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O padre Paul Bak Gwangsu ajoelhou-se diante do bispo Simon Blanche, que ergueu a cabeça e viu o colarinho branco clerical. O bispo olhou nos olhos do jovem padre com expressão de sofrimento.
— Você precisa voltar. Este é seu chamado. Mesmo que seja apedrejado ou enrolado em uma esteira de palha e surrado, precisa revelar a verdade e apresentar a posição da Igreja. Nosso Senhor, que a tudo governa, no final acabará por revelar todas as coisas.
O bispo sabia mais do que ninguém como era difícil o trabalho missionário na Coreia. Desembarcara na ilha de Baengnyeong em 1880, fora preso por fazer obras missionárias em Baekcheon, na província de Hwanghae, e depois libertado graças à política de abertura aos estrangeiros da oligarquia do clã Min. Comparado a muitos dos padres ocidentais que antes dele foram decapitados no terreno de execuções em frente ao Portão Ocidental de Lesser, teve realmente muita sorte. Foi ele também que enviara o jovem Bak Gwangsu ao seminário em Penang, na Malásia, e ainda ele que o ordenara padre. O conflito com os nativos que o padre Paul enfrentava agora era um rito de passagem, algo pelo qual ele deveria inevitavelmente passar. Com certeza ele não havia se tornado padre sem saber disso, não é?
O rapaz abaixou de novo a cabeça. O bispo lhe garantiu uma vez mais:
— Sei que é difícil. Mas, por favor, diga-me que fará isso. Aquele lugar é um solo sagrado que a nossa Igreja defendeu com sangue. O Senhor perdoou o governador romano Pôncio Pilatos e as multidões que bradavam para Ele ser pregado na cruz. Por favor, faça o mesmo.
O padre fez o sinal da cruz e se levantou. O velho bispo o abraçou. Padre Paul saiu da sala do bispo carregando um fardo pesado. O sol era ofuscante. Ele apertou os olhos. Viu o corpo da mulher pendurado na árvore como um fantasma. Padre Paul cobriu os olhos com as mãos. Murmurou:
— Senhor, não fiz nada de errado. Meu Pai, sabes disso.
Abaixou as mãos, descobrindo os olhos. Depois balançou a cabeça com violência.
— Não posso voltar lá. Não importa o que o Senhor faça, meu Deus, não voltarei para aquela terra de demônios. Eles vão me matar, e será uma morte inútil.
“Então o que você planeja fazer?” Ele ouviu a pergunta vindo das profundezas de si mesmo. “Planeja desobedecer à ordem do bispo? Acaso você não é um padre que jurou obedecer aos seus superiores?” Padre Paul enterrou a cabeça entre as mãos.
— Ah, eu não sei! Por que sou tão fraco? Será que eu jamais deveria ter me ordenado padre?
Afastou-se, agitado. Andou a esmo por algum tempo e depois se agachou em frente à porta da casa de alguém. O mundo parecia diferente ali debaixo. A única coisa que ele podia ver eram pés e pernas. Olhou aqueles corpos desprovidos de caráter e de repente adormeceu. Sonhou. Estava caminhando em um lugar cheio de árvores, flores e pássaros que ele nunca havia visto antes. As folhas eram tão espessas, que o dia estava escuro como a noite. Seu suor parecia chuva. Quando passou por aquele lugar, subiu um morro íngreme, onde terras se espalhavam diante dele por dezenas de léguas em todas as direções. Aquele morro estranho, sem um único vestígio de presença humana, parecia um lugar onde a humanidade poderia se comunicar diretamente com Deus. Estava cheio de letras e esculturas curiosas, e um cavalo branco desceu do céu e escancarou a boca como se quisesse engoli-lo.