Com uma lista de boates em mãos, nós saímos a procura de Velvet. Mostrei a Saskia a fotografia de Velvet que Jeremy Loudon havia dado e ela passou a imagem para dois de seus colegas. Foi muito bondoso da parte dela ajudar, um show de cooperação internacional que constrói pontes e forja alianças. Saskia Mertens era uma astuta mulher de negócios, sabia que se manter isolada não ajudava em nada e que o trabalho em equipe trazia sucesso.
Durante as primeiras horas da manhã, eu vaguei pelas boates onde pude encontrar DJs tocando punk, hip-hop, r&b, disco, soul, reggae, música eletrônica e drum&bass. Luzes brilhantes piscavam enquanto pessoas relaxavam com os pés para cima e assistiam filmes. Para minha surpresa, também encontrei leituras de poesias. Sob as bolas de discoteca, estudantes riam, brincavam e rodopiavam, mas não vi qualquer sinal de Velvet.
Nas boates, o barulho era alto o suficiente para fazer os ouvidos sangrarem, enquanto as luzes eram brilhantes o suficiente para cegar os olhos, mas todo mundo parecia estar se divertido. Talvez as nuvens de fumaça que emanavam de inúmeros dispositivos diminuíssem as inibições e suavizassem os sentidos. Talvez. No entanto, quando deu quatro da manhã, nós desistimos, retornamos a nosso hotel e nos reagrupamos para a manhã.
Na noite seguinte, após oito horas de sono bem merecidas, nós voltamos às ruas, rodando pelo Distrito Vermelho. Com minha respiração se perdendo no olhar, eu olhei através das janelas dos bordéis e escutei clientes pechinchando o preço do sexo.
As ruas estreitas continham uma mistura curiosa, um zumbido desprezível combinado com uma atmosfera festiva. No entanto, apesar da tal sensação festiva e de risos ocasionais, um inquietante excesso transbordava no ar e garantia que ninguém ficasse por lá muito tempo.
Conforme eu andava pela calçada, eu via as pessoas buscando por sexo, espectadores que passavam apenas por curiosidade, inúmeros brinquedos sexuais em vitrines de inúmeros sex shops, vendedores de droga e seus consumidores, ainda que não fossem tantos quanto eu havia antecipado.
Em um determinado momento, um jovem rapaz tentou tirar uma foto de uma prostituta banhada na luz carmesim de sua vitrine, mas foi impedido por um cafetão que o empurrou. A situação ameaçava ficar feia até que um homem mais velho e de cabeça mais fria interviu e pacificou os dois lados.
Do meu guia, eu aprendi que apenas cinco por cento das prostitutas de Amsterdã tinham nascido nos Países Baixos. E também que as luzes vermelhas faziam as pessoas ficarem mais bonitas, especialmente se usadas contra um fundo escuro, pois faziam os dentes brilharem. As mulheres já sabiam disso desde os anos de 1300, pois carregavam lanternas vermelhas até os portos para se encontrarem com os marinheiros.
Em uma rua, eu notei um conjunto de estúdios de moda, galerias de arte e cafés, propriedades de empresários que ocupavam espaços lascivos abandonados por prostitutas. Ainda assim, nenhum sinal de Velvet.
De volta à decadência, eu estava olhando para as vitrines do sex shop quando telefone para Alan.
— Alô — ele atendeu.
— Oi — eu disse. — Aqui é a sua esposa imprevisível.
— Como você está?
— Estou bem e você?
— Tudo certo. Onde você está?
— Amsterdã. Estou olhando para dentro de uma vitrine com uma variedade de brinquedos sexuais.
— Hmm — ele resmungou.
— Hmm? — eu franzi o cenho. — O que isso quer dizer?
— Hmm — ele fez mais uma vez.
— O gato comeu sua língua?
Alan riu, mostrando que estava de bom humor.
— Como está Marlowe? — perguntei.
— Está bem. Ele trouxe um rato ontem.
— Ele tende a caçar ratos quando eu não estou em casa.
— O rato escapou.
— Escapou para a liberdade?
— Sim.
— Marlowe cometendo deslizes, ainda bem. Ele está ficando preguiçoso.
— Está muito bem alimentado e confortável com esse estilo de vida — Alan disse.
Parei de falar quando eu passei por um homem bêbado vestido em um quilt. Ele ergueu uma garrafa até os lábios, satisfez a própria sede e depois a estendeu em minha direção, enquanto eu recusava de modo polido. Então, ele deu de ombros e voltou a andar e foi quando eu me dei conta que ele não usava nada além do quilt, ainda que a temperatura estivesse perto do zero. Eu não queria nem saber quais partes do corpo dele deveriam estar congeladas, mas ainda assim fiquei esperando para ver se escutava algum som metálico sendo batido por debaixo do quilt, enquanto ele cambaleava pela calçada. Em vão.
— Ainda está aí? — Alan perguntou.
— Sim — respondi. — Como foi o jantar?
— Foi muito bom.
— Você pediu desculpas aos convidados em meu nome?
— Pedi e eles aceitaram.
— E você também me perdoou? — perguntei enquanto mordia meu lábio superior de forma ansiosa.
— Não há nada para se perdoar — ele disse.
— Tem certeza?
— É o seu serviço.
— Eu sinto sua falta — eu disse.
— Eu também sinto a sua.
— Mas eu sinto muito mais. Eu não trocaria você por nada, nem ninguém.
— Nem mesmo por uma vitrine cheia de brinquedos eróticos? — Alan riu.
— Essa é uma pergunta tendenciosa — reclamei.
— E essa é a resposta errada — ele disse. — Minha pergunta era uma deixa para você expressar o seu amor imortal.
— Pensei que era uma deixa para falar obscenidades e me deixar com um incômodo no meio de uma rua pública.
Alan riu mais uma vez.
— Pode fazer tudo isso quando você voltar para casa.
— Eu vou mesmo — prometi.
— Quando vai voltar?
— Depende de Velvet... — Eu deixei Alan a par de nossa busca por Velvet e a maleta, ainda sem resultados.
— Tome cuidado — Alan recomendou no final de nossa conversa e eu mandei um beijo para ele.
— Vou tomar.
Após escorregar meu celular para dentro da minha bolsa, eu andei até parar perto de uma ponte. Lá, olhei para as luzes que alinhavam o arco e refletiam na água escura, oferecendo um brilho laranja. De fato, as luzes da rua e das casas banhavam de laranja todo o cenário, dando a ilusão de calor, mesmo com a trilha de flocos de neve.
Lutando contra um formigamento pelo frio, ajustei a gola do meu casaco, bem a tempo de ouvir meu celular tocar. Era Mac.
— Mocinha.
— Olá.
— Eu encontrei Velvet. Ela está aqui comigo agora.
— Que bom! — eu suspirei. — Onde vocês estão?
— Em um café com vista para o canal de Amstel. Está cheio de estudantes. O café, é claro, não o canal.
Mergulhei os dedos em minha bolsa para alcançar o meu guia, e voltei a falar enquanto o folheava:
— Perto do Canal Ring?
— Exatamente.
— Não estou muito longe — acrescentei. — Chego até vocês em um minuto.