Então já passou da hora de Amsterdã chacoalhar o mundo da música de novo.

Ajustei minha posição e cruzei as pernas. Slick acompanhou meu movimento, ainda que minhas pernas estivessem cobertas com calças de lãs para esquentar do frio.

— Como Velvet pagou você? — perguntei.

— Em dinheiro.

— Muito dinheiro?

Slick riu, um som parecido com o de um demônio inalando óxido nitroso.

— Agora, se você não se importa... — ele voltou a falar. — Tenho mais uma artista para fazer audição. A menos, é claro, que você queira nos presentear com uns rodopios.

— Você não sabe mesmo a hora de parar, não?

Mais uma vez, ele deu de ombros e rolou os olhos injetados.

— O que eu posso fazer se nasci otimista?

Enquanto eu descia os degraus, passei por uma jovem mulher que subia para a tal audição. Já no pé da escada eu parei e olhei para trás para checar mais uma vez. A jovem também parou e sorriu para mim. Ela era, na verdade, uma atraente travesti, o que me fez sorrir de volta e ganhar uma piscadela. Imaginei a cara de Slick quando ele a apalpasse e descobrisse a verdade. Talvez o Karma fosse real, no final das contas.