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O Duce no Auge do Regime

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Na história da Itália fascista, os anos de 1929 a 1934 assinalam o apogeu de um regime solidamente instalado no poder que se beneficia do apoio, ainda que passivo, do povo e cuja importância no cenário internacional crescera consideravelmente depois da Primeira Guerra Mundial. Para Mussolini, que se tornara ditador todo-poderoso de um estado que muitos países europeus consideravam um modelo alternativo e mais bem-ajustado às necessidades do momento do que o da democracia liberal, esses anos são de coroamento. Sua instalação no Palazzo Venezia em setembro de 1929 revela sua vontade de demonstrar que era de fato o nº 1 do regime.

O cenário

Embora à testa de diferentes ministérios, o Duce, depois de longo tempo, fixara como ponto central da atividade governamental o Palazzo Chigi, tradicionalmente sede do primeiro-ministro. Mas a construção do Palazzo Chigi era modesta e inadequada para a proliferação burocrática que caracterizou o novo regime, além de não ser propícia ao jogo de cena idealizado pelo ditador. O Palazzo Venezia atendia melhor aos imperativos da liturgia fascista. Lugar algum se prestava melhor para as grandes comemorações orquestradas pelo novo César.

Mussolini passou a desfrutar de um local de prestígio, certamente não tão grandioso quanto o Quirinal, onde residiam o soberano e sua corte, porém lugar de passagem, das atividades diárias de uma multidão.

A parte nobre do prédio, onde se desenvolvia a atividade de Mussolini voltada para o público – e às vezes a de natureza privada – ficava no primeiro andar. Seu epicentro era a Sala del Mappamondo, como era conhecida, pois lá esteve exposto por muito tempo um dos mais antigos, se não o primeiro, globo terrestre de madeira. Todos os visitantes recebidos por Mussolini nesse imenso aposento de vinte metros de comprimento por treze de largura e treze de altura ficavam impressionados com a fria imponência do local, pela decoração discreta e pela quase ausência de móveis.

À direita da sala del Mappamondo ficava a sala del Concistoro, que Mussolini rebatizou como sala delle Battaglie (e mandou recobrir as paredes com afrescos de combates vitoriosos dos exércitos italianos na Primeira Guerra Mundial) e a sala Regia, que podia receber até duas mil pessoas e que o Duce usava para reunir os dirigentes nacionais e provinciais do partido. Do outro lado do gabinete presidencial, as “dependências do Duce” compreendiam quatro cômodos principais: a sala delle Fatiche di Ercole (sala dos Trabalhos de Hércules), a sala Filippo Lippi, a sala delle Armi (sala das Armas) e a sala del Papagallo (sala do Papagaio), onde se realizavam as longas reuniões noturnas da cúpula suprema do partido e do estado e que por essa razão passou a ser a sala do Grande Conselho.

Uma das quatro entradas do palácio conduzia a um elevador que permitia o acesso aos “aposentos particulares” do Duce e, em especial, ao apartamento Cibo, nome de um sobrinho do papa Inocêncio VII que o decorara. Lá Mussolini recebia as favoritas do momento, principalmente Claretta Petacci, pois admiradoras e amantes ocasionais tinham só uma breve visita ao “gabinete de trabalho” do grande homem.

Aparência física

Quando deixou o Palazzo Chigi para se instalar no Palazzo Venezia, Mussolini acabava de fazer quarenta e sete anos. O tempo já deixara suas marcas. Tinha engordado apesar do regime alimentar que os problemas gástricos lhe impunham. A calvície progredira, desnudando um crânio dolicocéfalo do qual não deixaria de se orgulhar na hora do grande delírio racista. O homem era troncudo e de porte médio (para a época), mas seu corpo conservara a robustez, assim como uma agilidade que não perdia ocasião de demonstrar diante das câmeras. A exibição do corpo com o busto nu, forte, disposto a todas as proezas e exercícios físicos, fazia parte dos meios empregados para vender a imagem de personagem fora do comum. Na verdade, Mussolini forçava a natureza a fim de aparentar o que não era, um atleta completo, expoente em todas as atividades esportivas. Era uma tentativa de mostrar-se praticante de todos os esportes, fazendo uso de uma familiaridade com os movimentos básicos de cada modalidade e demonstrando eficiência diante dos fotógrafos e dos operadores do cinegiornale.

Só depois dos trinta anos e quando passou a ter meios, Mussolini pôde se iniciar nas diversas modalidades de exercícios físicos, se tornar esgrimista temido e cavaleiro razoável. Aprendeu a pilotar avião, dirigir moto, aparecer ao volante de um carro de corrida ou de uma lancha sem causar vexame.

A exibição física do ditador deixou-o mais próximo, mais intimamente ligado a seu povo do que foram, em outras terras, Hitler, Salazar ou Franco.

A autópsia realizada no cadáver de Mussolini após sua execução pelos partigiani em abril de 1945 revelou a inexistência de uma verdadeira úlcera no estômago e, no entanto, o líder da Itália fascista sofreu por mais de vinte anos fortes dores gástricas que o obrigavam a interromper suas atividades por vários dias. É preciso levar em conta também o desgaste do organismo, já perceptível quando beirava os cinquenta anos, resultante dos excessos da juventude, das privações durante o exílio na Suíça, das temporadas na prisão e das noites insones no jornal ou em reuniões políticas. O fato é que o morador do Palazzo Venezia devia observar uma dieta drástica. Trocara as bebidas fortes e o café por leite, camomila e laranjadas que gostava de tomar geladas. Comia pouco e banira o cigarro de sua vida. Na encenação que fez de sua própria pessoa, os dons foram menos exaltados que o esforço, a coragem e a vontade de chefe.

Levando esse tipo de vida, Mussolini estava consciente do poder de sedução que podia exercer tirando proveito de certos traços de sua aparência. Para começar, seu olhar sério, naturalmente voluntarioso, com dois olhos penetrantes e negros que pareciam imensos, ativos, sempre prontos para saltar das órbitas. O que mais impressionava seus interlocutores era seu olhar, e raros foram os que, no relato de seu primeiro encontro com o Duce, deixaram de mencionar-lhe o magnetismo. Ator nato, aprendeu muito bem a jogar com seu olhar, a “rolar os olhos” em seus contatos com o “mar de gente,” a projetar o queixo para acentuar a aparência viril e voluntariosa. Fez da própria calvície um trunfo. Raspando o que restava de seus cabelos para deixar a fronte grande e vigorosa bem visível, criou – e muitas autoridades o imitaram – a moda das “cabeças à romana.”

Seu talento oratório contava com a mesma disposição calculada para seduzir, menos pelo conteúdo dos discursos do que pela forma e, sobretudo, pelo gestual que acompanhava o verdadeiro corpo a corpo com a multidão em qualquer aparição do Duce diante de um grande público.

O comportamento e o caráter

Não é fácil captar a real personalidade do homem que por mais de vinte anos governou a Itália fascista. Sobre sua origem rude, herança do meio provinciano em que cresceu e da célula familiar dominada pela personalidade rigorosa do pai, atuaram influências ora agravadas, ora, ao contrário, atenuadas.

Nem as lições de comportamento mundano transmitidas por alguns de seus assessores, como o diplomata Mario Pansa no princípio de seu reinado e Margherita Sarfatti, nem o convívio prolongado com o establishment romano conseguiram apagar completamente os modos rudes adquiridos por Mussolini na infância e na adolescência. Toda a vida conservou algo do “galo da aldeia,” do cafone que fora dos dezesseis aos vinte e cinco anos: beberrão, fanfarrão, sempre atrás de um rabo de saia, violento no falar e no agir, naturalmente grosseiro na intimidade e desajeitado nos hábitos elementares da vida em sociedade. Era um homem complexo e contraditório. Sua obsessão pelo detalhe não o impedia de, dia após dia, tratar de um sem-número de questões, de ler dezenas de documentos fazendo as devidas anotações e de ter a percepção global dos problemas de governo. À medida que a política externa passou a influir nos problemas internos, deixou para outros a administração de rotina. Mas lhe faltava continuidade na condução dos negócios. Ciclotímico, era sujeito ao desânimo e a crises depressivas, seguidos de períodos de euforia nos quais se inclinava a confiar exclusivamente em sua “intuição” e a ignorar as dificuldades.

Com sua brutalidade natural e seu temperamento irascível e violento, Mussolini criou uma imagem que coincide com a do “chefe guerreiro” que fazia de si mesmo. Seus acessos de raiva eram temidos por todos, e seus ressentimentos podiam ser duradouros.

Mas Mussolini não era um tirano cruel e exterminador como Hitler ou Stalin, ou mesmo Franco, dos quais as biografias são quase unânimes em salientar a insensibilidade. Seus acessos de raiva logo se acalmavam e chegava a lamentar as consequências quando alguns esquadristas empedernidos cumpriam as ameaças ao pé da letra.

Mas o fim publicitário não explica tudo. Os arquivos da secretaria do Duce, não destinados ao público e menos suspeitos que o escrito pelos cronistas oficiais, contêm inúmeros testemunhos (cartas de agradecimento, notas diversas, relatos de audiências) da atenção que Mussolini dispensava aos pequenos de seu povo (segundo ele, os grandes desapareceram depois de dez ou quinze anos da era fascista).

Igualmente ambígua era sua aparente magnanimidade com determinados adversários políticos e suas famílias. À família de Matteotti, por exemplo, Mussolini destinou durante anos grandes somas de dinheiro. Após o desaparecimento do dirigente socialista, coube à sua mãe gerir o confortável patrimônio imobiliário que a família Matteotti possuía em Polesine. Excelente administradora, ela se desincumbiu muito bem dessa tarefa. Quando morreu, alguns anos após o assassínio de Matteotti, foi a viúva do deputado de Rovigo que assumiu o encargo. Sua inexperiência e as manobras fraudulentas de certos representantes do fascismo local arruinaram o patrimônio e causaram a Velia Matteotti e seus três filhos profundo sofrimento.

Segundo vários relatos e principalmente pelo que revelam entrevistas que deu entre dezembro de 1943 e abril de 1945 ao jornalista Carlo Silvestri, seu antigo colaborador no Avanti! e um de seus acusadores mais ferozes na questão Matteotti, Mussolini alegava os subsídios concedidos regularmente à viúva da vítima para se defender da acusação de ter ordenado a morte do dirigente reformista. No curso dessas entrevistas, dadas num momento em que, derrotado e reposto à força por Hitler à testa do governo fascista, se preocupando em fugir às culpas e valorizar seu passado de homem de esquerda, Mussolini procurava salvar sua imagem. Quem, perguntou a Silvestri, socorreu a viúva de Matteotti e seus filhos quando estavam passando necessidades? Quem permitiu que estes últimos prosseguissem e concluíssem seus estudos? Quem lhes proporcionou meios para tratamento quando estavam gravemente doentes?

A família

Depois de instalar seu clã em Villa Torlonia, Mussolini posa como pater familias modelo. As fotos da época, difundidas pelos múltiplos canais da propaganda fascista, o apresentam como pai feliz: ora rodeado por dona Rachele e os cinco filhos, ora acompanhando um ou outro em seu passeio de bicicleta, ou com o mais novo, Romano, no pescoço de seu cavalo, ou ainda entre os dois mais velhos, Vittorio e Bruno, em uniforme fascista ou em traje de piloto. O objetivo é óbvio. Trata-se de mostrar que o Duce não se contenta em exortar os italianos a adotar comportamento visando ao crescimento da população da Basilicata – tema do famoso “discurso da Ascensão” em maio de 1927 – e que ele mesmo se orgulha de ser um chefe de família numerosa, unida e feliz.

A realidade era muito diferente. Já vimos que foram precisos sete anos para que Rachele e os filhos fossem autorizados a se juntar ao chefe do clã em Roma. Antes da chegada da família à Villa Torlonia os contatos entre Mussolini e os seus se resumiram a algumas visitas do Duce a Milão. Mussolini sentia-se à vontade longe da família, mas não pôde adiar indefinidamente sua transferência para Roma. No Palazzo Venezia, onde o Duce passava a maior parte de seu tempo, dona Rachele e os filhos eram praticamente proibidos de ficar. Em quatorze anos, lá estiveram apenas duas vezes, para assistir mais comodamente aos desfiles militares das janelas que davam para a praça. Ela mandava sozinha no campo doméstico e não se imiscuía na vida pública do ditador, e sua primeira aparição oficial aconteceu em 1930, no casamento de Edda com Galeazzo Ciano. Ele conduzia a seu bel prazer sua vida pessoal, desde que suas atividades extraconjugais se limitassem a simples aventuras que Rachele imputava, sem constrangimento, ao carisma e à virilidade de seu cônjuge e aos quais atribuía, ou fingia atribuir, importância secundária.

 

O que atraía as mulheres, creio – escreveu ela – era à primeira vista seu olhar, o mesmo olhar de que também fui vítima quando era bem jovem. Em seguida, o porte e a voz, grave, melodiosa, “envolvente,” como alguém definiu. Mas, uma vez consumada a conquista, o que lhes restava era sua rudeza. Como todos os italianos, achava que o sexo feminino não devia passar de um certo nível na escala social e que seu papel devia se limitar ao ambiente doméstico. Fiel a seus princípios, nunca se apegava e tratava essas pobres infelizes como meros objetos.

 

Em compensação, Rachele era capaz de manifestar terrível ciúme quando testemunhava as investidas menos discretas desta ou daquela representante do belo sexo, como por exemplo nos bailes folclóricos de Predappio ou quando a aventura se transformava em ligação amorosa duradoura e conhecida por todos. Por razões distintas, três mulheres foram, dessa forma, objeto de sua profunda aversão e alvo de sua vingança: Ida Dalser, sua concorrente em concubinagem e maternidade; Margherita Sarfatti, a amante-mentora, colaboradora e confidente mais atenta do Duce ao longo dos dez primeiros anos do regime; e Clara Petacci, jovem, ardente e influente companheira da idade madura, embora, tratando-se desta última, Rachele só viesse a tomar conhecimento das ligações que mantinha com seu marido depois de 25 de julho de 1943.

Fato raríssimo em se tratando de homem latino, Mussolini não parecia ser excessivamente possessivo em suas relações com as parceiras sexuais. Sabia de algumas ligações passageiras – e discretas – de Margherita Sarfatti, assim como de uma possível aventura extraconjugal de dona Rachele com um administrador de Villa Carpena sem, ao menos aparentemente, ficar perturbado. Foram principalmente as aventuras sentimentais de sua filha mais velha, a preferida, a filha dos dias difíceis, a que mais se parecia com ele, que lhe causaram problemas. Em Forlì, nos dois anos antes de sua designação para o Avanti!, dedicou à filha mais velha uma adoração beata, que podia causar surpresa por partir de um personagem tão rude quanto ainda era, naquela época, o futuro líder da Itália fascista. Tarde da noite, ao voltar das reuniões políticas ou de intermináveis discussões com os companheiros de partido, ele se detinha alguns momentos junto ao berço de Edda, quando não se dedicava ao prazer de fazê-la dormir ao som do violino.

Portanto, parece que Edda, mais do que seus irmãos, identificou no pai modelo com o qual às vezes se identificava, outras vezes colidia mais violentamente. Ora ela se conformava com a imagem ideal que o ditador fazia da “filha de César,” ora, ao contrário, lutava com unhas e dentes para afirmar sua própria personalidade. Foi assim que, em agosto de 1925, quando tinha pouco menos de quinze anos, Edda salvou uma amiga de afogamento em uma praia de Cattolica, o que lhe valeu uma medalha de prata e uma carta oficial de congratulações assinada pelo Duce. Ela foi uma das primeiras italianas a dirigir um automóvel, a usar calça comprida, a aparecer em “traje esporte” (saia curta, maiô de banho com braços e pernas à mostra), abraçando uma tendência que, no seio do movimento fascista, se recusava, já naquela época, a aceitar a mulher no papel tradicional de esposa e mãe.

A pouca inclinação para os estudos, manifestada desde cedo e que levava seus pais a chamá-la de cavallina matta (eguazinha desmiolada), não era o que mais preocupava o líder da Itália fascista. A impulsividade e o temperamento quase radical da filha desde então já constituíam problema. Ele a via muito apaixonada, muito disposta a se mostrar independente e com uma personalidade rebelde, de modo que acreditava que se entregaria, na primeira oportunidade, a uma louca aventura sentimental. Candidatos não faltavam, atraídos talvez menos pelo encanto um tanto rude da jovem do que pela esperança de poderem tirar proveito de sua posição. Mussolini também se empenhava em manter Edda a salvo de pretendentes que considerava de moral duvidosa ou indignos de aspirar ao título de genro do Duce. Desde que deixou Santa Annunziata para regressar a Milão, Edda foi alvo de assídua vigilância policial convenientemente ordenada pelo ditador, a fim de lhe fornecer relatórios periódicos sobre os passos de sua filha. Também deu ordens para que suas cartas fossem abertas e entregues ao chefe de sua secretaria particular, Chiavolini. Durante o verão de 1928, Edda teve um breve caso sentimental com um jovem chefe da estação de Cattolica, com quem se encontrou na praia de Riccione e em outros locais menos frequentados. Informado pelo comissário de polícia da cidade, Mussolini determinou que o jovem fosse imediatamente transferido para a Sicília.

É fácil deduzir que Edda não gostava de se ver vigiada desta forma e ser afastada de seus cortejadores. Em vez de submeter-se à vontade paterna, intensificou seus flertes provocadores, sempre reagindo com extrema aspereza às medidas policiais que punham fim a suas aventuras. Assim, ele decidiu casar a “eguazinha desmiolada” o mais rápido possível, seguindo o conselho da irmã Edvige, que ficou com a missão de encontrar para Edda um marido digno da “filha de César.”

Como Edvige falhara em sua missão, foi a Arnaldo, irmão do Duce, que Mussolini confiou o encargo de arranjar um marido que conviesse a Edda. Depois de algumas sondagens no meio aristocrático, para onde se orientava a preferência do Duce – a imprensa americana chegou a lhe atribuir a intenção de casar a filha com o príncipe herdeiro Umberto – Arnaldo foi posto, por um deputado siciliano, na pista de um pretendente que parecia corresponder a todas as expectativas. Tratava-se do jovem Galeazzo Ciano, então com vinte e seis anos e que, depois de tentar em vão o jornalismo, tinha abraçado a carreira diplomática.

No fim de 1929, Galeazzo ainda não fora além de modesto adido na legação italiana em Shanghai, mas as ligações políticas e familiares lhe permitiam antever uma carreira rápida e brilhante. Seu pai era justamente o almirante Costanzo Ciano, Conde de Cortellazzo, herói da Grande Guerra e ministro das comunicações, um self-made man como Mussolini, filho de um caixeiro-viajante e que galgara todos os degraus da escala social graças a seus atos heroicos e, posteriormente, a seu alinhamento com o fascismo. Fiel entre os fiéis, foi dos que, na questão Matteotti, não hesitaram em apoiar o chefe do governo e o estimularam a resistir. Depois do atentado de Zamboni, o Duce o designara secretamente seu sucessor eventual, fechando os olhos para as circunstâncias em que, em poucos anos, acumulara grande fortuna em Livorno, onde era proprietário, entre outras coisas, do principal jornal diário local, Il Telegrafo.

Galeazzo não possuía as mesmas qualidades do pai. Tão ambicioso quanto ele, não tivera que batalhar para vencer as primeiras etapas, as mais duras da ascensão social. Era inteligente e não lhe faltavam nem elegância nem um certo mérito, mas seu caráter superficial, sua natural lassidão e as lacunas de sua cultura não o capacitavam a almejar papel de destaque. Em compensação, o porte distinto, o físico avantajado e a conversa cativante, enfim, todo esse brilho que emanava de sua pessoa lhe permitia conquistar com facilidade as mulheres. Edda, que ainda não chegara aos vinte anos, ficou atraída por seu fascínio e se deixou seduzir desde o primeiro encontro, que aconteceu no fim de janeiro de 1930, por ocasião de uma recepção oferecida por uma amiga comum, Resy Medici, para comemorar o regresso de Galeazzo da China, transferido para a embaixada da Itália junto à Santa Sé.

O encontro fora precedido por longo esforço de aproximação por parte das duas famílias. De fato, Mussolini acolhera com entusiasmo a sugestão que lhe fizera seu irmão. Enquanto a possibilidade de uma união com um representante da velha aristocracia romana lhe parecia pouco desejável, agradava ao Duce a ideia de casar a filha com o herdeiro de um velho companheiro de luta, cujo acesso à nobreza era bem recente – Costanzo Ciano fora feito conde pelo Rei Vittorio Emanuele por serviços excepcionais prestados à pátria na Grande Guerra.

Mas nem Benito nem Rachele desejavam impor à filha uma união que a desagradasse. Realmente queriam que Edda fizesse a escolha. Afinal, ela não andara se encontrando em certa época com um tal Kiko, com o qual, ao que consta, planejara fugir? Portanto deviam agir com prudência, com um pé em cada canoa. Edda, no verão de 1929, foi convidada pela Condessa Ciano e sua filha para ir a Levanto. As duas se referiram elogiosamente ao jovem adido da legação, lhe mostraram fotografias e cartas de Galeazzo e arriscaram algumas sondagens discretas que não pareceram impressionar a cavallina matta. Em seguida, houve um breve encontro na Ópera Real de Roma, em dezembro de 1929. Galeazzo acabara de regressar de Shanghai e estava acompanhando a mãe e a irmã no teatro, em uma apresentação do Barbeiro de Sevilha. Edda também estava presente, em companhia do pai e de dona Rachele e, no intervalo entre os atos, foi até o camarote da condessa para cumprimentá-la, quando mal teve tempo de reparar em seu futuro esposo, que Mussolini mandara chamar a seu camarote para falar sobre a situação na China. Mas o pouco que viu agradou e, quando o reencontrou no fim de janeiro, na recepção de Resy Medici, o interesse foi tal que, alguns dias mais tarde, ela mesma anunciou triunfalmente a seu pai que decidira se casar com o filho de seu amigo Costanzo.

O casamento foi resolvido a toque de caixa. Já Galeazzo foi à Villa Torlonia para pedir a mão da filha mais velha do Duce. Bem pouco à vontade em seu terno cinza e sem saber exatamente como começar sua fala, teve de enfrentar um Mussolini mais sério que nunca, preso à cadeira, os olhos fixos nos papéis que cobriam a mesa de trabalho até o instante em que pareceu se aperceber da presença do jovem diplomata. O noivado oficial teve lugar alguns dias mais tarde na mais estrita intimidade e o casamento religioso foi celebrado em 24 de abril. Na véspera, Mussolini e Rachele, que tinham horror a recepções oficiais, tiveram de receber na Villa Torlonia mais de quinhentos convidados importantes, entre os quais uns cinquenta membros do corpo diplomático, jornalistas, representantes do mundo político e membros da aristocracia e da cúria romana.

Após a cerimônia, o casal partiu em viagem de núpcias para Capri, e Mussolini fez questão de acompanhá-los de carro até Rocca di Papa, a uns trinta quilômetros da capital, “para poder chorar em paz no momento do adeus.” O prazer de ter encontrado para Edda um marido que correspondia plenamente aos seus desejos não era suficiente para compensar a dor da partida. Vivera por muitos anos afastado dessa filha rebelde e caprichosa, sempre disposta a contrariá-lo em suas breves estadas em Milão, em Villa Carpena ou à beira do mar, mas que era seu alter-ego e com a qual convivera nos derradeiros anos de sua juventude. Justamente agora, quando poderia desfrutar um pouco a presença em Roma de sua filha mais velha e pudera constatar que ela se tornara adulta, chegou a hora de ela deixar a casa paterna e seguir seu próprio destino. Desde logo começou a sentir uma inveja surda daquele genro janota, de quem não perdia oportunidade para realçar os méritos, sabendo da pouca consistência encoberta pela conversa brilhante e pelos modos principescos. Não era mais hora de ficar elaborando um balanço preciso de virtudes e defeitos do herdeiro dos Cianos. Mal terminada a “lua de mel,” o casal partiu para Shanghai, onde Galeazzo seria o cônsul-geral, primeira etapa de uma carreira que, em poucos anos, o levaria à direção da diplomacia italiana.

A partida de Edda em nada modificou o relacionamento de Mussolini com os outros filhos. Absorvido pela imensidão de suas tarefas, delas fazia pretexto para se furtar aos contatos com Vittorio e Bruno, como mais tarde aconteceu com Romano e sua irmã menor. Não se tratava apenas de serem diferentes de Edda e dele próprio, mas o fato é que perdera o hábito e, sem dúvida, o prazer dos atos e palavras que, sobretudo em um país como a Itália, estão culturalmente ligados à figura do pai. Tanto quanto podia, fugia das reuniões e dos ágapes familiares e falava pouco quando estava à mesa. Raramente mantinha uma conversa longa com os filhos, ou simplesmente os contemplava com uma reprimenda um pouco severa ou um pescoção, para pelo menos demonstrar interesse por seu comportamento ou por seu trabalho. Não participava de suas brincadeiras e no máximo dava alguns chutes em uma bola ou trocava algumas raquetadas no tênis ou no pingue-pongue e logo desaparecia.

As mulheres

Poucos memorialistas que desfrutaram da proximidade do dono da Itália fascista não alardearam seu apetite sexual e a atração que exercia sobre o belo sexo. Rachele e Edvige, por exemplo, dedicaram, cada uma, um capítulo às relações de Mussolini com as mulheres. O donjuanismo mussoliniano fazia parte da panóplia de sinais, aos olhos do italiano do povo, da imagem do super-homem.

Na verdade, a vida amorosa do Duce não constituía segredo de estado na Itália fascista. Sabe-se que houve amantes, que algumas tiveram lugar importante em sua vida e que a Sala do Mappamondo não servia apenas para receber visitantes estrangeiros e autoridades fascistas. As barzellette que circulavam em Roma e em toda parte quase sempre tinham como alvo as aventuras erótico-sentimentais do ditador e ninguém se perturbava com os rumores que corriam a propósito das ligações que ele supostamente mantinha com esta ou aquela personalidade feminina pertencente à alta sociedade romana ou ao mundo artístico. Por exemplo, atribui-se a ele um caso com a atriz Alida Valli que não passa de pura fantasia, e se fala, sem qualquer fundamento, de relações que iam além da política com a esposa do chanceler austríaco Dollfuss. Mussolini deixava que falassem. Não lhe desagradava parecer o típico macho latino e nada fazia que pudesse comprometer sua imagem.

O livro de memórias de Quinto Navarra contribuiu muito tempo depois para reforçar essa imagem. Segundo afirma o administrador do Palazzo Venezia, ao longo de toda a era fascista e até 25 de julho de 1943, Mussolini recebeu quase todos os dias uma visitante que experimentava sua virilidade. O camareiro do palácio relata:

 

Mulheres de todos os tipos e de todas as condições, se não de todas as idades. Ele parecia preferir as de meia-idade. Preferência pessoal ou capricho do destino? (…) Aliás, nesse campo, o Duce não era difícil, e para mim, que vi dia após dia uma mulher diferente pisar no inviolável gabinete do ditador, foi cada vez mais evidente que beleza não era indispensável a seus amores, confirmando o aspecto efêmero e burocrático que emprestava a essas aventuras espremidas entre duas audiências oficiais e obedecendo regularmente a um horário previamente estabelecido. Porém, jamais dedicava às mulheres mais tempo do que às siderúrgicas ou aos camponeses. Os arquivos da secretaria particular do Duce revelam indiretamente vestígios desses encontros privados. As folhas que registram as audiências, cuidadosamente preservadas, indicam a cada meia hora o nome e a condição de cada visitante e deixam um vazio quase sempre no fim da tarde, coincidindo perfeitamente com o que nos revela Navarra sobre os hábitos do patrão. As “senhoras visitantes” eram introduzidas na Sala do Mappamondo, de onde saíam uns dez minutos mais tarde, sem que nada em seu traje indicasse que tivesse acontecido entre ela e o chefe do governo algo mais que uma troca de palavras amáveis. Faltava a Navarra a perspicácia para descobrir no tapete ou nas almofadas fofas que cobriam o banco de pedra qualquer pista (um grampo de cabelo ou algum outro objeto) denunciando que o encontro não tinha sido tão platônico quanto se podia imaginar à vista da forma irretocável com que deixavam a sala as hipotéticas “amantes” do chefe do governo.

 

Quanto às groupies declaradas, elas não provocavam automaticamente uma reação erótica em seu ídolo, seja porque seu encanto não funcionava, seja porque o Duce tinha na cabeça algum outro projeto amoroso ou até mesmo porque estivesse simplesmente absorvido por outro tipo de preocupação, ou ainda, porque as “damas visitantes” podiam experimentar algum remorso tardio em defesa de sua virtude. As que não se detinham diante desses obstáculos deviam guardar do encontro a lembrança de um ataque rápido, brutal e explosivo. Mussolini não se comprazia com as lentas manobras preliminares e nem com os langores e efusões post coitum. O fato de nem mesmo tentar oferecer a suas admiradoras “um café, um licor ou mesmo um pedaço de bolo” era o que mais escandalizava o condescendente Navarra. As representantes da típica sociedade romana – na maioria burguesas, lembrando que Mussolini conservava um certo complexo em relação às pessoas que exibiam títulos – não eram necessariamente mais bem-tratadas. Só tinha direito a uma atenção um pouco mais especial a favorita do momento. Alguns nomes emergem da longa lista de “amigas” do Duce, como, por exemplo, dois casos bem diferentes, os de Romilda Ruspi e de Magda Fontanges.

A primeira residia na Villa Torlonia, no prédio reservado ao uso do proprietário do lugar. Mussolini, que gostava de percorrer as alamedas do parque a cavalo, não demorou a reparar em duas mulheres, ambas muito bonitas, e as cortejou assiduamente e Romilda não permaneceu muito tempo insensível. Seu marido, que ficara preocupado com o caso, foi declarado louco e submetido pela polícia a diversos aborrecimentos até que ocorreu a separação legal e a guarda dos filhos foi finalmente atribuída à esposa adúltera. Pouco tempo depois, Romilda deu à luz um terceiro filho, cuja paternidade atribuiu ao Duce. Para se livrar dela, este último lhe deu um apartamento no Largo Ponchieri em Roma, um posto de gasolina em Littoria e uma renda mensal que a polícia pagou regularmente à jovem ao longo dos anos. Magda Fontanges pertencia a outro mundo. Ex-atriz, jornalista do Le Matin, enviada especial do jornal parisiense em Roma e grande admiradora do Duce, foi com o objetivo específico de se tornar sua amante que pediu para ser recebida por Mussolini, obtendo sua concordância. Tomando conhecimento por intermédio de seu serviço de informações das ligações que a jornalista supostamente mantinha com o Deuxième Bureau, além de logo ter se cansado com a incômoda admiração que ela manifestava por sua pessoa, o Duce mandou que fosse gentilmente conduzida até a fronteira, com uma recompensa de 15 mil liras como acerto de contas. Porém, Magda, que se dizia apaixonada por seu herói e parecia um pouco desequilibrada mentalmente, não viu as coisas dessa forma. Inicialmente, tentou se envenenar, depois, em março de 1937, por ocasião da chegada à estação d’Orsay do embaixador de Chambrun – que ela acusava de tê-la denunciado a Mussolini como aventureira e espiã – feriu-o com um tiro de revólver do qual o representante da França em Roma custou a se recuperar. Ao lado desses idílios passageiros e às vezes quase cômicos, existiram mulheres que, em diversos graus, marcaram a vida de Mussolini. Embora suas relações com o Duce não tivessem sido tão apaixonadas quanto as outras duas, Angela Curti fez parte da categoria de amigas de longa duração. Mussolini a conhecera em Milão no começo de 1921, quando ainda era diretor do Popolo d’Italia. Filha de um de seus velhos companheiros de luta no partido socialista, a jovem, que era casada, manteve com ele uma ligação que durou até a partida de Mussolini para Roma e que teve seguimento por meio de longa e afetuosa amizade. Quando Mussolini estava de passagem por Milão, a visita que fazia a Angela não era de simples amizade e lhe manifestava o desejo de que fosse a Roma para se encontrarem.

Das mulheres com quem Mussolini manteve longas relações, Angela Curti não foi a que provocou reações mais violentas de Claretta Petacci, tendo em vista a intensidade da relação que, por mais de quinze anos, ligou o líder fascista a Margherita Sarfatti. Claretta alimentava um ciúme feroz da diretora do Gerarchia. Entre Benito e Margherita, as relações começaram a deteriorar bem antes que a filha do doutor Petacci se tornasse amante do Duce. A estrela daquela que, durante a segunda metade dos anos 1920, exercera uma espécie de ditadura sobre a cultura fascista começou a se apagar no início da década seguinte, quando, principalmente sob a influência de Farinacci, Mussolini se voltou para um conformismo cultural e ficou em oposição, ponto a ponto, à tendência modernista da qual Margherita Sarfatti era incansável propagandista.

O afastamento que pouco a pouco foi fazendo seus destinos divergirem teve, pois, motivação política. Mussolini acabara de celebrar a paz com a igreja, jogando a cartada da tradição contra o que restava de revolucionário e futurista na ideologia dos Fasci.

Rachele passou à ofensiva no início de 1931. Os casos amorosos passageiros de seu marido lhe pareciam toleráveis desde que não fossem objeto de comentários, mas não suportava sua ligação com la Sarfatti. Obviamente esta já não era a loura e bela veneziana que seduzira Benito quinze anos antes. Acabara de entrar na casa dos cinquenta. As feições e o corpo já não eram os mesmos. Mas ela representava aquilo que, um tanto conscientemente, fazia Rachele sofrer: não ser mulher elegante, mulher “do mundo” e, sobretudo, a intelectual que exercia sobre o Duce uma influência conhecida por todos. No princípio de 1931, depois de violenta discussão com Mussolini, ela exigiu que rompesse com Margherita, que a proibisse de publicar qualquer artigo no Popolo d’Italia e queimasse na sua frente um grande maço de cartas da amante. O Duce fez o exigido e prometeu fazer tudo que ela quisesse.

Ainda mais insidioso, mais perigoso para Margherita era o ódio que Edda devotava à amante oficial de seu pai. Enquanto Galeazzo permaneceu em seu posto em Shanghai, seus sentimentos não traziam grande reflexo sobre Margherita. Mas quando regressou à Itália, lançou contra a favorita uma ofensiva em grande estilo que não deixou de apressar sua desgraça definitiva. Exerceu influência diretamente sobre Mussolini no momento em que se esboçava a aproximação com a Alemanha e as relações com uma judia constituíam verdadeira afronta a Hitler.

Também em 1932 o chefe do fascismo conheceu aquela que logo iria ocupar lugar de destaque em sua vida, antes de compartilharem um destino trágico treze anos mais tarde. Foi um encontro fortuito do ditador com a jovem Clara Petacci, acompanhada por sua família, numa parada da estrada que liga Roma a Ostia. Havia dez anos a moça alimentava ilimitada admiração pelo líder da Itália. Vivia rodeada de suas fotografias, que recortava das revistas fascistas. Já lhe enviara cartas e poesias que se perderam na torrente de mensagens que chegavam diariamente. Embora o noivo de Claretta, o jovem tenente aviador Federici, estivesse presente, a jovem não se inibiu e se aproximou do automóvel do Duce para lhe manifestar sua admiração. Mussolini achou-a encantadora e convidou-a para visitá-lo no Palazzo Venezia. Ela o visitou algum tempo depois e passou a fazê-lo semanalmente, ainda que seu relacionamento se mantivesse absolutamente platônico e amistoso por quase quatro anos.

Só no verão de 1936 Claretta se tornou amante do chefe do governo. Nesse meio-tempo, tinha casado com o oficial aviador, separado e arranjado um amante, provocando em Mussolini, quando descobriu, violento acesso de raiva. Chamou sua amiga ao Palazzo Venezia, lamentou que ela se entregasse ao primeiro que apareceu “enquanto ele sempre respeitara nela a jovem e a esposa,” chamou-a de ordinária e prostituta e por fim a esbofeteou violentamente. Claretta se desmanchou em lágrimas, alegou que tinha um marido infiel e caiu nos braços de seu ídolo.

A cena se desenrolou no momento em que Mussolini estava sob grande tensão e experimentava um isolamento afetivo que os acontecimentos de 1935-1936 tinham agravado fortemente. A guerra da Etiópia, as ameaças das Potências Ocidentais e o embargo consequente, e a incerteza que ainda dominava a orientação da política externa italiana, apesar do imenso regozijo resultante da vitória sobre o Negus e da proclamação do Império, tinham afetado seu equilíbrio nervoso. Enclausurado em sua solidão, procurava encontrar alguém para ouvi-lo. Claretta foi quem se dispôs a fazê-lo naquele momento difícil.

Com vinte e quatro anos quando começou sua ligação com Mussolini, este já com cinquenta e três, a jovem já levava uma vida bastante ociosa, tendo abandonado muito cedo os estudos para se tornar diletante de pintura, poesia e piano. Dirigia seu próprio carro e sabia esquiar muito bem, mas a saúde delicada a impedia de fazer esforços físicos prolongados. A partir de 1936, todas as suas tardes foram dedicadas às visitas ao Duce no apartamento particular do Palazzo Venezia. Chegava entre quatorze e quinze horas pela entrada da via degli Astalli, era introduzida por Navarra no apartamento Cybo e se instalava na sala dello Zodiaco, passando horas a ler, escutar discos e desenhar modelos de vestidos que ela mandava confeccionar por costureiras diaristas. Por volta das dezessete, Navarra lhe servia um chá e batia um papo com ela, quando Claretta aproveitava para fazer perguntas sobre as relações de seu amante com outras mulheres, obrigando o fiel camareiro a se enrolar em mil mentiras. Normalmente Mussolini não aparecia antes das dezoito ou dezoito e trinta, quase sempre cansado e apressado.

Bem ou mal, Claretta se contentava com essa existência clandestina e os breves momentos de intimidade que lhe eram concedidos por seu dono e senhor. É verdade que, tão logo o segredo ficou conhecido, a condição de favorita que desde então passou a desfrutar lhe trouxe vantagens. Tal como os filhos do Duce, ela passou a ser alvo de todos que procuravam agradar ao ditador. As fabulosas despesas que fazia nas lojas mais chiques da via Condotti – o costureiro Montorsi, a joalheria Bulgari, Gabriella-Sport na esquina da piazza di Spagna – eram pagas frequentemente por seu irmão Marcello por conta de homens de negócio que assim esperavam fazer acertos vantajosos. O anel ornado com um diamante de doze quilates que Claretta levou para o túmulo lhe fora presenteado por um industrial lombardo que atribuíra à influência da moça junto ao Duce a obtenção de importante contrato. Obviamente, ficava lisonjeada – ela, a desconhecida que durante toda a adolescência devotara verdadeiro culto ao líder da Itália fascista – por ter sido escolhida entre milhares de candidatas e ser amada por seu herói. Mussolini amava apaixonadamente aquela jovem burguesa ociosa e frívola que nada indicava que viesse a ser uma das mulheres mais invejadas da Itália. Embora conservasse um belo aspecto, a idade e o exercício do poder o tinham desgastado prematuramente. Claretta representava juventude, vida, trazia ânimo novo a uma existência que, no plano pessoal, pouco a pouco estiolava no conformismo do quotidiano.

Obviamente, Claretta não podia pretender substituir a Sarfatti no papel de conselheira política e cultural que esta desempenhou durante quase quinze anos. O Duce lhe dissera sem rodeios no início de sua ligação: “Você não vai querer bancar a presidente, não é? Já houve uma mulher que me fez umas bobagens e não tenho a intenção de aguentar uma segunda.” Quando chegava a hora de deixar a Sala do Mappamondo e passar algum tempo junto da amante, geralmente não abordava problemas de estado, mas falava de si mesmo, da infância, das lutas políticas na mocidade, da guerra, das mulheres que conhecera e às vezes das que ainda encontrava.

Quando tinha que ir ao teatro para assistir a um espetáculo qualquer ou presidir uma manifestação fascista à qual ela fosse comparecer, exigia que fosse discreta na aparência e nos modos. No verão, quando ia com a família para Riccione, dava um jeito de encontrá-la às escondidas na hora do banho de mar para alguns instantes de cumplicidade, protegidos pelos dois impassíveis agentes policiais encarregados da segurança aproximada do Duce.

Sua condição de favorita era do conhecimento da maioria dos italianos. Claretta recebia todos os dias montes de cartas, vindas de todas as partes da península, solicitando da jovem uma ajuda em dinheiro, um cargo próximo ao chefe do governo, um determinado emprego, uma tabacaria ou uma loja de decoração.

Se é obrigação do biógrafo não se deixar tolher pela armadilha do “psicologismo” e não atribuir importância excessiva ao “particular” na sequência de acontecimentos, grandes e pequenos, que foram decisivos na ação do “grande homem,” fica óbvio, entretanto, que, em sua narração, deve levar em conta os raros momentos em que coincidem as inflexões do destino e as evoluções do cenário histórico submetido ao jogo de forças poderosas. Em 1936, como em 1918-1919, Mussolini sofreu uma reviravolta em sua vida. À tensão que acompanhou a violenta batalha das sanções, à partida de um de seus filhos para a frente de combate na Etiópia e à grave doença de Anna Maria, sucedeu a euforia de uma paixão que, por algum tempo, iria fazê-lo esquecer a proximidade da velhice. Em 1936, como em 1918-1919, é um pouco nesta segunda condição suscitada pelo innamoramento que ele iria, na política interna como na externa, pôr a aventura adiante da razão.