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A dinastia Joseon durou quinhentos anos. Quando foi fundada, em 1392, os povos vizinhos foram obrigados a prestar atenção nesse novo país, nascido de uma potência militar poderosa forjada no norte e da ordem política do neoconfucionismo. Contudo, depois de duzentos anos, Toyotomi Hideyoshi e seu exército cruzaram o mar vindos do Japão e o reino cambaleou durante seis longos anos. Os samurais foram expulsos, mas não muito tempo depois o exército de Jurchen atacou, e o rei Joseon bateu a cabeça no chão, implorando por misericórdia. O sangue que verteu da sua testa manchou as pedras do calçamento ao seu redor.
Nos anos que se seguiram, os membros da família real continuaram a nascer, crescer e deixar para trás mais descendentes reais. Reprimidos pelo poder dos clãs Andong Kim e Min, não podiam ter esperanças de um dia voltar à sua antiga glória, mas continuavam sendo o clã Jeonju Yi, a família real. Após Gojong tornar-se imperador em 1897, foram elevados à categoria de família imperial, mas ainda assim alguns deles passavam fome. Seu status social impedia que plantassem arroz nos campos ou frequentassem o mercado como mercadores. As concubinas do imperador eram obrigadas a remendar suas próprias roupas. Sua linhagem de sangue não lhes dava nada, mas lhes exigia muito — era uma maldição, não uma honra. Eles eram espinhos nos pés do Japão, que em breve engoliria o império coreano. O ministro japonês não parou um minuto de observar os parentes mais próximos do imperador, especialmente os que poderiam chegar ao trono. A Rússia e a China haviam perdido influência e recuado; ninguém sabia o que o Japão seria capaz de fazer para a gente de sangue nobre. Afinal, fazia poucos anos que a imperatriz tinha sido brutalmente esfaqueada por capangas japoneses.
Yi Jongdo, primo do imperador Gojong, reuniu a família:
— A vitória japonesa é iminente. O imperador não consegue mais dormir.
Assim que o título do augusto governante saiu dos lábios de Jongdo, toda a família curvou-se em reverência.
— Vamos partir — Ele chorou. Seu filho e sua filha, que ainda eram solteiros, mantiveram a cabeça abaixada. Apenas sua esposa, a senhora Yun, do clã Papyeong Yun, aproximou-se dele e se sentou ao seu lado.
— Para onde pretende ir?
Sua esposa e seus filhos só conseguiam pensar em alguns poucos lugares no sudoeste. Fugiriam para o interior quando a crise política estivesse mais próxima, criariam a geração mais jovem e ganhariam tempo, tal qual os oficiais de Joseon haviam feito nos últimos quinhentos anos. E então, quando o clima político mudasse na capital, os antigos rebeldes voltariam como leais vassalos — não era essa a história da política no clã Joseon? Porém, dos lábios de Yi Jongdo veio, em vez disso, uma palavra de três sílabas que eles nunca haviam ouvido falar.
— México? Onde é isso?
Em resposta à pergunta da esposa, Yi Jongdo disse que era um país distante, abaixo dos Estados Unidos. Acrescentou com gravidade:
— O império não durará muito tempo. Não podemos ser arrastados para o Japão e lá encontrar nosso fim, não é? Precisamos aprender com a civilização ocidental. Precisamos nos fortalecer ali. Antes do raiar do dia iremos aos santuários da realeza ancestral e nos curvaremos diante das divindades da nação, levaremos as placas com epitáfios de nossos ancestrais e então partiremos para Jemulpo. Rezo para que acatem a decisão do seu pai.
Yi Jongdo gritou:
— Vida longa à sua majestade, o imperador!
Sua família gritou em resposta:
— Vida longa, vida longa, vida longa ao imperador!
Mas seus gritos não passaram daquela porta. O filho mais novo de Yi Jongdo, Jinu, não conseguiu conter o choro. Era uma situação difícil para um membro tão jovem da família imperial, apenas catorze anos de idade, que estava lendo clássicos introdutórios chineses como Os analectos, de Confúcio, e Pequeno aprendizado. Sua irmã mais velha, Yi Yeonsu, que estava em idade de se casar, não demonstrou nenhuma emoção. Sabia que a maré já estava mudando. Até mesmo as garotas estavam cortando os cabelos e estudando os novos conhecimentos. Estava chegando um tempo em que elas aprenderiam inglês e geografia, matemática e direito, e ficariam em pé de igualdade com os homens. É claro que isso não era verdade no caso das mulheres de respeito. Os missionários primeiro levavam as mulheres socialmente banidas para as suas escolas. As filhas de açougueiros, as cortesãs da classe gisaeng[1] e as órfãs que não tinham com quem contar formavam uma classe, e a escola era sua única opção. Ali tinham roupas, livros e um lugar onde dormir. Sua mãe dizia impropérios para as moças estudantes que caminhavam pelas ruas com suas saias curtas, chamando-as de “desprezíveis”, mas Yeonsu, presa em seu manto, tinha inveja delas. Não conhecia o país chamado México, mas os Estados Unidos, sim. Se o México era vizinho dos Estados Unidos, então devia ser razoavelmente civilizado, um lugar onde as mulheres podiam estudar, trabalhar e dizer o que pensavam tal qual os homens, e acima de tudo onde não se prenderiam pessoas com o jugo à primeira vista atraente do sangue imperial, como se fazia aqui. Lá, eles seriam mais iluminados, não é? Ela fechou a boca com força e não disse uma palavra. Sua família interpretou seu silêncio como aprovação.
Em dois dias eles haviam abandonado seu lar, colocado as placas com os epitáfios de seus ancestrais às costas e partido para Jemulpo.
1 Ou kisaeng. Eram servas do governo coreano destinadas a entreter, podendo também agir como prostitutas, e surgiram na dinastia Goryeo. Algumas trabalhavam na corte, muitas nas casas de gisaeng. Recebiam extenso treinamento em música, dança e poesia nos institutos especializados para isso, os gyobang, e eram supervisionadas por oficiais do governo. Pertenciam à classe mais baixa na Coreia, e se tornaram parte fundamental da cultura da dinastia Joseon, aparecendo em diversas histórias populares. (N. da T.)