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Capítulo Dezoito

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Novo dia, novas oportunidades. Enquanto Saskia falava com seus contatos e tentava arrumar uma audiência com o Zusterschap, eu andei pelas ruas de Amsterdã com Velvet. Como sempre, Mac se misturou com o cenário e seus olhos astutos observavam tudo que acontecia. Ainda que Mac possuísse um aspecto bem distinto, ele tinha a habilidade de se transformar como um camaleão e permanecer escondido.

Velvet e aquela que vos fala andaram através dos mercados, parando uma hora ou outra para examinar os produtos. As barracas continham uma variedade de itens, desde chocolate até sementes de flores, desde cerveja a queijo, de mapas e gravuras antigas a cerâmicas, de joias a bric-a-brac. Velvet demonstrou um fugaz interesse na mercadoria e parecia estar com um humor melhor.

— Conseguiu descansar? — perguntei.

— Sim, me sinto melhor — ela respondeu.

— Você pode ficar no hotel, por enquanto.

— E quem vai pagar para mim?

— Loudon.

Velvet franziu as sobrancelhas e colocou os braços ao redor do diafragma, abraçando-se com força.

— E ele não vai ficar furioso?

— Provavelmente — respondi. — Meu palpite é que a raiva vai passar se retornamos com a maleta.

Nós andamos para fora do mercado até o canal, onde uma grande barcaça verde dominava a vista, com seu mastro alto e estreito competindo com as árvores ao lado. Estas estavam nuas e os paralelepípedos sob nossos pés estavam escorregadios, como um frio lembrete das garras árticas do inverno. Várias bicicletas estavam alinhadas ao longo do canal, as rodas dianteiras inclinadas para um lado. Também avistei um elegante poste enferrujado que claramente era relíquia de uma época passada.

— O que vai acontecer comigo? — Velvet perguntou. Ela tremia enquanto falava, talvez pelo frio ou talvez por causa de seu dilema.

— O que você gostaria que acontecesse? — perguntei.

— Eu gostaria de cantar — ela respondeu, o tom de voz triste e queixoso.

— Você precisa voltar para a casa antes, depois pode cantar.

— Se eu voltar para casa o sr. Loudon vai chamar a polícia. Eu vou ser presa.

— Não se voltarmos com a maleta.

Nós andamos ao longo do canal, ansiosas para continuar nos movendo e gerar um pouco de calor. Em certo ponto, eu olhei através do canal para um alto prédio do século XVII. Esse prédio chamou a minha atenção porque suas janelas, todas as doze, dominavam a fachada e a fazia parecer um painel de vidros, com quase nenhum tijolo à vista.

Com seu olhar perdido no canal, nos nebulosos reflexos das águas, Velvet voltou a falar:

— Mesmo se voltarmos como a maleta, ainda tem o dinheiro que eu dei para Slick.

— Isso é mesmo um problema — admiti. — Mas acredito que tenha mais na maleta do que dinheiro.

— E se não encontrarmos a maleta?

— Vamos para o Plano B — disse.

— E qual é o Plano B? — Velvet franziu o cenho.

— Eu não sei — respondi e dei de ombros. — Não pensei nele ainda.

Velvet continuou a tremer, então entramos em um outro café, em busca de alimento e calor. Conforme entramos, eu me lembrei que os holandeses ofereciam dois tipos de estabelecimentos, aqueles que vendiam canabis e aqueles não vendiam. Ainda bem que havíamos escolhido o segundo tipo, mesmo que mais por sorte do que por julgamento.

Dentro do café, nós vimos um bom número de mulheres conversando, tomando café e comendo bolo. Claramente, o estabelecimento era frequentado pela nata mais alta da sociedade, com preços dignos de seu status. Adicionando mais itens em nossas despesas, eu pedi café e panquecas para Velvet e para mim mesma.

Enquanto dava goles na minha bebida, perguntei:

— Lia chegou a comentar da maleta e seu conteúdo com você?

— Não, ela só disse que cuidaria do dinheiro.

— Quão radical é a Lia?

— Ela é feminista — Velvet disse.

— Ela falou sobre o Zusterschap com você?

— Algumas vezes — Velvet mastigou sua panqueca, e elas estavam bem saborosas, mesmo que pesassem no meu estômago muito rápido. — Mas esse assunto me entediava, eu não sou muito ligada a nenhuma baboseira política.

— Ela chamou você para se juntar ao Zusterschap?

— Sim.

— E que você disse?

— Eu recusei.

Sentindo-me satisfeita, eu ofereci a Velvet minha segunda panqueca, que ela aceitou e continuou a devorar as três panquecas de seu prato. Quando parou para limpar os lábios com um guardanapo, Velvet perguntou:

— Você é feminista?

— Por que pergunta?

Ela bebeu seu café e depois sufocou um arroto.

— Você faz o trabalho de um homem.

— Nos dias de hoje muitas mulheres são agentes de inquérito e detetives particulares — eu disse.

— Ainda assim é serviço de homem — Velvet insistiu.

— É um trabalho para os dois sexos — respondi. — Assim como cantar.

Velvet se recostou na cadeira e acariciou a própria barriga. No seu ímpeto pelas panquecas, ela havia comido rápido demais.

— Está com indigestão? — perguntei.

— Sim — ela franziu o cenho. — Preciso ir ao banheiro, volto em um minuto.

Sozinha em nossa mesa, eu tomei novos goles de café e observei a clientela. Notei que alguns deles falavam em francês. De fato, as letras da fachada do café eram em francês. Multilíngue ou multinacionais, as pessoas que se comunicavam geralmente eram mais felizes e encontravam uma maneira de viver em paz.

Quando Velvet voltou, disse:

— Lia diz que eu sou tranquila demais e que deveria ser mais radical em minhas crenças.

— E o que você acha disso? — perguntei.

Velvet franziu o cenho, mordendo o lábio inferior.

— Eu não sei o que pensar. Acho que sempre estive feliz em ser guiada por outras pessoas.

— Lia guiou você até aqui — disse.

— Sim.

— E ela traiu você.

— Sim. — Mais uma vez, Velvet franziu a sobrancelha e mordeu o lábio. Inclinando a cabeça para a esquerda, ela olhou em minha direção e acrescentou. — Talvez eu devesse aprender a pensar por mim mesma?

— Continue nessa linha de pensamento — sorri.

Velvet concordou com a cabeça e continuou a me olhar com expressão obstinada e na expectativa. Ela era uma seguidora, uma pessoa que procurava por gurus, então trocar os ideais de Lia pelos meus não parecia oferecer uma solução. Ela precisava pensar por si mesma.

Eventualmente, Velvet desviou o olhar e bebericou o café:

— Você não respondeu minha pergunta. É feminista?

— Acredito na igualdade — respondi. — Entre homens e mulheres, brancos e negros, homossexuais e heterossexuais. Todo mundo tem algo a oferecer, todo mundo pode contribuir de modo positivo se tiver a chance.

— Quero contribuir positivamente através do meu canto — Velvet afirmou.

— Bem, então fique comigo — acrescentei. — E talvez você consiga essa chance.

Eu estava fazendo muitas promessas, mas como poderia cumprir? Essa era outra coisa para refletir enquanto eu pegava meu telefone e falava com Saskia.